Vila Cruzeiro, 24 mortos: fracasso e vergonha para a polícia do Rio

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Operação policial promove matança em favela da Zona Norte, mas não consegue prender chefes de facção apontados como alvo

Por Oscar Valporto, compartilhado de Projeto Colabora




Na foto: Agentes deixam corpos no hospital: operação com 22 mortos é fracasso e vergonha para a polícia do Rio (Mauro Pimentel / AFP)

Em mais uma operação que deveria envergonhar qualquer força de segurança, ao menos 24 pessoas* morreram durante invasão de policiais na Vila Cruzeiro, na Penha, na Zona Norte do Rio, com o declarado objetivo de prender chefes do Comando Vermelho, principal facção criminosa do estado, e traficantes também do Norte e do Nordeste, que estariam escondidos na favela. Além das 24 mortes já registradas, cinco pessoas ficaram feridas. Nenhum chefe do tráfico foi preso.

A polícia do Rio é um fracasso; e é uma vergonha.

O massacre – chacina, matança – da Vila Cruzeiro foi promovido poucos dias depois do massacre – chacina, matança – do Jacarezinho, outra favela da Zona Norte, completar um ano. Naquele 7 de maio de 2021, uma operação, liderada pela Polícia Civil, tornou-se a mais letal da história sangrenta do Rio de Janeiro: 28 mortos, inclusive um policial civil. Dos 21 mandados de prisão expedidos na ocasião, os policiais – mais de 200 – só conseguiram cumprir três.

A polícia do Rio é um fracasso. E é uma vergonha: no começo do mês, policiais civis derrubaram um memorial, no Jacarezinho, Zona Norte, para lembrar os mortos na operação.

A matança desta terça de maio começou de madrugada, com intenso tiroteio entre a tropa policial – comandada pela PM, com apoio de policiais rodoviários – e os traficantes, que desdobrou-se pela mata, onde, em novembro de 2010, bandidos fugirem para o vizinho Morro do Alemão após uma cinematográfica ação das forças de segurança, inclusive com apoio do Exército, terem ocupado a Vila Cruzeiro e outras favelas do Complexo da Penha. Era para ser um marco do programa da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) Doze anos depois, assegura a PM, a Vila Cruzeiro reúne os mais poderosos chefões do Comando Vermelha – de vários pontos da Zona Norte e de outros estados. Nada menos pacífico.

A polícia do Rio é um fracasso. E, na verdade, o fracasso não é apenas da polícia; são de todos os governos incapazes de promover políticas de segurança que não sejam movidas a bala. Mas é a polícia que passa mais vergonha, levando insegurança e medo à população que devia proteger e servir.

Ninguém duvida de como deve ser dramática a rotina da população que vive num território dominado por traficantes (ou milicianos), que estabelecem sua própria lei. Na semana que vem, fazem 20 anos que o jornalista Tim Lopes, então na TV Globo, foi capturado, torturado e assassinado na mesmíssima Vila Cruzeiro. De lá para cá, foram 20 anos de tiroteios, operações policiais, ocupações e promessas. O Comando Vermelho dominava a favela e continua dominando.

A polícia do Rio é um fracasso; as “políticas” de segurança dos seguidos governo são fracassos igualmente retumbantes.

O roteiro da operação repete o padrão dos massacres promovidos pela polícia do Rio. No fim da manhã, os policiais já tinham desovado 11 corpos no Hospital Getúlio Vargas. Remover cadáveres é maneira segura de impedir qualquer perícia decente. A polícia do Rio é uma vergonha. A PM disse que os 11 eram “suspeitos” que haviam morrido em confronto.

A 12ª vítima foi Gabrielle Cunha, moradora da Chatuba, favela vizinha à Vila Cruzeiro, baleada em casa. A PM culpa os bandidos: como houve perícia no local antes da remoção do corpo, único caso da matança desta terça, é a hipótese parece mais provável. Outros 10 corpos foram encontrados na mata por motoboys da favela, de acordo com as informações dos jornalistas que estavam no hospital, para onde os corpos também foram levados. De acordo com a polícia, todos seriam criminosos mortos em confronto. Dois baleados, levados ainda com vida, morreram no hospital.

Durante a manhã de terror na região, 33 escolas e e quase 20 clínicas da família – do complexo de favelas da Penha e do vizinho Alemão – não funcionaram. É o efeito colateral das operações letais da polícia. Foi assim, aliás, em fevereiro, quando as mesmas PM e PRF fizeram uma incursão na mesma Vila Cruzeiro para prender ladrões de carga. Resultado oito mortos, nenhum preso.

A polícia do Rio é um fracasso.

Neste mais recente massacre da Vila Cruzeiro, o dia terminou com apenas 12 dos 23 “suspeitos” assassinados efetivamente identificados. Pelas primeiras informações, só cinco tinham passagens confirmadas pela polícia, a maioria por tráfico, nenhum por homicídio. A Defensoria, a OAB e entidades de direitos humanos e segurança pública protestaram contra a matança da polícia, que será investigada pela polícia.

A matança da Vila Cruzeiro vai servir, provavelmente, apenas para que o Rio de Janeiro relembre o massacre do Jacarezinho: um ano depois, dos 13 inquéritos abertos, 10 foram arquivados e um ainda está na fase de investigação. Dois criminosos foram denunciados pelo assassinato do policial André Cardoso; e dois policiais civis respondem pela execução de um homem desarmado.

O dia da matança na Vila Cruzeiro teve também a tradicional entrevista das autoridades policiais. O tenente-coronel Uirá do Nascimento Ferreira, comandante do Bope, disse que a operação deste trágico 24 de maio na Vila Cruzeiro “foi de inteligência”. Nenhum preso, 24 mortos: a polícia do Rio é uma vergonha. Disse também que estava sendo planejada para ser feita fora da favela, mas um ataque a uma patrulha levou a operação a abandonar o planejamento. Resultado: nenhum preso, 24 mortes. A polícia do Rio é um fracasso.

*Atualizada no dia 25/05 para acrescentar mais mortes aos dados oficiais

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