Por Kennedy Alencar, Colunista do UOL –
O tempo é o senhor da razão, reza o dito popular.
Faz sentido.
Uma confissão do ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas é exemplo disso.
O general reformado hoje teve papel determinante para mudar a história do país ao diminuir a chance do PT de vencer a eleição presidencial de 2018 e pavimentar a ascensão ao poder de Jair Bolsonaro (sem partido), o pior presidente da história do Brasil.
Num livro da FGV (Fundação Getúlio Vargas), Villas Bôas revela que houve em abril de 2018 uma articulação golpista para pressionar o STF (Supremo Tribunal Federal) a recusar um habeas corpus que poderia ter impedido a prisão do ex-presidente Lula.
A confissão de Villas Bôas deixa evidente que houve uma ameaça direta ao Supremo, o guardião da Constituição e uma das instituições basilares da democracia brasileira.
Na época, 3 de abril de 2018, Villas Bôas fez dois posts no Twitter.
“Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?”.
Segundo: “Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais.”
A pressão sobre o Supremo fica evidente no trecho “asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade”.
Não poderia faltar, é claro, o famoso “cidadão de bem”.
O STF sentiu a pressão. As ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber foram votos decisivos no placar apertado de 6 a 5 contra o habeas corpus, abrindo caminho para a prisão de Lula. Cármen Lúcia manipularia ainda a pauta do tribunal para evitar o julgamento de ação que poderia ter libertado Lula, por questionar a validade de prisão após condenação em segunda instância.
Lula ficaria preso por 580 dias em Curitiba até o STF desengavetar a ação ignorada por Cármen Lúcia.
Voltando a Villas Bôas, o livro-depoimento à FGV demole de vez a falsa figura de um general democrata e preocupado com a Constituição. Deixa mal o Alto Comando, pois evidencia o pensamento golpista do Exército que persiste até hoje nas Forças Armadas.
As manifestações de Villas Bôas, chamadas de “polêmicas” por setores da imprensa, são golpismo puro. Atentaram contra a Constituição.
Foram criminosas.
No livro, Villas Bôas relata ainda consulta do então vice-presidente Michel Temer sobre eventual aprovação do impeachment de Dilma Rousseff.
Na prática, ele garantiu o aval das Forças Armadas ao golpe parlamentar de 2016 e indicou o ministro-chefe do gabinete de Segurança Institucional de Temer, Sérgio Etchegoyen.
Há outros dois trechos do livro que são desmoralizadores para Villas Bôas e as Forças Armadas.
O primeiro é a revelação de que não houve pedido de desculpa das Forças Armadas por crimes cometidos na ditadura militar de 1964 por medo de punição na justiça.
Ou seja, covardia histórica e miopia política, pois o STF já disse que a anistia valeu para crimes cometidos por militares.
O segundo trecho é um resumo da fina do flor do pensamento bolsonarista que ajuda a explicar por que tantos generais fazem parte do governo do capitão. Villas Bôas diz: “Quanto mais igualdade de gênero, mais cresce o feminicídio; quanto mais se combate a discriminação racial, mais ela se intensifica; quanto maior o ambientalismo, mais se agride o meio ambiente”.
Precisa comentar?
Para quem deu um depoimento preocupado com o seu lugar na história, Villas Bôas deixou bem claro qual foi o caminho que decidiu seguir.
O errado.
Aquele rumo à lata de lixo da história.