E, mais uma vez, a polícia faz o que não é para fazer, usar da truculência contra a população. E, mais uma vez, a velha mídia faz o que não deveria fazer, se omitir em relatar os fatos como aconteceram.
Via Mario Marona e Fernanda Precioso
Ainda digerindo o que eu vi no Leme ontem somado à pouca coisa publicada nos jornais online de hoje.
Escutei muitos tiros. Meia hora depois, policiais desceram as escadas do Chapéu-Mangueira com um menino baleado dentro de um lençol. Atrás deles mais de 50 moradores gritavam “assassinos” e “fora UPP”.
Um morador contou que a revolta começou porque um policial deu voz de prisão a um menino, que saiu de casa desarmado e tomou 5 tiros. Ele ficou agonizando e os policiais se recusaram a prestar socorro. Também não deixavam ninguém chegar perto para ajudar e só depois de quase meia hora, debaixo de muita pressão e vaias, eles saíram com o menino dentro de um lençol.
Já na Gustavo Sampaio tentaram colocar o ferido dentro de um carro da PM, que arrancou em alta velocidade com a porta aberta, deixando o menino cair no chão, no meio da rua. Desesperados, os moradores do Chapéu e do asfalto fizeram de tudo para parar um ônibus, o que conseguiram com socos na lataria e arremessando tudo que encontraram em lixeiras ao redor. O ônibus foi para o Rocha Maia onde o menino morreu.
As pessoas continuaram na rua gritando que no dia seguinte e em todos os outros, não deixariam mais a UPP subir. O reforço policial chegou. Eram mais de 30 policiais armados de um lado e em torno de 60 pessoas do outro. 80% das pessoas que gritavam e apontavam para os policiais eram mulheres e boa parte menores de idade. Para dispersar, os policiais começaram a atirar com seus fuzis e tentar prender e imobilizar as pessoas.
Hoje pesquisei sobre o assunto e todas as matérias são sobre o confronto da polícia com traficantes, apreensão de drogas, o policial que levou uma pedrada durante a manifestação dos moradores, a depredação de um ônibus….
Nenhuma matéria fala que a UPP não prestou socorro. Que os moradores bateram no ônibus, para que ele parasse para levar um ferido para o hospital, já que a polícia fugiu. Que a polícia dispersou os manifestantes, que eram na sua grande maioria mulheres gritando e chorando, com tiros para o alto. Que apontaram fuzil na cara de menina de 13 anos.
Eu li o relato de uma amiga, professora, que teve que tirar o filho da cama e colocá-lo para dormir no banheiro de casa por causa da truculência da polícia militar e que ela precisava escrever porque só viu os jornalistas falando com os policiais e que sabia que hoje só se publicariam matérias equivocadas.
Eu vi uma menina desamparada gritando que era o segundo filho assassinado daquela mãe. Vi pessoas caindo descalças no chão. Vi a polícia desesperada com medo de ter que matar e com medo de ter que morrer.
Por isso eu to escrevendo e convocando os amigos jornalistas a irem atrás do que aconteceu ontem e do que acontece todo dia. Não sei que lente é essa que os redatores que publicaram suas matérias hoje usam para enxergar os fatos, mas me dá ânsia de vômito.
Precisamos falar sobre segurança pública. Precisamos falar sobre a desmilitarização da polícia. Precisamos debater a política das drogas. Precisamos falar sobre essa guerra. Ou continuaremos sendo o país em que a polícia é a que mais mata e morre no mundo. Em que ser jovem, preto e pobre é sair de casa todo dia sem saber se vai voltar. Em que o desespero de uma mãe é transfigurado em baderna. Tem muito sangue nas nossas mãos.
Isso tudo é indigerível. Vou continuar engasgada e sufocada, por mais que doa e enjoe, porque se a cada produção nossa não escorrer baba de toda a situação que nos envolve, estamos fazendo tudo errado.