Viradouro vence o carnaval carioca com as “primeiras feministas do Brasil”

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Por , compartilhado do Site Catarinas – 

A escola de samba de Niterói conseguiu de uma só vez contar uma história de invisibilidade e força femininas e ganhar o carnaval depois de 22 anos. Fazer crítica social e falar de histórias e pessoas que o Brasil não conhece foram a tônica de grande parte dos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro este ano.

“Levanta, preta, que o Sol tá na janela/ Leva a gamela pro xaréu do pescador/ A alforria se conquista com o ganho/ E o balaio é do tamanho do suor do seu amor”. E assim a Unidos do Viradouro levantou a Marquês de Sapucaí no primeiro dia de desfiles do grupo especial e levou o título de campeã do carnaval carioca. Dourada e cantando a orixá feminina das águas doces, Oxum, a Viradouro falou das “Ganhadeiras de Itapuã”, as mulheres negras baianas que trabalhavam lavando roupa na Lagoa do Abaeté, vendendo comida ou carregando água para se sustentar e comprar a própria alforria e de outras mulheres.

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Vídeo: Marco Aurélio Silva




Enquanto a história oficial fala da benevolência da princesa Isabel como promotora da libertação dos escravos, as histórias das pessoas comuns e o carnaval vão preenchendo as lacunas da história do Brasil. E disputando a nossa memória. Quilombos e lavadeiras tiveram um protagonismo maior do que a memória brasileira gostaria de contar. E a Viradouro contou. Com luxo, água e um samba que levantou a arquibancada.

“Ó, mãe! Ensaboa, mãe!
Ensaboa, pra depois quarar
Ó, mãe! Ensaboa, mãe!
Ensaboa, pra depois quarar”

A segunda escola a desfilar na Marques de Sapucaí carnaval de 2020 conectou a história das negras escravizadas e libertas com a luta contemporânea das mulheres. Ela tanto homenageou as Ganhadeiras de Itapuã do passado quanto as mulheres que hoje compõem um grupo musical com o mesmo nome em Salvador. Foi através delas, todas mulheres negras, que a escola chegou à história das mulheres do século XIX.

Foto: Marco Aurélio Silva

A Viradouro fez a história, a atualidade e o samba fazerem sentido e empolgar a multidão. E o público cantava o refrão que colou e levantou a Sapucaí: “Ora yê yê ô Oxum! Seu dourado tem axé. Faz o seu quilombo no Abaeté. Quem lava a alma dessa gente veste ouro. É Viradouro! É Viradouro!”. Mestre Ciça faz uma paradinha, deixa o surdo fazendo marcando as batidas do coração, toca ijexá, leva cinco notas 10, a escola ganha o Estandarte de Ouro do Jornal O Globo de melhor enredo, as mulheres contam as histórias de dificuldade e de luta de ontem e de hoje, o público canta, uma ala de mulheres joga cocadas para a plateia, Oxum lava a avenida e a Viradouro leva o carnaval.

É bom dar contexto à essa vitória e pensar que segue até uma tendência. A campeã do ano passado foi a Mangueira, que também trazia um enredo feminino e invisibilidades da História. A escola também falou de personagens importantes e esquecidos como Luísa Mahin, mulher escravizada que atuou em revoltas ocorridas na Bahia no século XIX, e fez referência direta ainda às lutas e à morte da vereadora Marielle Franco, assinada no Rio de Janeiro em 2018.

Neste ano, depois da vitória da Viradouro, nos jornais da noite todo mundo fala de feminismo, da história não contada antes sobre as Ganhadeiras e apresentadoras de jornal até terminam matérias dizendo que as lutas das mulheres continuam hoje. Os sites complementam dizendo que a situação das mulheres ainda é de muita luta e desigualdade. As mulheres negras recebem, no Brasil, segundo o IBGE, menos da metade do que os homens brancos, que ocupam o topo da remuneração no país. As escolas de samba estão ocupando o lugar da crônica contemporânea brasileira e mostrando as histórias invisibilizadas e as desigualdades. O jornalismo e a escola vão aprendendo com o carnaval. E a gente também.

“São elas, dos anjos e das marés
Crioulas do balangandã, ô iaiá
Ciranda de roda, na beira do mar
Ganhadeira que benze, vai pro terreiro sambar
Nas escadas da fé/ É a voz da mulher!”

Assista ao documentário “As ganhadeiras de Itapuã”

*Vanessa Pedro é jornalista, doutora em Literatura pela UFSC, professora de Jornalismo da Unisul.

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