Por João Fellet, Publicado em BBC Brasil –
Visitado por Jair Bolsonaro (PSL) em sua viagem ao Texas (EUA), o ex-presidente George W. Bush exibe à entrada do edifício que abriga seu instituto, em Dallas, dois objetos associados à relação próxima e inusitada que o americano construiu com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
São tigelas de cerâmica presenteadas em 2005 pela então primeira-dama brasileira, Marisa Letícia (1950-2017), à então primeira-dama americana, Laura Bush.
Os artefatos – esculpidos pela ceramista brasileira Rosa Maria Piatti e ladeados por outros presentes, como um colar de ouro ofertado pela ex-primeira dama francesa Cécilia Sarkozy – estão expostos em um dos painéis que adornam o hall de entrada do George W. Bush Presidential Center, prédio que abriga um museu e uma biblioteca do ex-presidente.
O local fica a poucos quilômetros do escritório onde Bush e Bolsonaro realizam um “encontro privado” nesta quarta-feira, 15.
A reunião é um dos pontos altos da visita do brasileiro ao Texas, organizada após protestos o fazerem desistir de viajar a Nova York, onde seria homenageado pela Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos. A premiação foi transferida para esta quinta-feira em Dallas.
Cortesia a dignatários estrangeiros
Em 9 de maio, Bolsonaro deu a entender que Bush teria participado do planejamento de sua visita ao Texas.
“Se eu não posso ser bem recebido em Nova York, seremos no Texas. Está tudo acertado pelo ex-presidente Bush, pelo (senador) Ted Cruz, entre outras autoridades”, ele afirmou.
Porém, a assessoria do ex-presidente americano disse à BBC News Brasil que Bush “não se envolveu na organização da viagem e não estendeu o convite para que ele (Bolsonaro) viesse a Dallas”.
Em nota, a assessoria diz que Bush “concordou em se encontrar com o presidente Bolsonaro após saber de sua visita à cidade – uma cortesia que ele regularmente oferece a dignatários estrangeiros que estejam na região.”
Até esta quarta-feira, não estava previsto qualquer encontro entre Bolsonaro e o senador texano Ted Cruz, também citado na fala em que o presidente anunciou a ida a Dallas.
Bolsonaro e líderes republicanos
Ao se acercar de Bush, Bolsonaro tenta expandir seus contatos com líderes conservadores americanos.
Em março, o brasileiro foi recebido em Washington pelo presidente Donald Trump e se comprometeu a privilegiar os laços com os Estados Unidos.
Bush, Cruz e Trump são membros do Partido Republicano, de viés conservador.
Se hoje os presidentes do Brasil e dos EUA defendem várias bandeiras políticas similares, o cenário era bem distinto em 2002, quando Bush comandava a Casa Branca e Lula – hoje preso e condenado por corrupção e lavagem de dinheiro – venceu a corrida para o Palácio do Planalto.
Apesar disso, os dois se aproximaram tanto que Lula se tornou, em 2007, o primeiro presidente latino no governo Bush a visitar Camp David, casa de campo da Presidência dos EUA normalmente reservada a encontros mais detalhados com aliados importantes.
Dobradinha Lula-FHC
No livro 18 Dias: Quando Lula e FHC se Uniram Para Conquistar o Apoio de Bush, Matias Spektor, professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), descreve como o petista desarmou os receios da Casa Branca após sua ascensão à Presidência.
A vitória do político esquerdista fez muitos analistas preverem que empresários e investidores estrangeiros deixariam o Brasil.
Para tentar tranquilizar os mercados, o petista fez um aceno à nação símbolo do capitalismo, os Estados Unidos.
Antes de sua posse, “Lula despachou José Dirceu (futuro ministro da Casa Civil) para os EUA e acionou grupos de mídia e banqueiros brasileiros que tinham negócios com a família Bush”, conta Spektor.
Na empreitada, o petista contou com o apoio de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, que enviou assessores à Casa Branca para avalizar o futuro governo e fez da embaixada brasileira em Washington uma “mensageira da oposição recém-eleita”.
Spektor conta que “FHC não agiu por benevolência ou simpatia pessoal por Lula, mas puro cálculo político”.
“A sobrevivência do real e do programa tucano de reformas sociais dependia da aceitação, nos mercados internacionais, de um governo brasileiro de esquerda. FHC apelou para os EUA em nome de Lula porque a economia se encontrava na berlinda, e uma transição instável poderia destroçar seu maior legado: a moeda estável.”
A iniciativa deu certo, segundo Spektor, e levou a diplomacia americana a elevar o Brasil “ao status de ‘potência emergente’ ainda em 2002, antes mesmo que a economia brasileira deslanchasse”.
‘Mais democráticos que Obama’
Em 2018, dias antes de ser preso, Lula exaltou a parceria com Bush.
Em conversa com o ex-presidente do Equador Rafael Correa – que teve um pedido de prisão decretado pela Justiça equatoriana e hoje vive na Bélgica -, Lula disse que Bush e sua secretária de Estado, Condoleezza Rice, “foram muito mais democráticos (na relação com o Brasil) do que (Barack) Obama e Hillary Clinton”.
Obama e Hillary pertencem ao Partido Democrata, de viés progressista.
Segundo o petista, Obama recusou a ajuda do Brasil para lidar com países mal vistos pelos EUA, como o Irã, a Venezuela e o Equador.
“O Bush e os republicanos têm uma visão mais realista, eles compreendem melhor a importância do Brasil”, afirmou Lula.