Publicado no Jornal GGN –
Depois de arrebentar com o sistema de infraestrutura no país, o Ministério Público Federal prepara suas duas novas ofensivas: a desmoralização do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) e a criminalização dos fundos de pensão, através da Operação Greenfield.
Se não começar a ter um mínimo de discernimento, se não houver uma liderança bem informada, mostrando a importância de preservar setores, essa multiplicação de forças tarefas, com suas parcerias midiáticas, arrebentará com o que resta de perspectiva econômica do país.
Peça 1 – o papel dos fundos de pensão
Em todos os países desenvolvidos, os fundos de pensão são os principais investidores em projetos de infraestrutura, por suas características de longo prazo e rentabilidade estável.
Em economias desenvolvidas, o mercado de capitais é importante fonte de capitalização das empresas. Hoje em dia, nos Estados Unidos, o maior fator de renovação tecnológica são os chamados venture capital, investindo em startups (empresas recém-criadas).
No Brasil, embora ainda longe dos padrões internacionais, os fundos de pensão assumiram uma relevância enorme. Em abril de 2016, as 250 entidades tinham patrimônio total de R$ 721 bilhões, ou 12,6% do PIB nacional. Ou seja, em qualquer modelo econômico, são peças fundamentais para o financiamento da infraestrutura.
Na última década, os fundos de pensão públicos foram desafiados em duas frentes.
A primeira, a capitalização dos grandes projetos de infraestrutura. A segunda, o estímulo ao mercado de capitais e às empresas startups. Foi um movimento que envolveu a Finep (Financiadora de Estudos e Pesquisas) e as Fundações de Amparo à Pesquisa e veio amparado em mudanças legais relevantes.
Em 2004, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) reformulou a legislação sobre Fundos de Investimento em Participação (FIP), visando estimular as chamadas empresas nascentes, através dos private equity e venture capital.
O segundo movimento foi através do Conselho Monetário Nacional (CMN) normatizando o mercado de gestão de ativos, visando uma diversificação do portfólio. Com a Resolução 3792, de setembro de 2009, o CMN ampliou o percentual para aplicação dos recursos dos fundos de pensão em renda variável, passando do limite de 50% para 70%. Procurou estimular os recursos para os Fundos de Investimento em Participações (FIP’s), Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC’s) e Fundos Imobiliários (FII’s). Na Greenfield, os alvos principais são justamente os FIPs, FIDCs, e FIIS.
Antes disso, a transição da renda fixa tinha sido lenta. Em parte, pelas taxas de juros extremamente elevadas. Em abril de 2016, apenas 10,6% das carteiras estavam fora da renda fixa. Dentre os dez maiores fundos, 76% dos ativos correspondiam à renda fixa.
Em parte, pela imensa dificuldade com órgãos de controle. Uma das características do venture capital são as apostas de maior risco. Nos EUA, aceitam-se 9 apostas erradas em cada 10. Isso porque, com a explosão de novas tecnologias rompendo com padrões históricos, a jazida de ouro não será localizada em empresas convencionais.
No entanto, no Brasil, se um fundo público tiver uma margem de acerto de 9 entre 10 empresas, o investimento que fracassou será alvo único dos órgãos de controle.
Peça 2 – a governança nos fundos de pensão
A partir de 2003 os fundos passaram por amplo processo de profissionalização. As decisões de investimento precisavam passar por comitês de investimento, com participação de representantes dos funcionários e todas as reuniões passaram a ser gravadas.
No caso da Funcef, o patrimônio saltou de R$ 9,7 bilhões em 2002 para R$ 44 bilhões em 2010, com uma rentabilidade de 310% contra uma meta atuarial de 154%.
A modernização da legislação dos fundos começou em 2001 com as Leis Complementares 108 e 109. Em 2007 foi criada a PREVIC, para fiscalizar os fundos, em substituição à Secretária de Previdência Complementar do Ministério da Previdência.
Para evitar a repetição de déficits, a maioria dos planos conseguiu implementar o sistema de contribuição definida, em lugar dos antigos planos de benefício definido. Foi um avanço até hoje não conquistado nos Estados Unidos.
A melhoria da regulação não impediu que a politização de alguns fundos gerasse escândalos de monta, como foi o caso da Real Grandeza, de Furnas, que ficou sob domínio da quadrilha de Eduardo Cunha, e o Postalis, dos Correios, durante certo período sob controle de outra quadrilha que enfiou debêntures podres na carteira do fundo.
Mas, no geral, a indústria dos fundos comportou-se de maneira profissional e saudável, especialmente os fundos maiores e mais profissionalizados. O bom desempenho no período 2003 a 2010 foi calçado da governança implementada mas, também, no quadro de crescimento econômico.
Peça 3 – os fundos e a crise global
A crise de 2008 desequilibrou os preços dos ativos globalmente, trazendo desequilíbrios à indústria de fundos mundial.
Especialmente no caso de renda variável, há uma enorme influência da conjuntura econômica sobre o valor dos ativos. Por exemplo, os ativos que operavam no mercado de commodities – petróleo, alumínio, soja, níquel etc. – sofreram tremenda valorização no período de boom. Quando o mercado veio abaixo, obviamente os valores dos ativos despencaram. Ocorreu com a Vale, com mineradoras britânicas, australianas, sul-africanas. E ocorreu com a Petrobras no infausto episódio de Pasadena no qual a queda dos preços do petróleo impactou todos os ativos do setor.
A crise internacional impactou a maioria dos fundos de pensão internacionais devido à queda dos mercados. Relatório do JP Morgan, por exemplo, mostrava que em junho de 2015 o total de ativos dos fundos públicos norte-americanos correspondiam a apenas 69% do total de suas obrigações. No caso de fundos ligados a empresas privadas, o déficit global chegava a 20%.
No caso brasileiro, os fundos foram salvos pelo desequilíbrio das taxas de juros extremamente elevadas. Em abril de 2016 o déficit global era de R$ 55,3 bilhões, com 93 fundos com resultados negativos e 133 com superávits.
Aí começaram as confusões intencionais ou não. Uma delas foi a confusão entre déficit atuarial e rombo. O déficit atuarial surge quando a capitalização do fundo não atende à previsão de benefícios futuros. Sempre ocorre em períodos de recessão econômica. O rombo decorre de malversação de recursos e de volumes significativos de maus investimentos.
Peça 4 – a criminalização dos fundos de pensão.
Mesmo com esses avanços, a Operação Greenfield parece ter a nítida pré-posição de criminalizar a atividade dos fundos de pensão. E é um caso a mais para comprovar os malefícios do uso indiscriminado de vazamentos para criar situações de fato
Todas as decisões da Funcef são colegiadas e todas as reuniões gravadas. Quando a Operação foi iniciada, a Funcef disponibilizou as gravações para os procuradores. Ali haveria material à vontade para um bom trabalho técnico, criterioso, responsável, separando os golpes reais das decisões de investimento que foram superadas pela mudança de cenário.
Logo depois de disponibilizadas as gravações, uma revista semanal estampou parte dos diálogos gravados da Funcef, em tom de denúncia e como fosse uma descoberta dos procuradores da Greenfield.
Há tempos procuradores recorrem ao estratagema de vazar uma informação, criar um escândalo e com base na publicação tomar medidas legais. Em 2002 já denunciava isso (http://glurl.co/n54 e http://glurl.co/n55). Não sei se se trata do caso da Greenfield, mas a maneira como as conversas foram vazadas sugerem que sim.
Investimentos “”greenfield” em geral são de difícil precificação. E bastante suscetíveis ao momento econômico. Por isso mesmo, booms ou crises econômicas afetam diretamente seu valor de mercado.
No entanto, os procuradores da Greenfield estão praticando o subjetivismo persecutório até em cima de investimentos de fácil precificação – como os imobiliários.
Em 2015 foi aberta uma Ação Civil Pública, que motivou a CPI dos Fundos de Pensão. O que motivou a CPI foi a compra de um terreno em Cajamar baseado em reportagens de uma revista semanal.
Segundo a reportagem, o terreno valeria R$ 90 milhões e o Postalis teria pago R$ 190 milhões.
O MPF do Distrito Federal ingressou com ação baseada em denúncia anônima. E engrossou a denúncia com argumentos periféricos, de que o investimento não batia com a política do Postalis. Foi distribuída a ação com pedido de indisponibilidade de bens dos dirigentes do fundo.
A alegação da defesa foi a de que o Postalis não havia comprado terreno, mas o negócio. Os Correios queriam um centro de distribuição e queriam comprar negócio próprio. A região foi escolhido com base na demanda e nas facilidades logísticas, com saída fácil para a Bandeirantes e Anhanguera, próximo a Viracopos.
Uma empresa apresentou a proposta. Houve um laudo de avaliação da Richard Ellis que concluiu que o negócio valeria entre R$ 170 milhões e R$ 220 milhões.
Comprou-se o terreno, mas a construção sob medida, a terraplanagem, a licença ambiental, a estrutura de fibras óticas e a construção própria para caminhões de grande peso.
O MPF avaliou o negócio em R$ 90 milhões tomando por base apenas a denúncia anônima, sem nenhum laudo que reforçasse a avaliação.
Mesmo assim o MPF ingressou com a ação e a juíza determinou preventivamente o bloqueio de bens de pessoas físicas e da empresa. A defesa pediu produção antecipada de provas e a juíza nomeou um perito. O MPF designou engenheiros para acompanhar a avaliação.
Deferida a perícia, sua conclusão foi a de que não havia nenhum embasamento na avaliação do MPF. Acusou o MPF de imperícia e apontou um valor de negócio de R$ 227 milhões, em valores de janeiro de 2014.
O MPF questionou o perito, mas este manteve o laudo.
Em dezembro a juíza considerou que a opinião do perito havia sido clara e não havia fundamento para manter o bloqueio dos bens dos investigados.
O MPF rapidamente agravou da decisão para manter o bloqueio. Distribuído no final do ano, conseguiu que o desembargador de plantão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) suspendesse a decisão.
A defesa agravou para o TJ e o desembargador Nery Junior negou o efeito suspensivo pleiteado pelo MPF.
A decisão demonstra que muitas vezes o MPF trata denúncias de maneira açodada, com base em suposições ou no que sai nos jornais. E, com isso, acaba com a vida de pessoas. No caso, não bastaram laudos de empresas de consultoria internacionais. Valeu uma denúncia anônima que saiu impressa e que pode ter sido alimentada pela própria força tarefa.
Agora, surgem indícios de mudanças que estariam sendo operadas no âmbito da Polícia Federal visando conferir seletividade nas operações contra os fundos de pensão (http://glurl.co/n5E), tentando afastar justamente a geração que conseguiu implementar critérios de governança.