Qual o tema capaz de unificar o país em torno de um projeto? Certamente não é a macroeconomia. Também não são os temas morais.
Por Luis Nassif, compartilhado de GGN
Peça 1 – a volta da conspiração
No Xadrez anterior, mostrei a estratégia de Lula, de ocupar a centro-direita – com todos os riscos aí embutidos. Por trás dela, está o cerco a que é submetido.
Em entrevista à TV GGN, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo lembrou outros momentos históricos: o cerco ao segundo governo Vargas (que o levou ao suicídio); o cerco que começa com JK e vai até Jango; e o cerco que leva ao impeachment de Dilma e à ineligibilidade de Lula em 2018.
Desenha-se algo semelhante.
Mas há uma diferença essencial, até agora, entre Lula 3 e JK. Juscelino tratou de aproveitar o momento para iniciar a moderna industrialização brasileira, mas aliado aos setores industriais e mesmo financeiros. Não se deve esquecer que o poderoso grupo Monteiro Aranha era sócio da Volkswagen e capitais mineiros sócios da Willys Overland.
Além disso, a fabricação de automóveis abriu espaço para o nascimento e/ou crescimento de grandes indústrias, como a Marcopolo, Randon, Tupy, Villares, Bardella, Metaleve.
Não se tratava apenas do aspecto econômico, mas do político, que forneceu a JK uma base de apoio capaz de impedir as sucessivas tentativas de golpe de estado – contando, ainda, com o Marechal Henrique Duffles de Teixeira Lott.
O problema de Lula é que, até agora, não logrou montar nenhum arco de aliança na economia. No Congresso, depende de troca de favores. Na sociedade, mantém apenas o apoio integral de bolhas, cada vez mais decepcionadas com as concessões inevitáveis. E não conseguiu, ainda, montar alianças em um momento que antecede profundas transformações na economia e na sociedade brasileira.
Peça 2 – o caminho do grande pacto
Qual o tema capaz de unificar o país em torno de um projeto? Certamente não é a macroeconomia. Também não são os temas morais. Ou seja, deve continuar na defesa das pautas progressistas, mas não imaginar que possam ser agregadoras. O mesmo vale para as pautas identitárias. A submissão ao mercado é uma tática defensiva, não mobilizadora.
A pauta unificadora é a defesa da produção. Por tal entenda-se empresas pequenas, médias e grandes, seus trabalhadores, cooperativismo, agricultura familitar, associações comerciais etc.
Há duas estratégias capazes de repetir o fenômeno JK.
Para os grupos familiares mais ricos, a possibilidade de participar de projetos ligados à nova indústria. Precisamos de novos Mindlins, Lafers, Villares, Bardellas.
No período JK, a vinda da indústria automobilística foi amarrada ao compromisso de uma indústria de autopeças nacional. Junto vieram as fábricas de máquinas e equipamentos, de ônibus, carrocerias, motores.
O desenho da neoindustrialização não pode prescindir dessas exigências para os investimentos externos que quiserem aportar ao país.
Peça 3 – a política para os pequenos
A segunda frente será uma política de desenvolvimento voltada para os pequenos. Até agora nem pequenos nem pobres, nem mão de obra não qualificada entraram nos projetos de neoindustrialização. E o país dispõe de uma ampla estrutura de apoio, no sistema S, no Sebrae, na estrutura de bancos públicos, dos Correios, para uma política de organização e capacitação dos pequenos.
Não basta ensinar o pequeno empresário a usar o computador. Ele precisa se inserir nas plataformas de produção, aprender a se organizar em arranjos produtivos, em cooperativas, montar parcerias com institutos de pesquisa para ganhos incrementais.
Lula precisa se dar conta de que, presidindo um conselho que atue nesse universo, que ajuda a levantar a auto-estima do pequeno produtor, romperá as bolhas e dará, a cada um deles, a missão de contribuir para o desenvolvimento do país.
Hoje esse universo esta abandonado. O estado só se manifesta através da fiscalização, porque a política econômica é controlada pela Faria Lima. Esse pessoal se tornou, em grande parte, bolsonarista por inércia, por se sentirem abandonados pelo Estado e pelos governantes.
Peça 4 – o arco do desenvolvimento
O bolsonarismo conseguiu a adesão de milhões de pessoas conferindo-lhe o papel de salvadores do país, com uma missão simples: rezar na porta de quartel.
Já o público da economia real, com seu trabalho – por mais simples que seja – está de fato contribuindo para a salvação do país. Precisa ficar claro que é a atividade na economia real, do bar, da pequena confecção, da horta comunitária às grandes indústrias, que contribuirão decisivamente para a reconciliação e o desenvolvimento do país.
Lula tem as características principais para liderar esse processo. Primeiro, a empatia com o povo. Depois, a satisfação óbvia quando percebe qualquer avanço no país – da pedra fundamental de uma refinaria às meninas e rapazes que conseguem se formar.
Precisa apenas entender que o terceiro governo necessita de uma marca, e a marca está na capacidade de incentivar todo o país em direção do desenvolvimento.
No período JK, qualquer empresa, de qualquer tamanho, tinha seu “plano de metas”, seu planejamento sobre o que queriam ser no tempo.
O grande arco de alianças de Lula está nas confederações e federações empresariais, na estrutura do cooperativismo, na multidão de pequenas empresas espalhadas pelo país. Eles precisam sentir que Lula é o paizão, e que eles são heróis da pátria – muito mais úteis do que os traders de mercado.