Por Luis Nassif, compartilhado de Jornal GGN –
Peça 1 – aqui se mostra o modo de atuação de Ricardo Barros,acusado de levar à morte 14 portadores de doenças raras
A primeira peça o jogo é modo de atuação do deputado federal Ricardo Barros (Progressistas do Paraná).
Quando Ministro, Ricardo Barros fechou a Central Nacional de Armazenagem e Distribuição de Imunobiológicos e passou a operação para uma empresa do grupo brasiliense Voetur.
Não foi o único caso obscuro.
Em 2019 foi denunciado pelo Ministério Público Federal em uma ação de improbidade administrativa na compra de medicamentos para 152 doenças raras. As compras foram junto às empresas Global Gestão de Saúde, Tuttopharma LLC e Oncolabor Medical Representações Ltda, sem histórico de fornecimento à administração pública.
Segundo a denúncia, os remédios não foram fornecidos, levando à morte pelo menos 14 pacientes que dependiam deles. Parte dos atrasos se deveu à ausência de Detetor de Registro (DDR) por parte das empresas. Sem o documento, não obtiveram registro da Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária).
Segundo o MPF, Barros determinou a centralização em seu gabinete de todos os processos de compra por ordem judicial
Diz a denúncia:
“O que causa espanto, neste caso – de aquisição do tipo emergencial para cumprir decisões judiciais diversas – é que os requeridos tenham optado por contratar empresa que, ao que tudo indicava, não poderia cumprir o contrato e, ainda que posteriormente demonstrada esta impossibilidade, não tenham logo adotado as medidas de sua competência para sanar os vícios dessa contratação”.
Em lugar de apurar as razões do não fornecimento, Barros pagou R$ 19 milhões antecipadamente à Global, atropelando levantamentos da área técnica do Ministério, indicando irregularidades e ausência de previsão legal e contratual.
Não ficou nisso.
Ainda no ano passado, foi alvo de mandado de busca e apreensão acusado de lavagem de dinheiro e corrupção para “facilitar negócios no ramo da energia eólica”. Os supostos crimes teriam sido cometidos entre 2011 e 2014, na função de Secretário de Indústria, Comércio e Assuntos do Mercosul no governo de Beto Richa, no Paraná.
Barros é um dos mais influentes líderes do Centrão. Foi líder do governo com Fernando Henrique Cardoso, vice-lidar com Lula, ex-Ministro da Saúde com Temer e, desde agosto passado, é líder do governo Bolsonaro.
Peça 2 – um pequeno detalhamento da atuação da Global Gestão de Saúde
Vamos focar, agora, na Global, a empresa beneficiada por Barros.
Em 26.03,2015, em plena luta em torno do impeachment, a Global foi beneficiada com um enorme contrato com a Petrobras, no valor de R$ 534 milhões
No mesmo período em que foi beneficiada por Barros, a Global conquistou um enorme contrato com a Petrobras, dentro do programa Benefício Farmácia, o plano de saúde da empresa.
O programa era amplo:
“Serão incluídos na nova lista de medicamentos cobertos os que se destinam a terapia de reposição hormonal, obesidade, injetáveis para artrose de joelho, vitaminas e suplementos minerais.
Em 16.06.2015, o site da Petrobras anunciava 193 mil beneficiários cadastrados. Pouco depois, um abaixo-assinado de empregados da ativa e aposentados, dirigido ao então presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, pedia a substituição da Global.
Nós, abaixo-assinados, funcionários ativos e aposentados do Sistema Petrobras, vimos requerer de V.S.ª que seja regularizado o Benefício Farmácia conforme previsto em Acordo Coletivo Vigente, assim como a imediata substituição da empresa Global Saúde como prestadora do serviço, face ao elevado número de reclamações e insatisfações registradas nos canais internos da companhia a exemplo de sucessivas autorizações negadas sem razão, elevado tempo de sistema fora do ar, problemas com reembolsos, problemas com entrega em domicílio (delivery), elevado número de medicamentos sem cobertura, exigências abusivas de exames, entre outros problemas de conhecimento da Ouvidoria da AMS, Ouvidoria da Petrobras e Gestão RH da PETROBRAS.
Em setembro, a Petrobras cancelou o contrato, “após aplicação de multa de mais de R$ 2,9 milhões (…) em função do descumprimento recorrente de cláusulas contratuais”. Uma auditoria constatou que houve fraude contratual, valendo-se de expedientes para limitar o atendimentos aos usuários.
Contratou uma outra empresa para não ter solução de continuidade. Em junho de 2016, provocado pela própria Global, o Tribunal de Contas da União determina o cancelamento do contrato.
Peça 3 – aqui se explica como nasce a nova empresa, Precisa
No dia 4 de outubro de 2017, a Global tornou-se sócia da Precisa Comercialização de Medicamentos Ltda, empresa criada em 1999, de Francisco Emerson Maximiano.
Recentemente, passou a ser investigada pelo Ministério Público do Distrito Federal por vender testes de Covid-18 superfaturados para a Secretaria de Saúde do DF.
É possível encontrar nos anais do Tribunal de Justiça de São Paulo sentença de 03.02.2020, da 39a Vara cível, na qual Francisco Emerson Maximiano é acusado de ter desviado bens de sua empresa, para não pagar os credores. A denúncia foi feita pela Singular Drogaria e Medicamentos especiais Ltda.
“Alegou que a executada em execução que move vem se utilizando de outros CNPJs para aferir as receitas enquanto lança as despesas sobre a razão social, visando evitar o pagamento de seus credores; que a executada, mediante a atuação de seus sócios, transferiu todo o seu fundo empresarial para a nova sociedade, o que aniquila a possibilidade de existirem bens em seu
nome; que mesmo após as tentativas de satisfação do crédito, a executada continua a prestar serviços a grandes corporações; que há evidente abuso de personalidade jurídica. Requereu a inclusão dos sócios no polo passivo da ação”.
Peça 4 – como a Precisa tornou-se a intermediária na compra da vacina Covaxin
No dia 06.01.2021 foi editada a Medida Provisória no 1.026.
No art 2o,
“fica autorizado a administração pública direta e indireta autorizada a celebrar contratos de outros instrumentos congêneres, com dispensa de licitação, para (…)
I – a aquisição de vacinas e insumos destinados a vacinação contra a covid-19, inclusive antes do registro sanitário ou da autorização temporária de uso emergencial.
No dia 19 de fevereiro, o Diário Oficial da União publicou um extrato de dispensa de licitação extravagante, permitindo a aquisição da vacina Covaxin, do laboratório indiano Bharat Biotech, sem licitação, no valor de R$ 1.614.000.000,00.
A operação era extravagante por vários motivos. O primeiro, a dispensa de aprovação da Anvisa. O segundo, pelo fato de entrar uma intermediária, a Precisa, em um negócio em que o padrão global é a negociação direta entre laboratórios e estados nacionais.
Com um capital social de R$ 13 milhões, a Precisa habilitou-se a um negócio de R$ 1,6 bilhão.
A Covaxin não publicou estudos sobre a Fase 3 – a que comprova a eficácia da vacina. A única comprovação de que é eficaz consta de um comunicado da própria empresa.
A Anvisa acabou autorizando com ressalvas inacreditáveis, salientando que o imunizante “não tem avaliação” da agência quanto a qualidade, eficácia e segurança.
Peça 5 – Roberto Bertholdo, figura chave no jogo
Indicado Ministro da Saúde, Ricardo Barros tinha como operador o advogado curitibano Roberto Bertholdo.
Não se trata de peixe pequeno.
Em 2006 Bertholdo foi preso acusado de subornar ministro do Superior Tribunal de Justiça através dos escritórios de advocacias de seus filhos. A denúncia surgiu a partir de investigações do Ministério Público Federal no caso Banestado.
Quem decreto a prisão foi o então juiz Sérgio Moro, depois de ter tido seu telefone grampeado supostamente por Bertholdo.
Foi um processo curioso em que o MPF recorreu à delação premiada para um ex-sócio de Bertholdo. A delação atingiu vários filhos de Ministros, inclusive Otávio Fischer e Pedro Aciolli, filhos dos Ministros Felix Fischer e Pedro da Rocha Aciolly. Não há evidências de que tenha apresentado provas.
Anos mais tarde Fischer se notabilizaria como relator da Lava Jato no STJ, avalizando todas as arbitrariedades cometidas pelos mesmos procuradores.
Nem se julgue Fischer por uma peça solta em um instrumento utilizado de forma abusiva – a delação premiada. Mas lembro que um ponto que mudou totalmente a postura do Ministro Luis Roberto Barroso, assim que assumiu o STF, foi um dossiê sobre negócios de sua família, preparado por blogs de ultradireita do Paraná e repercutido por um blog de ultradireita da Veja. Nada que configurasse crimes, mas o suficiente para intimidar Barroso.
O caso Fischer é mas uma peça para se juntar em temas que já exploramos por aqui – as chantagens da ultradireita com dossiês que, mesmo não trazendo indicações de corrupção, seriam suficientes para constranger Ministros das altas cortes.
Em sua carreira, Bertholdo conseguiria grandes feitos, como atuar na liquidação do Bamerindus e do Banco Nacional, ser conselheiro da Itaipu Binacional – época em que se envolveu em lobbies junto ao setor elétrico. Sempre atuando em contato estreito com Ricardo Barros.
Nesse período, tornou-se um dos principais operadores do Centrão, com participação relevante na eleição de Rodrigo Maia para a presidência da Câmara.
Sua estrela começou a se apagar quando, aproveitando os contatos do período Barros na Saúde, decidiu entrar de cabeça no setor.
Em agosto do ano passado, foi preso na Operação Placebo do Ministério Público Federal do Rio de Janeiro o prendeu por envolvimento direto com a IABAS – a principal organização social envolvida na corrupção da saúde.
Este mês, revelou-se mais um elo relevante na atuação de Bertholdo: seu envolvimento com o Banco Neman, investigado pelo MPF de São Paulo.
Segundo as investigações, o banco se tornou uma lavanderia para a elite do submundo do crime: contrabandistas de cigarros, organizações sociais da saúde e tráfico de cocaína operado pelo PCC (Primeiro Comando da Capital).
O banco surgiu em 2016, controlado pelo doleiro Dalton Baptista Neman.
Segundo o relatório do delegado da PF Rodrigo de Campos Costa – relatado pela revista Piauí –
Em 29 de janeiro de 2020, o advogado e lobista Roberto Bertholdo, apontado pelo Ministério Público como um dos controladores do Iabas, depositou 700 mil reais na conta indicada pelo Neman. Três dias depois, o dinheiro foi sacado de uma agência da Caixa Econômica Federal em Jandira, na Grande São Paulo, e levado de avião do Aeroporto Campo de Marte até Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio. Agentes da PF acompanharam a entrega do dinheiro em uma mochila a um advogado ligado a Bertholdo.
Constatou-se que o banco especializara-se na área política, em contratos superfaturados com prefeituras, em esquemas envolvendo mais de 150 empresas.
Não coincidentemente, um dos casos destacados pelo relatório era de uma empresa do Paraná – área de atuação de Barros e Bertholdo – contratada por diversas prefeituras para a construção de quadras esportivas em escolas.
Em setembro de 2019 foi deflagrada pela Procuradoria Geral da República a Operação Quadro Negro no Paraná e firmado um acordo de delação premiada com o dono da Construtora Valor, Eduardo Lopes de Souza.
Trechos da sua delação:
(…) além disso, eu sabia que a secretaria estadual de meio ambiente (sema) era da “cota” da família barros (a vice-governadora é casada com o deputado federal e atual ministro da saúde ricardo barros). eu tinha a informação de que as licitações da sema, que até então eram realizadas na secretaria de infraestrutura e logística (seil), passariam a ser feitas pela própria sema. então, com base em todas essas informações, eu fiz a seguinte proposta ao juliano borghetti: eu indicaria a mari para aquele cargo que ele me ofereceu na vice-governadoria. na sequência eles providenciariam a lotação dela na sema, onde deveria ser nomeada presidente da futura comissão de licitação. e então eu pagaria a ele a quantia de r$ 10.000,00 (dez mil reais) por mês.
Há, portanto, dois pontos em comum entre o Banco Neman e Roberto Bertholdo: os negócios do IABAS e as operações da construtora Valor
Peça 6 – à guisa de conclusão
Se quiser ir fundo, e cortar na própria pele do Congresso, está aí o roteiro a ser seguido pela CPI. Tem personagens envolvidos com a máfia do IABAS, atos suspeitos do líder do governo e articulador do centrão, medidas provisórias suspeitas, assinadas pelo próprio Presidente da República. Enfim, o maior raio x do Brasil profundo, aquele ente corrosivo que submeteu vários Presidentes da República, ameaçando a governabilidade.
Não é tarefa fácil. Mas, se a CPI conseguir avançar, será o maior feito em defesa da democracia brasileira. E se o MPF focar investigações em Bertholdo, poderá melhorar um pouco sua imagem, depois dos estragos trazidos pela Lava Jato de Curitiba.