Por Luís Nassif, no Jornal GGN –
Peça 1 – os fakenews da mídia
Os fakenews foram introduzidos no mercado de opinião brasileiro pelos grupos de mídia. Foram eles que criaram notícias falsas, como os dólares de Cuba, a invasão das FARCS, as contas secretas no exterior, a ficha falsa da Dilma.
Hoje em dia, há uma preocupação nítida da mídia de restringir os fakenews aos sites de boatos das redes sociais. E esse trabalho é ajudado pelos sites de checagem de notícias.
Esses sites pecam por um problema de conceito, passando ao largo de dois tipos de manipulação.
Fakenews 1 – as informações relevantes e falsas que são colocadas no meio de uma reportagem com informações verdadeiras e irrelevantes.
Fakenews 2 – os títulos
Na era das informações rápidas das redes sociais, os fakenews são alimentados por manchetes falsas, que colidem com o próprio texto.
Quando a Folha coloca em manchete que Fernando Haddad admitiu ter colado no curso de economia, não a absolve o fato do texto deixar claro que a afirmação foi uma brincadeira de Haddad. Piora a situação do jornal, porque o leitor não precisará buscar em outras fontes as provas da falsificação da manchete. Mas a manchete passará a frequentar todos os veículos especializados em fakenews.
O mesmo ocorreu quando O Globo colocou as fotos com os R$ 55 milhões de Geddel Vieira e, logo abaixo, uma manchete com referências a Lula e Dilma.
Peça 2 – os fakenews do Ministério Público Federal
Uma das formas mais ostensivas de fakenews são as falsas ênfases. Ou seja, uma ênfase desmedida a fatos irrelevantes, visando esquentar a matéria.
Dessa manipulação padece a mídia e padece o MPF/Lava Jato. Quando os jornais insistem em discutir os recibos de aluguel do apartamento de 2015 e deixam de lado o fato de que os aluguéis vinham sendo pagos desde muitos anos antes, é um exercício de fakenews.
Por omissão, permite os fakenews nas declarações de candidatos à delação, o óbolo que pagam à Lava Jato para ter direito ao prêmio da delação. Pouco importa se mais à frente as afirmações serão deixadas de lado, por falta de comprovação. O objetivo da Lava Jato é eminentemente político.
Peça 3 – o feitiço contra o feiticeiro
O próprio MPF sentiu na pele o resultado dessa completa subversão no sistema de informações, quando, no caso da JBS, apareceu o nome do procurador Marcelo Miller.
Ele já estava desligado do MPF e em tratativas com o escritório Trench, Rossi e Watanabe. Seu nome foi mencionado nas conversas autogravadas de Joesley Batista. Em princípio, não havia nada que o comprometesse, mas informações de tratativas de contratá-lo e de conselhos que ele passou aos Batista.
Aí surge o caso das gravações da JBS.
Até então, a Procuradoria Geral da República (PGR) tinha muito pouco sobre a JBS, algumas informações provenientes da Operação Greenfield e Bullish, envolvendo empresas com pouca dimensão dentro do grupo.
O tamanho das provas apresentadas fez com que o PGR Rodrigo Janot aceitasse um acordo de leniência extremamente favorável ao grupo. Quando vieram as críticas, imediatamente foi lembrada a participação de Miller nas conversas do grupo. Michel Temer se valeu disso para insinuações sobre a honra de Janot – só no Brasil um presidente se permite insinuações sem provas. Em pânico, Janot jogou seu ex-auxiliar ao mar.
Para esquentar seu furo, o Estadão tratou de transformar Miller em assessor de confiança de Janot. Uma mera conversa com os procuradores do círculo de Janot bastaria para desmentir essa ligação. Convocado para Brasília no início da gestão de Janot, segundo colegas Miller sempre foi arredio aos rapapés da corte. Praticamente não passava fins de semana em Brasília e não frequentava a casa de Janot – ponto essencial para conquistar a confiança do chefe.
Janot acabou jogando-o ao mar e expondo-o a toda sorte de espertezas, inclusive do presidente da OAB-RJ, Felipe Santa Cruz, espécie de Cristovam Buarque da advocacia, rompendo com seu padrinho, deputado Wadih Damous, e aproximando-se do PMDB do Rio de Janeiro, buscando pavimentar suas ambições políticas. Aliás, antes da Lava Jatoi, era um dos interlocutores mais próximos a Sérgio Cabral.
Antes de qualquer investigação e julgamento, tratou de cassar a licença de Miller para advogar, lembrando os tempos em que essas arbitrariedades eram praticadas e, entre as vitimas do estado de exceção, estava seu próprio pai.
Peça 4 – os dados disponíveis
Os e-mails e conversas divulgados até agora mostram que, entre a JBS e Miller, havia tratativas de contratação que não se concretizaram.
Até que apareçam fatos rebatendo, vale a versão até agora apresentada por Miller.
1. Ele vinha negociando com a amiga Fernanda Tórtima, advogada da JBS. E também com Esther Flesch, da Trench Rossi e Watanabe.
2. Já tinha praticamente fechado com a Trench, quando apareceu a JBS, também através de Fernanda Tórtima, interessada em dois cargos, visando resgatar a imagem da empresa pós-acordo: um diretor de inspeção sanitária e um diretor de complience. O de inspeção sanitária foi contratado nos Estados Unidos, um ex-alto funcionário do setor.
3. Miller não aceitou o convite de Francisco de Assis, o advogado de JBS. Mas como a empresa também queria contratar a Trench, aceitou operar como uma espécie de segunda opinião no acordo de delação. A JBS pretendia fazer uma emissão de ações nos Estados Unidos e queria saber tudo sobre as formas de coordenação das delações no Brasil e nos EUA.
Pediu demissão do MPF, demorou um pouco mais para sair, para poder gozar férias acumuladas e fazer uma pequena cirurgia. Por aí pode-se pegá-lo por algum atropelo a normas administrativas. E, de alguma forma, ajudou a acelerar a ida da JBS para Trench, conforme se depreende dos bônus que recebeu da empresa.
No entanto, pelas próprias gravações e e-mails divulgados, fica claro que a JBS tinha pouca visibilidade sobre o que ocorria do outro lado do balcão, a PGR.
Segundo documentos da PGR do Rio de Janeiro e da PGR de Brasília, desde julho de 2006 Miller não mais participava dos trabalhos da Lava Jato.
Na verdade, o grupo inicial acabou se afastando da Lava Jato por não se adaptar ao estilo de Janot, bastante centralizador e pretendendo o controle de tudo – provavelmente em função dos impactos políticos da operação.
Havia uma equipe original experiente, justamente a que foi investigar Eduardo Cunha, composta pelos procuradores Andrei Borges, Fabio Magrinelli, Bruno Calabrich e Miller.
Era uma equipe experiente, mas com algumas características que desagradavam a Janot: era independente, não compunham com as prioridades políticas de Janot. A saída encontrada por Janot foi inchar a equipe inicial com outros procuradores com menos história e menos experiência no MPF.
A intenção de controlar os trabalhos em Brasília se devia, também, à falta de controle de Janot sobre a Lava Jato de Curitiba. As estripulias de Curitiba chegavam a escandalizar Janot, mas este admitia não ter legitimidade política para intervir nos trabalhos pelos meios administrativos.
Peça 5 – as peças do próximo jogo
Por tudo o que se levantou até agora pode-se acusar Janot de medíocre, desastrado, burocrata. Mas não há nenhuma evidência de desonestidade financeira – para separar da intelectual.
Do mesmo modo, pode-se imputar a Miller comportamento pouco ético. Mas nada indica que tenha vendido segredos ou explorado o cargo em favor dos Batista.
Por isso mesmo, a tentativa de constrange-los via CPI já nasce sob o signo da chantagem. Pode aplacar algumas sedes de vingança, de assistir os persecutores provando do próprio veneno.
Mas não há ganho nenhum nem para a democracia nem para os bons costumes.
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