Xadrez dos limites aos abusos da Lava Jato

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Publicado em Jornal GGN – 

No dia 14 de novembro passado publicamos a verdadeira história da delação premiada de Glaucos Costamarques, a pessoa que, a pedido de José Bumlai, amigo de Lula, adquiriu o apartamento vizinho a Lula e o alugou ao ex-presidente.

Havia movimentação suspeita em sua conta. Os ideia-fixa da Lava Jato imediatamente formularam sua Teoria do Fato Único: só podia ser dinheiro do Lula para simular a compra do apartamento.




Descobriu-se que era movimentação do filho de Costamarques, diretor de relações institucionais da Camargo Correia – ou seja, o homem das propinas. Em vez de investigar o dinheiro do filho, para identificar autoridades subornadas, a Lava Jato preferiu chantagear Costamarques para que mudasse seu depoimento inicial – no qual garantia que havia comprado, de fato, o apartamento.

A nova versão dizia que o apartamento era de Lula, e havia simulação dos recibos de aluguel pagos. Quando percebeu que perderia o apartamento, Costamarques tratou de admitir que o apartamento era dele. Mas como fazer com a delação, se não atendesse às exigências dos procuradores de implicar Lula?

Montou-se o samba do crioulo doido. Nenhuma de suas informações bateu com as provas, como a história de que Roberto Teixeira o visita no Hospital Sirio Libanês, ou a versão de que assinara todos os recibos do ano de uma vez.

Os advogados de Lula contrataram uma perícia, que comprovou que as assinaturas ocorreram em épocas diferentes. E a Lava Jato teve que desistir da perícia requerida.

Só que o pobre do Costamarques já tinha atendido às exigências do tal processo por incidente de falsidade e enviado sua resposta.

São 20 parágrafos.

No 2o diz que as cópias de recibos apresentados pela defesa de Lula não batem com os recibos que possui. Nem sabia que os procuradores já tinham jogado a toalha.Como a perícia concluiu que os recibos foram assinados em datas diferentes, com assinaturas do mesmo Costamarques, ele se arrisca a um processo por falsidade ideológica se apresentar recibos.

No 3o presta contas sobre os recibos não localizados e informa que a cópia do recibo de 05.10.2012 “ao que parece, contem erros de data e deve se referir a 05.10.2011, já que o valor apontado corresponde ao da locação do ano de 2011 e a guia de recolhimento I(..) também se refere ao ano de 2011”.  Fantástico! Corrige o recibo e apresenta como evidência o valor do aluguel (que ele disse que não recebia) e a guia de recolhimento do Imposto de Renda.

No 6o menciona a determinação do juiz Sérgio Moro, de oficiar a direção do Sirio Libanes para entregar o registro de visitantes, para identificar a presença de Roberto teixeira.

No 12o formula uma Teoria do Fato à altura dos bravos procuradores da Lava Jato. Teixeira saiu sem devolver o crachá e usou o crachá na volta.

No começo de outubro já estava claro a inconsistência dos depoimentos de Costamarques. No dia 14 de novembro, a série sobre a indústria da delação premiada, do GGN e do DCM, mostrava o que estava por trás do volteios de Costamarques: as ameaças de envolvimento do seu filho.

Agora, a Lava Jato decide não periciar os recibos, sinal de que não conseguiria demonstrar qualquer falsificação. Mas mantém a versão de Costamarques, mesmo à custa de barrar as investigações sobre as incursões da Camargo Correa nas propinas.

As perseguições implacáveis

O caso Costamarques é apenas um exemplo das distorções provocadas pelo direcionamento político da Lava Jato, e pela falta de freios aos seus abusos. Hoje em dia, o trabalho pertinaz dos advogados de Lula conseguiu romper a blindagem da mídia. Os jornais não abrem manchetes para a denúncias dos abusos. Mas publicam. Gradativamente começa a entrar no cérebro da parte menos robotizada da imprensa – e dos leitores – que não se trata mais de uma luta entre PT e antiPT, mas entre a legalidade e a barbárie.

O repórter Marcelo Auler tem feito um trabalho exemplar, mostrando como a leniência com a Lava Jato tem reproduzido o clima de perseguição política do regime militar. Delegados da Lava Jato, acumpliciados com procuradores, também da Lava Jato, moveram perseguição implacável contra colegas que ousaram questionar seus métodos. E mais, associados ao pior tipo que o jornalismo produziu em toda sua história: os repórteres de polícia que se transformam em policiais.

A reportagem de Auler, “MPF da Lava Jato, enfim, joga a toalha”, é um retrato chocante dessa parceria. No meu livro “O jornalismo dos anos 90” relato o episódio do Bar Bodega, no qual jornalistas testemunharam por um mês as sevícias praticadas por um delegado exibicionista contra jovens da favela, acusados injustamente do crime. Trinta dias! E nada fizeram para impedir ou para denunciar.

Essa mesma insensibilidade atingiu os repórteres escalados para a Lava Jato, tendo de comer diariamente nas mãos de delegados e procuradores inescrupulosos.

Durante três anos(!), procuradores da Lava Jato levaram em banho-maria denúncias contra o delegado Paulo Renato Herrera, que criticou a Lava Jato e foi alvo de uma falsa denúncia, de ter vendido dossiê com os perfis de Facebook dos delegados da Lava Jato atacando Dilma e Lula e torcendo por Aécio Neves.

Três anos, para concluir que não houve crime algum. E, na versão da acusação, informações falsas de que o dossiê tinha sido oferecido, antes, à Folha. O delegado acusador mentiu, atribuindo a informação a um repórter. A justiça reconhece sigilo de fonte ao jornalista. Mas não existe sigilo de fonte ao delegado que mente.

Quem paga pelos transtornos que a denúncia trouxe à vida de pessoas inocentes?

Eu mesmo fui convocado como testemunha de um inquérito interno da PF, destinado a apurar supostos dossiês envolvendo as APAEs e a esposa de Sérgio Moro. Queriam que identificasse uma suposta fonte que teria me passado os dados. Se decepcionaram quando informei que eu havia levantado os dados muito antes da Lava Jato e que, se houve algum dossiê, foi plágio dos meus artigos.

Mais que isso, os delegados da Lava Jato trataram de entupir jornalistas da contra-corrente com denúncias sempre feitas em Curitiba.

Levará algum tempo para a Polícia Federal constatar o mal que foi para a corporação o protagonismo de delegados como Igor Romário de Paula, Erika Marena, Rosalvo Ferreira Franco, Maurício Moscardi Grillo, Márcio Anselmo.

Ao não coibir os abusos da Lava Jato, o Ministério Público Federal – que tem por obrigação constitucional a supervisão da PF -, o delegado-geral e o próprio Supremo Tribunal Federal se tornaram co-responsáveis pelo suicídio do reitor Luiz Carlos Cancellier, da Universidade Federal de Santa Catarina.

Hoje em dia, Lula é o único fator que impede que a opinião pública, da imprensa e das redes sociais, montem uma frente contra os abusos da Lava Jato. A Globo continuará refém do MPF por conta dos escândalos da CBF.

Quando o álibi desaparecer, não se tenha dúvida de que os detritos da Lava Jato aparecerão na praia e ela terá seu lugar no lixo da história.

Mesmo sendo alvo de três ações propostas por Gilmar Mendes, não tenho mais dúvidas: o maior risco que a democracia brasileira enfrenta é a eventual vitória dos porões do Judiciário.

 

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