Por Luis Nassif, publicado em Jornal GGN –
Em que narrativa caberiam os seguintes fatos?
Lance 1 – O Procurador Geral da República (PGR) Rodrigo Janot pedindo a prisão das principais testemunhas do processo contra Michel Temer e do ex-procurador Marcelo Miller.
Lance 2 – Depois, se encontrando clandestinamente em um boteco com o advogado da JBS, Pierpaulo Botino, um dia depois de ter pedido a prisão de seus clientes. Obviamente para tratar de temas que não poderia tratar em uma reunião oficial.
Lance 3 – Um Ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Luiz Edson Fachin, trabalhando no final de semana.
Lance 4 – Fachin criando um tipo de pena diferente para a JBS: a suspensão dos benefícios e a prisão temporária de Joesley Batista e Ricardo Sur. Ou se anula o benefício e se prende o colaborador; ou se mantém o benefício e não prende o colaborador. Fachin inovou suspendendo o benefício e prendendo os delatores.
Lance 5 – Apesar de jogar em dobradinha com Janot, Fachin rejeita o pedido de prisão contra Miller, feito por Janot.
Vamos montar uma narrativa onde podem se encaixar essas peças e explicar a notável ansiedade com que Janot vem se comportando nos últimos dias.
Peça 1 – as falhas no acordo com a JBS
Na operação JBS celebrou-se a iniciativa de Janot, de tentar livrar o país do jugo de uma quadrilha colocada no poder por uma ação combinada decisiva do Ministério Público Federal e da Globo.
A operação criou duas vulnerabilidades.
Fato – Do lado de Temer, a exploração da presença de Miller nos preparativos. Havendo indícios de que ajudou a montar as operações controladas, o processo poderá ser anulado.
Fato – Por outro lado, os benefícios concedidos a Joesley Batista e seus comandados foram considerados excessivos pela opinião pública. E Janot passou a ser constantemente questionado sobre o acordo.
Peça 2 – a Teoria do Caos na operação
Fato – Nesse quadro, ocorreu o ponto fora da curva, o fator imprevisto, quando a Polícia Federal localizou arquivos de conversas não entregues pela JBS às autoridades. A confirmação da notícia significaria a anulação de toda a operação, devido ao fato da JBS ter sonegado informações. O instituto da delação exige que o delator entregue tudo o que saiba e que tenha. Houve uma corrida, então, dos advogados da JBS para se antecipar à PF e entregar as gravações ao STF.
Hipótese – Na pressa em entregar os arquivos, os advogados não cuidaram de saber do que tratavam.
Quando souberam, instaurou-se o pânico na PGR. As conversas mencionavam o ex-procurador Marcelo Miller. Embora inconclusivas, davam margem a que se investigasse qual seu nível de participação nas operações controladas. Em entrevista à Globonews, Janot havia sido enfático: “Se o Ministério Público provoca qualquer ato de colaboração ele estará anulando toda a colaboração”.
O resultado foi a sequência de cabeçadas de Janot, desde a convocação da coletiva, o falso alarme em relação às menções ao Supremo, o estado de nervos na reunião com o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público). Enfim, um PGR à beira de um ataque de nervos.
Peça 3 – as consequências legais
Para encaixar as peças acima da nossa narrativa, é importante, antes, entender as consequências possíveis para a delação da JBS.
Revisão da delação – mantém as condições gerais do acordo, mas com aumento das penas e da exigência de provas.
Rescisão da delação – mantém as provas contra os delatores, mas extingue os benefícios.
Anulação da delação – poderá ser parcial ou total.
Peça 4 – o jogo de pôquer
Em tornos dessas alternativas joga-se o novo pôquer, de acordo com o seguinte jogo de interesses:
PGR – Interessa a revisão da delação. Não extingue os benefícios, mas sujeita os delatores a um tempo de cadeia maior, que poderá ser mais curto ou mais longo dependendo das novas negociações, permitindo dar satisfações à opinião pública, sem perder as provas apresentadas.
JBS – Interessa, obviamente, manter os termos atuais do acordo. Não conseguindo, a segunda alternativa seria a revisão da delação. Não havendo acordo, aí interessaria a anulação total da delação, porque com a rescisão as provas apresentadas poderiam ser levantadas contra eles próprios.
Temer e cia – Interessa a anulação total da delação. É a maneira de Temer, Padilha, Loures, Aécio e companhia saírem sem nenhuma marca do processo.
Peça 5 – as cartas na mesa
Entendidos esses pontos, vamos tentar entender as cartas que cada um tem nas mãos.
Janot tem pressa.
Os Lance 1 (prisão) e Lance 2 (encontro com o advogado) explicam a estratégia de dar satisfações à opinião pública, um susto na JBS, mostrando a que os executivos estão sujeitos, para então começar a negociar.
Nas gravações, Joesley entendia corretamente que o jogo-de-cena de Janot consistia em mantê-los acuados – com declarações à imprensa -, mas, ao mesmo tempo, livres. Era uma estratégia de negociação: aperta sem abraçar, para conseguir a melhor delação.
Agora se repete a estratégia com um grau acima. E aí nos remetemos para os Lance 3 e Lance 4, com Fachin suspendendo o benefício, sem cancelar, e mandando-os para uma temporada breve de cinco dias em cana. E trabalhando no final de semana porque o fim da gestão Janot na PGR está próximo.
Hipótese –pode ter havido combinação no pedido de prisão de Miller, formulado por Janot, não ser atendido por Fachin.
Por outro lado, não se pode cortar as negociações com a JBS. Se cortar as negociações, em última instância Joesley irá jogar tudo na anulação da delação, para que as provas apresentadas não sejam usadas contra ele. O caminho seria vazamento de mais indícios de participação do MPF na preparação da operação controlada contra Temer e Aécio.
Por isso mesmo, o desafio consistirá em preparar uma nova delação que seja palatável para a opinião pública mas, ao mesmo tempo, satisfaça os delatores.
Peça 6 – as saídas possíveis
Aqui se entra no terreno exclusivo da probabilidade.
Dependendo da encrenca que apareça por conta dos últimos episódios, há um trunfo na manga de Fachin – contra o qual Gilmar Mendes jogará toda sua energia, dentro do STF ou aconselhando Michel Temer.
A última jogada seria uma anulação parcial da delação, abrindo mão das gravações e das operações controladas, mas preservando as demais provas apresentadas. Se não fechar por aí, não haverá como pegar nem Temer nem o Ministro Gilmar Mendes.
Nos próximos dias, o jogo deverá ficar mais claro.
PS – Na foto que flagrou Janot e Bottini no sujinho em Brasilia, ficou uma dúvida no ar: quem estava sentado na cadeira vazia?