Zambelli pagou R$ 92 mil em ‘edição de vídeos’ quando estava bloqueada nas redes e envolvida com hacker

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O montante é maior, por exemplo, do que o total de verba usada por Carla Zambelli para “divulgação da atividade parlamentar” em todo o ano de 2021.

Por Hugo Souza em Come Ananás, compartilhado de Construir Resistência




Entre novembro de 2022 e janeiro de 2023, a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) usou R$ 92 mil da sua cota parlamentar para pagar serviços descritos como “edição e finalização de vídeos”. Naqueles meses, precisamente de 1º de novembro a 6 de fevereiro, os perfis da deputada no Facebook, Instagram, YouTube, Twitter, Telegram, TikTok, Gettr, WhatsApp e Linkedin estavam bloqueados por determinação do TSE.

Após ser alvo de busca e apreensão, na última quarta-feira, 2, por suspeita de conluio com o hacker Walter Delgatti Neto para invasão do sistema informático do Conselho Nacional de Justiça, com o intuito de melar as eleições de 2022, Carla Zambelli disse que o hacker foi “subcontratado” em novembro com dinheiro “do meu bolso” e apenas para fazer “a ligação das redes sociais minhas através do meu site” – justamente quando as redes da deputada estavam desativadas.

Come Ananás analisou as nove notas fiscais emitidas entre novembro e janeiro por quatro diferentes empresas pagas no período pelo gabinete de Zambelli sob a rubrica “divulgação da atividade parlamentar”. Em oito notas os serviços descritos são de “edição e finalização de vídeos” ou “criação de conteúdo” para as redes sociais da deputada. Apenas uma das notas não menciona textualmente as redes sociais, ainda que informe “edição e finalização de vídeos sobre a atividade parlamentar de Carla Zambelli”.

O montante somado dessas nove notas fiscais emitidas em três meses, R$ 92 mil, é maior, por exemplo, do que o total de verba usada por Zambelli para “divulgação da atividade parlamentar” em todo o ano de 2021 – R$ 88 mil.

Só nos dois primeiros meses do bloqueio imposto pelo TSE, os dois últimos meses de 2022, Carla Zambelli usou R$ 81 mil da cota parlamentar para este tipo de despesa – R$ 33 mil em novembro, R$ 48 mil em dezembro. Foram as duas maiores despesas do gabinete de Zambelli com “divulgação da atividade parlamentar” desde que ela chegou à Câmara, em 2019. Há uma cifra superior, de R$ 68 mil, de dezembro de 2020, mas, deste total, R$ 65 mil foram para compra de espaço publicitário no jornal Metro e em 13 jornais do interior paulista.

O período em que Carla Zambelli bateu recordes de gastos com vídeos e outros conteúdos para redes sociais, mesmo com seus perfis bloqueados, coincide com o intervalo em que teriam acontecido as ações criminosas envolvendo a deputada e o hacker Walter Delgatti Netto, entre setembro de 2022 e janeiro de 2023. Estas “hipóteses criminais” foram elencadas por Alexandre de Moraes em despacho da última terça-feira, 1º de agosto, por meio do qual o ministro autorizou a prisão de Delgatti e busca e apreensão em endereços de Zambelli e de duas pessoas ligadas a ela que fizeram depósitos para o hacker.

Entre as hipóteses criminais envolvendo Zambelli e Delgatti está a invasão do sistema do CNJ “com o objetivo de expor eventuais vulnerabilidades dos sistemas do Poder Judiciário brasileiro, como forma de desacreditar o sistema eletrônico de votação gerenciado pelo Tribunal Superior Eleitoral”, conforme consta no despacho de Moraes.

A nota fiscal do maior pagamento por “divulgação da atividade parlamentar” feito pelo gabinete de Zambelli nos 98 dias em que os perfis da deputada ficaram bloqueados foi emitida no trigésimo nono dia do bloqueio, em 9 de dezembro, pela empresa Hernani Filmes e Marketing Digital Ltda. O serviço discriminado foi o de “produção, pós-produção e edição de um longa-metragem referente a atividades parlamentares da deputada Carla Zambelli, com veiculação em suas redes sociais e site”.

Ao todo, a Hernani Filmes e Marketing Digital recebeu R$ 40 mil de Zambelli em dezembro. Ao pagamento de R$ 31 mil soma-se outro, de R$ 9 mil, por “serviço de edição e finalização de vídeos sobre a atividade parlamentar da deputada Carla Zambelli entre os dias 01/12 e 31/12. Serviços para veiculação em suas redes sociais”.

A sócia única da Hernani Filmes e Marketing Digital é Mônica Romina Santos de Sousa, esposa de Jean Hernani Guimarães Vilela de Sousa, uma das pessoas ligadas a Carla Zambelli que fizeram depósitos para Walter Delgatti e que foram alvos de busca e apreensão na última quarta. Segundo a investigação da Polícia Federal, Jean Hernani fez um Pix de R$ 3 mil para o hacker em outubro do ano passado, mês em que a Hernani Filmes e Marketing Digital começou a prestar serviços para Zambelli. Há três meses, em maio, Jean Hernani foi nomeado secretário parlamentar da deputada.

A investigação da PF identificou até agora quatro transferências por Pix para Walter Delgatti feitas entre setembro e dezembro de 2022 por pessoas ligadas a Carla Zambelli, totalizando R$ 13,5 mil. Além do Pix de R$ 3 mil feito por Jean Hernani, outras três transferências, estas feitas por Renan Cesar Silva Goulart, que já foi secretário parlamentar de Zambelli, totalizaram R$ 10,5 mil.

Porém, o advogado de Delgatti, Ariovaldo Moreira, disse nesta quarta em uma entrevista à GloboNews que o hacker afirma ter recebido “aproximadamente entre R$ 40 mil e R$ 45 mil” de Zambelli. O despacho de Moraes cita a hipótese de Walter Delgatti ter recebido “valores em espécie de quantidade ainda não identificada” para tentar desacreditar o sistema brasileiro de votação eletrônica.

‘Tecnologia’

Renan Cesar Silva Goulart é hoje assessor do deputado estadual Bruno Zambelli, irmão de Carla Zambelli, na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Jean Hernani e Renan Cesar foram nomeados quase simultaneamente para os gabinetes dos irmãos Zambelli na Câmara dos Deputados e na Alesp, nos dias 17 e 25 de maio, respectivamente. Jean Hernani já havia trabalhado no gabinete da deputada Joyce Hasselmann e na liderança do governo Bolsonaro no Congresso Nacional.

Come Ananás não localizou o longa-metragem referido na nota fiscal do pagamento de R$ 31 mil feito em dezembro pelo gabinete de Carla Zambelli à Hernani Filmes e Marketing Digital. Procuramos a assessoria de imprensa de Zambelli e a empresa para saber se o serviço foi de fato realizado e onde o longa pode ser encontrado. A assessoria de Zambelli prometeu verificar e retornar o contato, o que não aconteceu até a publicação desta reportagem.

No WhatsApp da Hernani Filmes e Marketing Digital, quem respondeu foi o próprio Jean Hernani. Ele garantiu que “o serviço foi devidamente executado e entregue para o cliente”, e que “sua publicação ou veiculação não diz respeito à Hernani Filmes”.

No entanto, Carla Zambelli já conhecia Delgatti pelo menos desde agosto de 2022, quando a deputada levou o hacker até o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, e depois a Jair Bolsonaro, no Palácio da Alvorada, para tratar, segundo ela, de “tecnologia”. Em depoimento à PF, Delgatti disse que o assunto da reunião que ele teve com Bolsonaro no Alvorada foi sobre a possibilidade de hackear a urna eletrônica. Há informações também de que Delgatti colaborou com os militares para tentar jogar suspeitas sobre a lisura das eleições.

Mônica Romina, esposa de Jean Hernani e dona da Hernani Filmes, já havia prestado serviços de “divulgação da atividade parlamentar” para Carla Zambelli entre maio de 2021 e fevereiro de 2022, por meio de outra empresa, a Wedding Filmes DF. Naquele período, o gabinete de Zambelli pagou à Wedding Filmes DF um total de R$ 32,2 mil, em sete repasses de R$ 3 mil, um de R$ 4 mil e um outro de R$ 7,2 mil.

A Wedding Filmes DF foi fechada um ano atrás, em agosto de 2022. O endereço no qual a empresa funcionava é o de uma casa em um condomínio de Brasília. É um dos três endereços de Jean Hernani onde a PF fez busca e apreensão na última quarta.

‘Não conseguiu’

“Minha intenção era entregar um serviço bom para a deputada, almejando uma possível contratação para execução dos serviços do site e redes sociais dela. Esse na verdade foi um investimento que fiz para mostrar meu serviço ao cliente. Já que o serviço não foi executado, eu não fiz a cobrança da deputada”, disse ainda Jean Hernani ao Come Ananás.

Segundo ele, o Pix de R$ 3 mil feito de sua conta pessoal para Walter Delgatti era o equivalente a uma entrada pelo serviço: “o serviço não foi executado e fiz várias cobranças para o término, sendo que ele [Delgatti] não terminou e sumiu. Sendo assim, não tive mais contato com o senhor Delgatti”.

Ainda segundo Jean Hernani, o valor total do serviço seria de R$ 6 mil.

A versão completa de Jean Hernani, portanto, é a de que Walter Delgatti foi contratado por R$ 6 mil “para execução dos serviços do site e redes sociais” de Zambelli, recebeu uma entrada de R$ 3 mil, não fez o serviço, “sumiu”, não recebeu a outra metade e Jean perdeu o dinheiro do “investimento” que fez para impressionar a deputada. Mesmo que este acerto tenha de fato acontecido, ainda não haveria explicação os R$ 10,5 mil depositados para Delgatti por Renan Cesar.

Já Carla Zambelli afirma que o pagamento a Walter Delgatti saiu do seu próprio bolso, não da cota parlamentar, nem do bolso de terceiros. Na entrevista que deu no salão verde da Câmara na última quarta, Zambelli chegou a dizer que deveria ter pedido a Delgatti a devolução do dinheiro, já que, segundo a deputada, o hacker que grampeou a República de Curitiba e invadiu a rede do CNJ “não conseguiu” fazer “a ligação das redes sociais minhas através do meu site”.

Matéria publicada originalmente no link abaixo do Come Ananás

https://comeananas.news/zambelli-pagou-r-92-mil-em-edicao-de-videos-quando-estava-bloqueada-nas-redes-e-envolvida-com-ha

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