33° Salão do Livro de Turim: a literatura vence na pandemia. Uma estrela brilha: Chimamanda Ngozi Adichie

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A amiga do Bem Blogado, Lúcia Capanema, esteve no Salão de Livro de Turim e fez reportagem sobre o evento. Vamos apresentá-la em quatro edições. Esta é a primeira.

Por Lúcia Capanema, professora, pesquisadora no Politecnico de Milão




Com mais de 80% de vacinação no norte do país, Itália abre sua maior feira de livros. O 33º Salão do Livro de Turim, que aconteceu de teve como tema a Estrela Supernova, significando a portadora de um mundo novo, possível e desconhecido, em óbvia referência à vida pós-pandemia.
O retorno do Salão em 2021 foi considerado uma vitória da política cultural sobre a política que vem sendo desenvolvida na Itália – afinal foi preciso organizar a presença de 2500 autores, numa estrutura de 50.000 m2 para receber um público de mais de 350.000 pessoas em meio ao fascismo crescente.
Como disse o jornal La Repubblica em suplemento especial, “o livro saiu mais forte da pandemia”. Mais fortes também as pautas feministas – “o salão do livro é uma questão de mulheres (estrangeiras)”, e o reconhecimento da diversidade e das necessidades da periferia mundial.
Nas entrelinhas, o que se compreende é que o isolamento social e o teletrabalho não só reviveram a potencialidade dos livros de nos levar a outros lugares e de imaginar criativamente, mas também nos aproximaram do mundo tradicionalmente feminino da casa. Hermes no mundo de Hera.

Fora da casa, o vírus gritava que a globalidade está posta minimamente para as questões sanitárias, da segurança alimentar e do ambiente.

Pela primeira vez, uma mulher preta (e aqui há uma polêmica importante sobre o uso da “palavra N” de ‘nero’, de ‘negron’, de ‘noir’) ocupou a posição de estrela super nova, a nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie.
E entre as atrações mais aguardadas, a jornalista turca Ece Temelkuran, “uma das vozes políticas mais influentes do momento”, ainda segundo o La Reppublica.
Não por acaso, este relato para o Bem Blogado se dará em quatro capítulos: A abertura; um mundo desigual; as vozes feministas; e a política pós-pandemia. Embora todos os relatos se embaracem, se enlacem.

Chimamanda Ngozi Adichie: Sonho com um mundo onde tenhamos a confiança de sonhar. E a literatura nos traz isso, porque ela é fantasia.

Uma Chimamanda ‘bem comportada’ foi o que se viu na abertura do Salão. Sim, Chimamanda tocou em todos os assuntos que lhe são caros, porém de forma bastante palatável à enorme e disforme audiência que lhe aguardava pacientemente, em tom um tanto ‘Lutherkingiano’ ao endossar a interpretação metafórica da Supernova como portadora do futuro pós Covid-19. Cutucou a plateia somente uma vez, ao revelar que a Covid-19 chegou à Nigéria por um italiano: “alguma coisa temos para agradecer a Itália”.

A autora começou por apontar que a pandemia piorou as agressões às mulheres, as condições de trabalho feminino não remunerado e expôs as políticas de países que se negam a compartilhar seus recursos com os mais necessitados, demonstrando a necessidade de coordenação em favor de uma abordagem global dos problemas da humanidade. Seguem alguns trechos de sua fala. “Temos dito ‘minha cidade’, ‘minha região’, ‘meu país’. Mas o vírus não reconhece fronteiras.
Então, eu sonho com um mundo menos ‘eu, eu, eu’ e mais ‘nós, nós, nós’. Não sendo idealista, o coletivo faz mais sentido. Não podemos olhar apenas para nós mesmos. A fragilidade humana nos mostrou como precisamos uns dos outros – mesmo aqueles que achamos irritantes”. (E riu).

Veja mais do depoimento da escritora: “Entre todos os valores importantes, igualdade, saúde, ambiente, os mais centrais são pensamento crítico e empatia. O que liga esses dois é que o pensamento crítico e a leitura andam juntos. E ler é viver outra pessoa em seu corpo. Ou seja, ter empatia e adquirir capacidade crítica andam juntas, apesar de todos virmos com nossos próprios preconceitos.
O meu é a literatura: é o que me torna humana e me dá as lentes para ver o mundo. Porque existe uma humanidade universal na literatura que se revela ao leitor, mesmo quando o livro não se destina a quem está lendo.
Então eu sonho com um mundo que terá a literatura valorizada; que valorizará a cidadania formada a partir da leitura e, portanto, forjará pessoas mais propensas a se engajar na prática a partir de suas lutas pessoais.

Muitas vezes estamos próximos de alguns tipos de literatura, mas ao mesmo tempo não estamos, e é melhor estarmos abertos a surpresas.
Os homens geralmente pensam que os livros femininos são sobre assuntos femininos e só leem homens, enquanto as mulheres leem mulheres e homens. Então eu sonho que os homens comecem em breve a ler mulheres e que as leiam pelos próximos 50 anos: assim a violência contra as mulheres diminuirá. Porque depois de entender o mundo feminino, familiarizar-se com o mundo das mulheres, ficará mais difícil bater e machucar as mulheres.

Sonho com um mundo em que nos conheceremos mais, nos veremos mais; nos entenderemos melhor, ultrapassaremos os algoritmos e o capitalismo.
Um mundo em que não mediremos o crescimento econômico como o mais importante, mas o bem-estar. Não sou uma visionária, uma revolucionária sonhadora, porque todas as possibilidades técnicas criadas até aqui podem ser usadas para melhor. A literatura mostra que há muito para aprender e descobrir.
Penso como a próxima geração se lembrará de nós. Uma geração que se pautou pela falta de tempo? Isso não é bom. Nossa geração já não consegue se concentrar como as nossas precedentes costumavam. Então sonho com um mundo onde as pessoas possam sair das redes sociais e ler um livro, ou pelo menos algo com pontuação (E riu novamente).

A maior necessidade do ser humano é ser visto, queremos ser reconhecidos, ouvidos. Mas ao invés de falarmos sobre o que é importante, somos rápidos em pontificar sobre o que está errado no outro.
Sonho com um mundo onde as pessoas se preocupem mais com o que é verdadeiro. Sonho também com um mundo onde tenhamos a confiança de sonhar.
E a literatura nos traz isso porque ela é fantasia. Não devemos ter medo das incertezas do mundo, pois só assim podemos sonhar. Quando fantasiamos com a literatura, sonhamos, mantemos o fogo da humanidade aceso.”

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