Frente à pior pandemia de nossos tempos, é fundamental reconhecer que a vacina é fruto de um esforço incessante, de trabalhos de pesquisas liderados por cientistas na área da saúde, duramente golpeada pela falta de investimentos e de reconhecimento

O último domingo foi o dia em que o Brasil viveu um suspiro de esperança, visto que finalmente a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou as vacinas para a Covid-19. Contudo, quantos de vocês realmente compreenderam o plano de vacinação do governo? Isto é, existirá vacina para todos e quando isso ocorrerá? Afinal, todos nós conseguiremos acesso gratuito à imunização? Essa atmosfera de incertezas nos angustia e tortura diariamente, já que, intragavelmente, somos a segunda nação com o maior número de mortos pela Covid-19, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. Neste contexto calamitoso, não sabemos nem mesmo se haverá uma campanha nacional para conscientizar e incentivar as pessoas a se vacinar ou se essa política negacionista, negligente e desumana prosseguirá, agravando drasticamente a situação.

Curiosamente, o repugnante cenário em que estamos vivendo traz à tona a lembrança do histórico episódio de 1904, conhecido como a “Revolta da Vacina”. Naquele tempo, o negacionismo frente à varíola, somado à falta de informação e de acessibilidade, já se fazia presente, resultando também na aceleração da disseminação da doença que matou inúmeros cidadãos. Pesquisas históricas revelam que esse período foi marcado por uma campanha de imunização conduzida de forma autoritária, sem os necessários esclarecimentos à população, que se revoltou na cidade do Rio de Janeiro. Para aqueles que quiserem se aprofundar mais sobre essa temática histórica, indico o filme Sonhos tropicais, longa-metragem do diretor André Sturm, na qual a narrativa é baseada na obra de Moacyr Scliar. Além disso, é importante destacar a figura do médico sanitarista Oswaldo Cruz, que naquela época lutava pela erradicação de várias doenças, como a febre amarela, a varíola e a peste bubônica.




Foi a partir dos planos de vacinação contra a varíola que o Brasil iniciou um programa de vacinação de ordem nacional. Nesse cenário, passa a ser importante sabermos que até meados dos anos 1970, os insumos necessários para a imunização eram, em grande maioria, importados por produções privadas. Somente no início da década de 1980 foi criada a Autossuficiência Nacional em Imunobiológicos (Pasni), visando estimular a produção nacional de vacinação, com destaque para o protagonismo do Instituto Butantan e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Desse modo, atualmente, o Instituto Butantan é o principal produtor de soro e vacina de nosso país, sendo o responsável pelo desenvolvimento da produção da CoronaVac, vacina contra a Covid-19 aprovada pela Anvisa e desenvolvida em parceria com o laboratório chinês Sinovac, cuja taxa de eficácia é de 50,04%. Além disso, há também a vacina da Oxford, que será produzida com a Fiocruz em parceria com o laboratório AstraZeneca do Reino Unido.

Frente à pior pandemia de nossos tempos, é fundamental reconhecer que a vacina é fruto de um esforço incessante, de trabalhos de pesquisas liderados por cientistas na área da saúde, duramente golpeada pela falta de investimentos e de reconhecimento. Dessa maneira, o mínimo esperado é um pacto social do governo com toda a sociedade para que haja a vacinação em massa, a fim de diminuir o número de pessoas infectadas. Em outras palavras, a ciência mostra-se como a única esperança para toda a humanidade, já que ela parece ser capaz de nos ofertar a possibilidade de uma imunização para o Coronavírus.

Contudo, lamentavelmente, o problema aqui não é somente de ordem científica, mas sim governamental, pois temos um presidente, Jair Bolsonaro, que insiste em negar a ciência, não comemora o início das vacinações e se revela totalmente negacionista a qualquer tipo efetivo de imunização. Assim, ao longo da pandemia, o atual presidente defendeu irresponsavelmente e incansavelmente o uso de medicamentos sem eficácias no combate à Covid-19, como a cloroquina, além de demonstrar ser contra as medidas de distanciamento físico, isolamento social e uso de máscaras, desrespeitando constantemente a saúde da população brasileira. Dessa forma, arriscaria dizer que o pesadelo histórico vivenciado na Revolta da Vacina se faz presente nos dias de hoje, pois no momento atual a mais alta autoridade de nosso país se mostra completamente negacionista frente à vacinação, é como se ele fosse um dos arruaceiros do passado que se rebelaram contra a vacina. Estaríamos nós na Revolta da Vacina parte 2?

Para agravar ainda mais este quadro, Manaus sofre com a gravíssima segunda onda de Covid-19 que atinge o país, evidenciando inadmissivelmente que a negligência e a falta de políticas governamentais podem deixar milhares de pessoas sem o básico, que é o oxigênio para respirar. Tristemente, pacientes que tinham grandes chances de sobreviver tiveram o quadro agravado pela ausência de insumo hospitalar e muitos cidadãos vieram a óbito.

Por fim, tudo indica que 2021 será um ano desafiador para o Plano Nacional de Imunizações e para o Sistema Único de Saúde (SUS), já que o movimento antivacina só cresce em nosso país e é encabeçado irresponsavelmente por Bolsonaro, que deve responder por isso.  Fica a esperança de que a vacina nos proporcione uma respiração mais aliviada, mas para isso é necessário que todos se vacinem.