Por Washington Luiz de Araújo, jornalista
Para muitos, ver uma garça é algo inusitado,. Mas quem mora no Rio, precisamente em Paquetá, é uma rotina. No entanto, ao me mudar para esta ilha, me lancei um desafio: o de olhar com olhar de quem está vendo sempre uma novidade.
E é assim que vejo as garças que passeiam como quem não querem nada, mas querem peixe, na praça da Igreja Bom Jesus do Monte.
Todos os dias, ficam ali rodeando os vendedores de peixes, no oportunismo de bicar o que já está ali à disposição. Desde que o peixeiro, lógico, se disponha a isso.
Como não encontrei algo como poema sobre estas garças marinhas, vai aqui um de Manoel de Barros sobre as parentas delas, do Pantanal.
Vejam o poema e o vídeo.
Penso que têm nostalgia de mar estas garças pantaneiras.
São viúvas de Xaraiés?
Alguma coisa em azul e profundidade lhes foi arrancada. Há uma sombra de dor em seus vôos. Assim, quando vão de regresso aos seus ninhos, enchem de entardecer os campos e os homens.
Sobre a dor dessa ave há uma outra versão, que eu sei. É a de não ser ela uma ave canora. Pois que só grasna — como quem rasga uma palavra.
De cantos, portanto não é que se faz a beleza desses pássaros.
Mas de cores e movimentos. Lembram Modigliani. Produzem no céu iluminuras. E propõem esculturas no ar.
A Elegância e o Branco devem muito às garças.
Chegam de onde a beleza nasceu?
Nos seus olhos nublados eu vejo a flora dos corixos. Insetos de camalotes florejam de suas rêmiges. E andam pregadas em suas carnes larvas de sapos.
Aqui seu vôo adquire raízes de brejo. Sua arte de ver caracóis nos escuros da lama é um dom de brancura.
À força de brancuras a garça se escora em versos com lodo?
(Acho que estou querendo ver coisas demais nestas garças.
Insinuando contrastes (ou conciliações?) entre o puro e o impuro, etc etc. Não estarei impregnando de peste humana esses passarinhos? Que Deus os livre!)
Manoel de Barros