Ascensão e queda de impérios com dívidas

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A fase de declínio, em geral, é motivada pela fraqueza econômica interna, bem como por lutas internas ou custosas lutas externas, senão ambas

Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*, compartilhado de Terra é Redonda




Imagem: Ekaterina Astakhova

“A história se repete”, argumenta Ray Dalio no seu livro, Principles for Dealing with the Changing World Order, lançado em 2021, em um grande ciclo arquetípico. Constatou todos os Impérios passarem por: uma fase de liderança, crescimento pacífico e prosperidade; uma fase de perda de competitividade e produtividade, com crise decorrente da super expansão anterior com endividamento; e um período de declínio, na forma de perda de poder financeiro, conflitos internos e guerras ou revoluções.

A fase de boom (ou altista) começa quando uma série de condições são atendidas. Surge uma liderança capaz de projetar um sistema para aumentar a riqueza e o poder do país.

Uma educação sólida não se limita a ensinar conhecimentos e habilidades. Ela também propicia e cultiva o desenvolvimento de um caráter na sociedade de modo a prevalecer a civilidade e uma ética de trabalho estimulante.

Quanto melhor educação o país tiver, mais intensa será a passagem de uma produção mais básica para outra onde se encontram os produtores inovadores. Incorporam novas tecnologias. A sociedade está aberta para incorporar todos os conhecimentos possíveis, sejam próprios, sejam de outros, a fim de descobrir novas maneiras de fazer as coisas.

Faz os trabalhadores, o governo e o exército seguirem na mesma direção e trabalharem juntos harmoniosamente. Evita golpes de Estado em favor da casta dos militares. O país em questão torna-se mais produtivo e consegue ser mais competitivo nos mercados internacionais. Sua economia passa a ter um peso maior no comércio global.

Quando um país comercializa mais com o resto do mundo, é obrigado a proteger as rotas dessas relações econômicas para garantir um quadro de segurança para os seus interesses no exterior. Implica em estar melhor preparado contra qualquer ataque estrangeiro, defesa só alcançada quando desenvolver mais força militar.

Em termos políticos, as castas dos mercadores, dos oligarcas governantes e dos militares se aliam. Pior, muitas vezes esses conservadores agem contra os interesses reformistas socialdemocratas das castas dos trabalhadores organizados e dos sábios-intelectuais.

Se bem administrado, o círculo virtuoso da fase ascendente leva a forte crescimento da receita fiscal, usada para financiar investimentos em infraestrutura, educação e pesquisa e desenvolvimento. O país se torna um sistema econômico-financeiro capaz de incentivar e capacitar aqueles com capacidade de gerar ou obter riqueza.

Para tanto, o país precisa ter mercado de capitais bem desenvolvido, especialmente, no referente a financiamentos via empréstimos, emissões de títulos de dívida (debêntures) e mercado de ações. Possibilita as Pessoas Físicas converter suas reservas em investimentos financeiros, propícios a financiar a inovação e o desenvolvimento, e/ou associar-se às Pessoas Jurídicas na fortuna (lucros e dividendos) e no infortúnio (perdas e danos).

Todos os grandes impérios desenvolveram um centro financeiro internacional, capaz de atrair e distribuir o capital disponível à cada época. O país expande suas transações internacionais para se tornar o império comercial dominante.

Como cada vez mais transações são denominadas em sua moeda, mais o resto do mundo deseja depositar suas reservas cambiais nessa moeda. Isso permite o país tomar mais dinheiro emprestado com taxas de juros mais baixas diante da cobrada aos outros países.

Essa série de relações de causa-e-efeito faz os eixos de poder, em campos como finanças, política ou militar, se apoiarem mutuamente.

No auge, a fase próxima do pico, o país sustenta os impulsos responsáveis por sua ascensão, incorpora as recompensas dos sucessos, mas “planta as sementes” do posterior declínio. Com o tempo, as obrigações se acumulam, quebrando as circunstâncias de reforço positivo alimentadores do boom no início do ciclo de expansão.

As pessoas físicas e pessoas jurídicas no país agora rico e poderoso ganham mais, suas estruturas econômicas são mais caras e menos competitivas em relação a outros países, onde há pessoas dispostas a trabalhar mais por menos. Os estrangeiros, naturalmente, copiam os métodos e as tecnologias da potência, reduzindo sua competitividade.

As pessoas físicas e pessoas jurídicas do país líder ficam mais ricas e começam a não trabalhar tanto como antes. Desfrutam de mais lazer, buscam mais diversão, para apreciar a vida inclusive com luxo e ostentação – e se tornam menos produtivas e decadentes em valores morais e esforço. As pessoas, ao se dar bem, apostam cada vez nos bons tempos continuarem – e se endividam para fazer essa aposta ao antecipar esperada capacidade de pagamento.

Nos sistemas capitalistas, os ganhos financeiros são obtidos de forma desigual e as diferenças de riqueza aumentam de maneira progressiva. Elas são auto reforçadas, porque os ricos usam seus maiores recursos para expandir o poder de decisões à vontade. Inflam bolhas financeiras.

Buscam influenciar o sistema político, tentando desviá-lo em benefício próprio, e assim conceder aos filhos maiores privilégios, como o acesso a ocupações e/ou nomeações para melhores cargos. Tudo isso gera diferenças cada vez mais fortes de valores morais, posições políticas e oportunidades pessoais de ascensão social, dando origem a uma divisão classista entre ricos (“os que têm”) e pobres (“os que não têm”).

Os menos favorecidos sentem o sistema capitalista ser injusto, então, o ressentimento aumenta. Embora o padrão de vida da maioria das pessoas possa continuar a elevar-se, essas divergências e ressentimentos se traduzem em grandes conflitos políticos.

O cenário financeiro do país líder começa a mudar. Sua moeda como reserva cambial, em todo o mundo, possui o privilégio exorbitante de poder continuar a contrair empréstimos em excesso. Enfim, “sua sociedade se torna consumista e o financiamento vem dos comunistas”. O país acumula grandes dívidas com o resto do mundo.

Embora possa aumentar seu poder de compra, no curto prazo, em médio ou longo prazo implica a saúde financeira do país se enfraquecer e, junto com ela, provocar a depreciação da moeda nacional. Quando o endividamento e os gastos crescem, intensa e excessivamente, suas finanças vão se enfraquecendo, inclusive porque gasta para sustentar conflitos militares internacionais distantes dos interesses de sua população, mas justificado pela indústria bélica para manter o poder do seu império.

Os custos de manutenção e defesa do império ficam cada vez maiores diante da receita gerada para sustentá-lo. Manter esse poder mundial gera retornos decrescentes.

Quando os países mais ricos se endividam, tomando empréstimos dos países mais pobres, emergentes e capazes de poupar mais, este é um dos primeiros sinais de mudança nas estruturas de poder e riqueza mundial. Se o Império começa a ficar sem novos credores, os países com acúmulo de sua moeda em reserva internacional começam a procurar uma maneira de vender e liquidar essas posições.

Daí a própria moeda, antes considerada como referência-padrão para o comércio internacional, perde sua atratividade no resto do mundo. Ao ser cada vez menos usada para comprar, poupar, emprestar ou investir, a força do Império começa a declinar.

A fase de declínio, em geral, é motivada pela fraqueza econômica interna, bem como por lutas internas ou custosas lutas externas, senão ambas. O declínio do império ocorre gradualmente até aumentar de forma mais repentina.

Quando as dívidas se tornam insustentáveis por insuficiente geração de renda, há uma recessão econômica. O Império não pode mais tomar emprestado o dinheiro necessário para rolar suas dívidas, tem grandes dificuldades para obter um superávit suficiente para as pagar e enfrenta a escolha entre imprimir mais moeda nacional em depreciação ou deixar de pagar suas dívidas.

A opção mais fácil é imprimir (e depreciar mais) a moeda nacional. Ao desvalorizar a moeda, aumenta o custo de importação, em uma economia aberta, e acelera a inflação.

Nesses momentos, quando o governo luta para se financiar, em más condições econômicas e financeiras, surgem significativas diferenças políticas, de valores morais e de riqueza. Esse “caldo de cultura” motiva um aumento dos conflitos internos entre ricos e pobres, entre diferentes grupos étnicos ou religiosos, entre a esquerda e a direita etc.

O extremismo político se manifesta logo na forma de populismo (“falar em nome do povo” quando ganhou a eleição por pequena maioria), seja de esquerda, seja de direita. Os militantes de esquerda defendem redistribuir a riqueza, enquanto os adeptos da direita procuram conservar a riqueza nas mãos dos ricos.

Nesta ‘fase anticapitalista’, todos os problemas são atribuídos ao capitalismo, aos empresários, aos rentistas e às elites em geral, inclusive culturais. Durante esse período, os impostos sobre os ricos costumam aumentar e, quando veem sua riqueza e bem-estar em risco, eles se refugiam seus ativos e moedas em outros lugares (“paraísos fiscais”), mais seguros. Essas fugas reduzem as receitas fiscais do país, agravando o ciclo vicioso.

Quando a fuga da riqueza é muito prejudicial, o governo tenta evitar a piora tomando medidas desesperadas. Quem procura a saída, para evitar perda, entra em pânico.

Essas condições turbulentas prejudicam os investimentos em novos empreendimentos e a produtividade, encolhendo o potencial de geração de renda e causando mais conflitos sobre sua divisão. Líderes populistas se aproveitam desse ambiente anti-establishment, prometendo assumir o controle e restaurar a ordem.

A democracia é desafiada. Ela falha em frear a ilegalidade de grupos neofascistas. a opção por um líder populista “contra tudo” parece ser o recurso em última instância.

Se os conflitos internos se intensificam, é possível a eclosão de uma revolução ou guerra civil com a pressuposição de redistribuir a riqueza e mudar abruptamente a ordem existente. O desafio é fazer uma transição pacífica com a manutenção da ordem democrática existente, mas a história mostra muitas vezes ter ocorrido o contrário.

Quando há uma grande potência em ascensão capaz de desafiar a grande potência dominante e a ordem mundial existente, aumenta o risco de eclosão de um grande conflito internacional. Agrava no caso de um conflito interno se desenrolar dentro da grande potência atual. A potência ascendente buscará explorar essa fraqueza interna se tiver armado um exército comparável ao da potência hegemônica.

A defesa exige um forte aumento nos gastos militares, justamente, quando as condições econômicas domésticas do poder se deterioram e é cada vez mais difícil financiar tal expansão orçamentária. Esses conflitos externos geralmente são resolvidos por meio de testes de poder, onde a antiga potência enfrenta uma escolha difícil, dividida entre lutar para manter sua posição ou retirar-se e aceitar seu declínio na arena internacional.

As guerras são terrivelmente caras. Realinham a ordem mundial e a ajustam à nova realidade de riqueza e poder. Os países dependentes da moeda como reserva e dos títulos de dívida do Império decadente perdem a crença em seu poderio e decidem liquidar tais posições.

O grande ciclo termina. Todas essas forças – endividamento, guerra civil ou revolução interna, guerra estrangeira e perda de status da moeda nacional como a moeda padrão de reserva internacional – se alinham e ocorre uma grande mudança na ordem mundial.

*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP).

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