Balas, bolsas, bolos e bijus

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E a coluna “A César o que é de Cícero”, do doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista, nos leva, novamente ao subúrbio. Desta vez, César nos apresenta quatro irmãs que se viram para sobreviver e tentam atender ao sonho paterno.

“A história que segue, apesar de fictícia, tem um pé grande na porta do real. Para sua elaboração, juntei pedaços de histórias entreouvidas aqui e ali e fiz a minha edição particular. Creio que o resultado, embora modesto, lembre os depoimentos dos “batalhadores”, essa nova classe média ou às portas da classe média que Jessé Souza nos apresentou.
Vem daí o tom de relatório, com alguns toques de emoção que são mais próprios da vida do que da necessidade de enredo.




Vamos a história!

Eram quatro irmãs, quatro Buccos. À exceção da caçula, as três irmãs tinham celulares e eram ativas nas redes sociais, onde compartilhavam mensagens que iam de como um verdadeiro homem deveria tratar sua mina de fé até de como uma pessoa deve manter a esperança diante das dificuldades.
Nenhuma delas se atrevia a usar o celular nos cultos da igreja. Seriam repreendidas sumariamente. Já na escola, era mais difícil se desgrudar do celular, necessitando-se por vezes da intervenção direta de um professor.

Fora da escola, cada uma se virava como podia para ajudar no orçamento da família. Disso nem a caçula escapava.

Balas
A mais velha vendia balas e doces no tabuleiro no maior cruzamento da cidade – o que demonstra conhecimento estratégico. Bastava o sinal fechar, que ele aparecia oferecendo sem extravagâncias suas guloseimas. Na maioria das vezes, eram Buccos os que compravam. Não se sabe bem por quê, mas Buccos têm um apetite voraz para as compras. Vez ou outra, um Cappelli, imagina-se que de bom grado, abria a janela do automóvel e comprava uma bala de café nas mãos dela.

Era esquisito vê-la chegar por volta das 19h e só sair do sinal depois da meia-noite. De bicicleta. Entretanto, não era esquisito vê-la de manhã pegar a condução para ir estudar em faculdade particular.

Bolsas
A segunda, que parece ser a mais velha, saiu de casa cedo, amigada e sem terminar os estudos. Quando voltou pra EJA (Educação de Jovens e Adultos), tratou logo de fazer amizade com as professoras, possíveis clientes de suas bolsas. Em comparação com certos Cappellis, é fácil vender coisas para as professoras, bastando estender um pouco o prazo. Dez, doze vezes e não se fala mais nisso. Quase todo mundo paga. A não ser que o salário atrase, é claro. É coisa para se ficar atento, porque atrapalha o fluxo de caixa.

O negócio estava indo de vento em popa até que um dia do nada ela arrumou uma confusão dos diabos por causa de um disse-não-disse a respeito do Jonas, seu marido. Por causa dele, ela trocou uns bons sopapos com outra aluna e um tanto envergonhada decidiu adiar o sonho de concluir o ensino fundamental, pelo menos naquela escola.

O sonho não era tanto assim dela, mas do pai, afinal de contas, que queria ver todas as filhas formadas. Mas não tinha ela voltado para a casa dos pais, que acolheu ela e os filhos dela?

Ela tem tomado a lição de casa dos pequenos como pode, por vezes com o chinelo do lado. E de vez em quando faz queixa do pai pra mãe, dizendo que ele sonha demais.

Bolos
A antes da caçula está para terminar o ensino fundamental. É briguenta quando lhe pisam os calos, está no seu DNA, mas no todo é boa menina, caprichosa nos estudos até. Agora ela se juntou a algumas amigas de classe e tem vendido bolos caseiros na escola para arrecadar fundos para a formatura. Ninguém na escola deixa de comprar porque é uma maneira de ajudar. O professor de matemática foi chamado às pressas para resolver um problema de fração.
Apaixonou-se perdidamente por um Cappelli, que não ficou nem três meses na escola. Achava engraçado a mãe vir buscar o filho de carro todo dia. Eles são de carne e osso como a gente, não há por que gaguejar. Vai bater na casa dele para vender bolo? Será que teria essa coragem?

Bijus
A caçula entrou no ramo das bijuterias, que vende a torto e a direito para as amigas da escola. Tem saído bem, está fazendo um bom dinheirinho, guardando um pouco para projetos futuros, quem sabe um celular. Ela tem tudo pra dar certo, a menina. O pai só não queria que ela fosse fazer faculdade de humanas, que pelo visto rende um futuro menos promissor que as carreiras mais liberais. O pai sonha pra ela uma profissão de ministra da Justiça ou coisa do tipo. Se assim ele quer, tudo bem. Ela irá para o poder Judiciário. Mas que ele a ajude a comprar mais “bijus”, e a fazer a loja, porque o nome ela já bolou: “Beijos Bijus”. Ou será apenas “BJS”?”

*Personagem da coluna, Bucco é um “Faz tudo”, que vive em busca de bicos. Sempre antenado numa oportunidade, qualquer que pinte, Bucco é um dedicado pai de família.

*Capelli, para a coluna, é a definição de uma pessoa metida a besta

Sobre o autor

Radicado em Nilópolis, município do Rio de Janeiro, Cícero César Sotero Batista é doutor, mestre e especialista na área da literatura. É casado com Layla Warrak, com quem tem dois filhos, o Francisco e a Cecília, a quem se dedica em tempo integral e um pouco mais, se algum dos dois cair da/e cama.

Ou seja, Cícero César é professor, escritor e pai de dois, não exatamente nessa ordem. É autor do petisco Cartas para Francisco: uma cartografia dos afetos (Kazuá, 2019) e está preparando um livro sobre as letras e as crônicas que Aldir Blanc produziu na década de 1970.

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