Por Carlos Eduardo Alves, jornalista, Bem Blogado – 

Tem gente nas esquerdas apostando que o governo de extrema-direita se desmanchará em pouco tempo. Mesmo com as trapalhadas já testemunhadas, no entanto, infelizmente o caminho do desastre em curto prazo não é o mais provável. Alguns fatores tendem a beneficiar Bolsonaro na largada.

O primeiro deles é a boa vontade com que a população invariavelmente recebe novos governos. Sempre foi assim. Historicamente, quem acompanha pesquisas sobre popularidade de mandatários sabe que só a partir de 6 meses de administração é que o olhar se torna menos condescendentes, mais crítico. Um exemplo recente é o de João Dória na cidade de São Paulo. Vencedor do pleito em primeiro turno, um fato inédito, começou bem avaliado nos tais “100 primeiros dias” e a partir daí despencou. Saiu mal no eleitorado paulistano, tanto que perdeu a disputa estadual na Capital do Estado.

Essa espécie de “crédito de curto prazo” é que move em geral os governos. Aproveitar a onda e fazer no primeiro ano de gestão todos os ajustes e maldades, aquelas medidas impopulares. Conta a favor também, no caso de Bolsonaro, a simpatia dos grandes veículos de comunicação pelos motes econômicos já anunciados, a começar pelo desmonte da Previdência. Haverá críticas pontuais a retrocessos em algumas áreas que serão alvo da sanha medieval, mas a agenda que importa mesmo para a elite é a econômica.

Por fim, não se deve apostar em resistência parlamentar em Congresso amplamente dominado pelo conservadorismo. As resistências serão pontuais e facilmente contornáveis pelos milhares de cargos e benefícios que Bolsonaro tem ao alcance para comprar maiorias. Haverá luta na oposição, mas ela é numericamente incapaz de derrotar o rolo compressor que será armado.

Esse horizonte inicialmente róseo para a extrema-direita pode ser anulado por um escândalo fortuito (ou não) a qualquer momento. Estamos no Brasil cada vez mais imponderável e a turma de saqueadores e ignorantes que assumiu a chave do cofre é, convenhamos, um formidável manancial formador de encrencas e malfeitos. Estamos, sim, de certa maneira, nas mãos do acaso ou de Deus, conforme a crença ou não do freguês.

Se Bolsonaro conseguir tratorar na questão da Previdência, a mãe de todas as batalhas lembremo-nos sempre, é provável que ocorra um voo de galinha na Economia, fincado no massacre social e na precarização do trabalho? Como assim? O exército de 13 milhões de desempregados e mais ou desalentados pode ser assistido por migalhas do capital e sua cobertura na grande mídia.

Um cenário bem possível, sempre ressaltando que a premissa é a aprovação do fim da Previdência enquanto garantidora de direitos mínimos aos mais pobres, é que diminua nas estatísticas o número formal dos desempregados e tente se consolidar a ideia de que o subemprego é o caminho inevitável nas novas relações trabalhistas.

De certa maneira, a vigarice já está o correndo, como milhões de pessoas se sujeitando à venda precária do suor laboral em troca da sobrevivência em padrões desumanos. É o trabalho pela comida parca e mais nada.

E o que resta, então, para os setores progressistas? A velha e indispensável luta. A munição, pela correlação de forças, não é farta hoje. Vai daí que é preciso escolher os fronts. Não é possível, infelizmente, atirar para abater todos os demônios. É preciso escolher as batalhas centrais e atualmente nada é mais relevante do que a da Previdência, tanto para o lado de cá como para o de lá.

É preciso repetir obsessivamente nas ruas que o que está se preparando é o ataque mais cruel da História a um direito básico da cidadania. O tema tem apelo popular e, acima de tudo, é um dogma que divide a civilização do viver medieval.

Não será fácil, muitíssimo pelo contrário, mas não há caminho sem privilegiar essa trincheira. Pensar em platitudes agora é não só optar pelo delírio. É liminarmente abandonar os mais comezinhos princípios de esquerda. Só nos resta a salvadora luta.