Brinquedo de ser criança

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E a coluna “A César o que é de Cícero”, do doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista, nos leva à infância, na época em que, como disse Jean Piaget, a brincadeira era o trabalho da infância.

Salve a criança de hoje e aquela que mora dentro da gente!

Ah, entenda a razão da Pastilha Garoto Verde Oliva ser a capa do post desta crôncia do garotinho César, lendo o texto. Alô fábrica de doces Garoto e da FIAT, dinheiro do merchandising para a redação deste blog!




“Quem há de negar o valor educacional do brincar e dos brinquedos? Deve haver muita literatura a tal respeito, sem dúvida. Que a gente vá procurar e aprender. Em todo caso, é imbuído de um espírito brincante, brincalhão, apropriado para o Dia das Crianças, que falo sobre alguns brinquedos da minha meninice. Falarei dos que vieram à tona como se me dissessem: “Não se esqueça de mim, seu adulto de uma figa! Senão, você vai ficar corcunda!”
Então lá vamos nós de mãos dadas na ciranda das lembranças.

Vrumvrum
Este brinquedo era vendido por ambulantes em parques como a Quinta da Boa Vista. Era feito uma panelinha de barro amarrada a uma haste. Fazia um barulho engraçado quando a gente o girava. Frágil, feito para não durar, dificilmente chegava inteiro em casa. Dava para perceber a argila se esfarelando, partia-se.
Aliás, havia outro brinquedinho nos mesmos moldes deste que mencionei, só que fazia supostamente som de cuíca. A gente usava um copo usado de iogurte. Fazia-se um furinho no fundo do pote, amarrava-se um barbante, dava-se um nó, e estava pronta a cuíca que fazia som de cacarejo.

O apito, o gato mia
Este brinquedo também era encontrado em Parques como os da Quinta. Um sujeito passava pela gente fazendo um som esquisito que lembrava o miar de um gato. É claro que a gente pedia ao pai para comprar. Ele, tal qual gênio da lâmpada, atendia ao nosso desejo. O problema, entretanto, vinha depois. Ninguém, nem a mãe nem o pai nem a gente, conseguia tirar som de gato do maldito apito.

Dancem, bonequinhos!
Este brinquedo era vendido no centro da cidade. Era um bonequinho que atendia à voz de seu mestre. Sem pilhas, sem nada. Era um truque, por óbvio. Porém, muito mais bacana que o brinquedo em si, era a forma como aquele sujeito nos iludia. Era meio como uma apresentação de circo em praça pública.
Ao levar o bonequinho de cartolina para casa, mais a óbvia ululante linha de nylon, eu sonhava com a minha apresentação. No quarto, eu tentava lhe despertar o samba bravo e não conseguia. Paciência, eu não sou bom nem com as mãos nem com os pés.
E que não fiquem de fora nem a vaquinha dançarina articulada nem o boneco acrobata.

A fiat cor pastilha Garoto
Se lembra daquela pastilha de hortelã Garoto, cuja embalagem era verde oliva? Pois é, a Fiat lançou um Fiat 147 daquela cor. Quando exatamente, não sei.
Então a Garoto fez uma embalagem promocional: comprava-se um pacote com seis a oitos pastilhas e vinha no verso um molde do carrinho de cartolina. Era preciso papel, tesoura e cola e engenho para por o carrinho de pé. Mas dava, a gente conseguia.
É por isso que meu coração é uma garagem na qual sempre haverá espaço para o Fiat 147 cor pastilha Garoto, o carro mais lindo de todos.

Os brinquedos de Maceió
Na infância eu fui muito para Maceió, que é a capital do estado onde meus pais nasceram. O que me lembro de lá já não existe a não ser na minha memória: a madeireira; a farmácia que vendia picolé; a casa de confeitos; o cofre desalojado na calçada da rua dos Timbiras; o sol a pino que fazia o tempo parar; os meninos brincando de carro com latas amarradas a barbantes ou equilibrando pneus em pedaços de arame; os carrinhos feito de latas de óleo ou de madeira, que, por descuido, meu pai não comprou para mim.
Para quem gosta de realismo à toda prova, não eram brinquedos tão bem feitos quanto os de agora; tinham, isso sim, uma beleza rústica de quem sabia talhar madeira.
Aquele ônibus da São Geraldo (o verde o branco o marrom o laranja no velho monobloco da Mercedes), meu pai, eu deveria ter esperneado para que você atendesse a meus pedidos.

Joãzinho, inventor de brinquedos
Enviesadamente chego a Maceió e ao Joãozinho, menino que fazia seus próprios brinquedos. Lembro-me de que ele certa vez colocou duas bolas de gude (ou seria uma?) em um molde de cilindro. O molde tinha carinha e tudo, era um bonequinho. Colocava-se o boneco em um plano inclinado e ele descia dando cambalhotas, mais ou menos como o Vampeta fez no Planalto, durante a comemoração pela conquista de Copa do Mundo de 2002.
Joãozinho também fez um brinquedo eletrônico. Você tinha que levar uma argola por um circuito tomando cuidado para não encostar nos ferrinhos. Se encostasse em um deles, levava choque. Não sei se a carga era alta, era provavelmente a emitida por uma pilha, mas para mim o mero nome “choque” já me trazia certa aflição.

A Olivetti da Betânia
E finalmente tinha a Olivetti da minha tia Betânia. Acho que era vermelha, tal como o piso de vermelhão da casa do meu avô João. Eu brincava de escrever. Eu não escrevia. Eu só brincava e brincava. E era capaz de esquecer de muita coisa ali naquele transe. Só não sei se isso era antes ou depois do dominó ou do jogo de damas, que meu pai tinha comprado para que nós, crianças, passássemos o tempo ao longo das tardes sem fim de Maceió.

O corcudinha mandou lembranças
Nem todo mundo pode se lembrar de vocês, meus amigos brinquedinhos. Nem todo mundo pode achar graça ou tirar um ensinamento, uma lição que seja de tal experiência. Cada coisa no seu tempo. Mas eu, como eu me esqueceria de vocês, que tanto alegraram o corcundinha?

Sobre o autor

Radicado em Nilópolis, município do Rio de Janeiro, Cícero César Sotero Batista é doutor, mestre e especialista na área da literatura. É casado com Layla Warrak, com quem tem dois filhos, o Francisco e a Cecília, a quem se dedica em tempo integral e um pouco mais, se algum dos dois cair da/e cama.

Ou seja, Cícero César é professor, escritor e pai de dois, não exatamente nessa ordem. É autor do petisco Cartas para Francisco: uma cartografia dos afetos (Kazuá, 2019) e está preparando um livro sobre as letras e as crônicas que Aldir Blanc produziu na década de 1970.

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