Buster Keaton in Rio

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E a coluna “A César o que é de Cícero”, do doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista, é, realmente, coisa de cinema. E não é que o nosso Cícero César virou roteirista, trazendo o grande ator do cinema mudo Buster Keaton para o calorento Rio de Janeiro de hoje?  Vamos ao roteiro mirabolante e depois cenas do grande comediante, dono de frases como “um comediante faz coisas estranhas. Um bom comediante faz coisas engraçadas” ou “pense devagar, aja rápido“.

“Tenho andado às voltas com o comediante Buster Keaton (1895-1966). Muito engraçado, heróico. A sucessão de gags dos filmes não ficou gagá, apesar de tantos tempos percorridos. Mas com o advento do cinema falado, os pioneiros foram postos para as margens. E como se sabe, os velhos bons tempos de ontem não pagam as contas de hoje. Durante uns bons vinte anos, Keaton caiu no ostracismo até ser que recuperado por uma matéria da “Life Magazine” sobre os pioneiros do cinema.





Sua história pessoal, até onde os documentários a que assisti me sugeriram, também não foi das mais fáceis. No final do filme de sua vida, parece que ele encontrou a felicidade em seu modesto rancho com sua terceira ou quarta mulher, seus cigarros, seu trenzinhos.


A história que segue é uma tentativa de imaginar o senhor Buster Keaton nestes dias escaldantes de verão no Rio de Janeiro. Veio-me assim de súbito como uma vertigem devido à excessiva exposição ao sol, ao calor, à fumaça dos carros.


Vamos à história:
Lá veio ele de com sua cara de pedra para o verão do Rio. Desembarcou feito um pinguim em uma das praias da Zona Sul. O povaréu no todo não se assustou com o desgarrado, o fora de propósito. Afinal de contas, são tantos que a gente perde a conta, as coisas perdem a graça, deixam de ser notícia. Batalhão de afogados não é forma de expressão nesta época. Mas é certo que algumas crianças o cercaram com olhos e mãos buliçosos.


O pobre do Buster estava ainda exausto da navegação recente. Abriu um olho, abriu os dois, ficou tudo escuro de novo. Fingiu-se de morto à espera de beijo de namorada. Apavorou-se quando se deu conta de que algumas crianças maldosas resolveram brincar de enterrar o morto, tal qual em filme de piratas. Quanto tempo um pinguim aguenta ficar no sol? Passa protetor solar nele ou não? Será que ele come tatuí? Será que ele chupa sorvete?


Pernas, pra que te quero! Dava gosto de ver a curiosa figura correndo a não poder mais, pulando guarda-sóis, coolers, cangas; desviando de vendedores ambulantes, de isopores de todos os tipos e sortes; atravessando a quadra de futevolêi no exato momento em que um jogador executava o tubarão; chegando são e salvo ao chuveiro, que, para sua infelicidade, estava seco, sem uma gota d´água.


Já no calçadão, parou, impassível e ofegante. A turba engrossara. Eram muitos, multidões, de cabos de barraca, paus, pedras portuguesas, latas, tambores de Matte Leão, sacos de Biscoito Globo. Já se ouvia o apito de policiais e os gritos de “Pega, pega, pega!” Muita gente na areia achou que se tratava de uma perseguição ao rei dos ladrões, mafioso americano na certa que tinha sido descoberto pelo trabalho em conjunto do FBI, da Interpol, da Polícia Civil e Polícia Militar – assim, um trabalho feito com inteligência globalizada.


Falta-nos habilidade para contar a história do pinguim Keaton ao atravessar a rua. Como se sabe, o teste do testes para qualquer escritor que se preze que não queira ser menosprezado como um mero escriba é contar a história de uma galinha que atravessa a rua. O que se viu foi o impassível Keaton se desviar de carros, ônibus, bicicletas, vans, patins, triciclos, motos, skates, overboards e o escambau ainda mais facilmente do que da multidão que o perseguira na praia.

Ele pulava, subia, descia, se agachava, plantava bananeira, dava estrelinha, tirava o fino daqui e dali, quase sempre sem deixar cair o chapéu. Finalmente foi se esconder no canal que liga uma lagoa ao mar. Viu muitos outros Keatons de cara suja, ameaçadores.


A produção verá se isso dá encrenca em termos de direitos autorais. Mas o certo é que a rapaziada viu que se, por acaso, se tirasse o fraque do pinguim, não é que dava um franguinho um pouco maior com o pombo? Imaginou-se um frango com gosto de peixe, isto é, uma delícia. E nem precisava de fogão, bastava colocar a peça no chão do asfalto e presto!


Por óbvio, havia uma saída. Em vez de virar comida, o nosso herói fugiu em direção ao mar aberto, submergindo como um pato. A corrente o levou para mares distantes, seguros e frios, talvez de volta às regiões de sua origem.


O velho Buster chegou aos tombos em terra firme mas nem tanto. Nem mesmo sua cara de pedra conseguiu se livrar do espavento ao ver seu habitat natural se esmilinguir como um picolé ao sol. Como quando se usa água quente para retirar as placas de gelo do congelador, as placas caíam e se espatifavam.


Houve divergências entre os membros da produção quanto à qualidade da gag que fecharia o filme. Afinal, era engraçado ou não ver Buster Keaton tirar barras e barras de uma máquina de gelo para tentar reconstruir como um castelo a geleira que faltava?
Era. Não era?”

Vejam aqui cenas das correrias perigosas de Buster Keaton e pense no roteiro de Cícero Cesar

As cenas mais perigosas do cinema de Buster Keaton

https://www.facebook.com/mostrabusterkeaton/videos/2149632091970391/

Radicado em Nilópolis, município do Rio de Janeiro, Cícero César Sotero Batista é doutor, mestre e especialista na área da literatura. É casado com Layla Warrak, com quem tem dois filhos, o Francisco e a Cecília, a quem se dedica em tempo integral e um pouco mais, se algum dos dois cair da/e cama.

Ou seja, Cícero César é professor, escritor e pai de dois, não exatamente nessa ordem. É autor do petisco Cartas para Francisco: uma cartografia dos afetos (Kazuá, 2019) e está preparando um livro sobre as letras e as crônicas que Aldir Blanc produziu na década de 1970.

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