Covid-19: Brasil chega a 1 milhão de recuperados. E daí?

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Por Agostinho Vieira, compartilhado de Projeto Colabora – 

Inconsistência dos dados e subnotificações transformam o número em peça de marketing para desinformados e mal-intencionados

Profissionais de saúde aplicam o teste da covid-19 em indígena Guarani, em Maricá, no Rio de Janeiro. Foto Mauro Pimentel/AFP

Na tarde do último domingo, 05 de julho, o portal da prestigiada Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, referência no levantamento de dados sobre coronavírus no mundo, mostrava o Brasil na primeira colocação do ranking de países que tiveram mais pacientes recuperados da covid-19. A marca de 1.013.951 pessoas curadas superava os registros do próprio Ministério da Saúde, que no mesmo dia e horário, indicavam que havia 876.359 casos recuperados. Já no portal Worldometer, que também acompanha as informações mundiais sobre a covid-19, o número era de 978.615 pessoas curadas.




Os mais otimistas vão dizer que as informações são parecidas, que mais cedo ou mais tarde o Brasil vai superar a marca de 1 milhão de recuperados e que, sem dúvida, essa é uma boa notícia. Os mais pessimistas, contudo, dirão que esse é só mais um exemplo de que não existem dados realmente confiáveis sobre a covid-19 no mundo, que estamos perdidos em um deserto de desinformação com todas as bússolas quebradas. Tanto os otimistas quanto os pessimistas parecem estar certos. Em primeiro lugar porque a recuperação de qualquer paciente, no Brasil e no mundo, merece sempre ser comemorada. Se chegarmos a 1 milhão, melhor ainda.

Arte Fernando Alvarus

Mesmo assim, não possível dizer, em absoluto, que o Brasil é país com o maior número de pacientes curados do mundo. Não é. E as razões são várias e simples. Para começar, na lista da Universidade Johns Hopkins, o Brasil só aparece em primeiro porque o banco de dados não considera as informações de nove estados ou territórios norte-americanos, entre eles três que já passaram de 100 mil casos registrados: Califórnia, Illinois e Flórida. Na relação do Worldometer, os EUA estão com 1.261.139 pessoas recuperadas.

Outro aspecto importante a ser considerado é o da subnotificação. Só é possível dizer que alguém foi contaminado com o coronavírus se ele for testado e receber o resultado positivo. A mesma coisa vale para os recuperados e até mesmo para os óbitos. Pesquisa da Universidade de Pelotas, financiada pelo Ministério da Saúde, indica que a subnotificação no Brasil estaria em torno de 6 vezes. Por esse critério, o número de casos no país estaria próximo de 10 milhões e o de recuperados, guardadas as proporções, superaria a marca de 6 milhões.

O argumento mais importante, no entanto, é o que leva em conta o número de pacientes recuperados sobre o total de casos registrados. Seria uma forma mais precisa, talvez, de avaliar a eficiência do país no tratamento dos doentes. Considerando os dados do Worldometer, a média mundial estaria em 56,61%. De que cada 100 pacientes, cerca de 57 já teriam se recuperado. Os outros 43 estariam internados, em tratamento e um percentual menor já teria morrido. Por esse critério, o percentual do Brasil seria de 61,55%, acima da média mundial, mas muito abaixo de dezenas de outros países. O Chile recuperou 88,47% dos pacientes; a Itália, 79,66%; a Alemanha, a Áustria e a Coreia do Sul superaram a marca de 90%. Já a Islândia chegou o fantástico índice de 98,5% de recuperação dos doentes.

O fato é que desde a última reformulação do site do Ministério da Saúde, o dado sobre pacientes recuperados ganhou o maior destaque da página, como se indicasse eficiência ou tentasse passar uma mensagem de otimismo. Muitos seguidores do presidente Bolsonaro replicam esses dados nas redes sociais, como sinal de vitória. Infelizmente, não são. Muitos países do mundo, como o Reino Unido, a Holanda, a Suécia e a Espanha sequer computam esses dados. Eles são uma consequência óbvia e automática do número de casos registrados.

Seria ótimo se pudessem ser usados para avaliar o grau de imunização da população, para orientar ações dos profissionais de saúde, o volume de leitos nos hospitais e embasar as políticas de relaxamento das medidas de isolamento social. Mas, infelizmente, isso não acontece.  Nossos números de casos e mortes seguem subindo, atingimos um platô preocupante, como já mostrou José Eustáquio Alves algumas vezes aqui no #Colabora. Prefeitos e governadores liberam as atividades econômicas e a circulação de pessoas sem os critérios técnicos utilizados em outros países.

As cenas lamentáveis que vimos na última quinta-feira, dia 2 de julho, no Leblon, são apenas mais um sinal do descaso das autoridades e da falta de solidariedade das pessoas com o próximo. Tudo isso em plena Dias Ferreira, rua que leva nome de um médico que sofreu muito para salvar vidas. Nos próximos 15 dias veremos os resultados. Certamente o número de recuperados vai continuar subindo, mas o de casos e mortes também. E muito. Infelizmente.

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