Covid-19: Brasil vive um pandemônio sanitário, econômico e ambiental

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Por José Eustáquio Diniz Alves, compartilhado de Projeto Colabora – 

País segue batendo recordes de mortes e caminha para ter a maior recessão, o maior déficit nominal e o maior montante da dívida pública bruta de todos os tempos

Membros da equipe médica das Forças Armadas conversam com um indígena da etnia Yanomami em um pelotão especial de fronteira, onde estão sendo realizados testes para a covid-19, em Roraima. Foto Nelson Almeida/AFP

Os números da pandemia no Brasil ganham destaque crescente no panorama global. No mês de junho, o país teve, em média, cerca de 30 mil casos e mais de 1 mil mortes diárias. Com 2,7% da população mundial, o país respondeu por 21% dos casos e 22% dos óbitos globais. O Brasil manteve o primeiro lugar no topo do ranking internacional, na frente, inclusive, dos Estados Unidos (EUA) que tiveram uma média diária de 21,4 mil casos e 745 mortes no mês de junho.




No início do mês de julho os EUA retomaram o primeiro lugar no número de novas infecções (com média acima de 50 mil casos), mas caíram para o terceiro lugar no número diário de mortes (com 560 óbitos por dia). O Brasil continuou no primeiro lugar em número diário de mortes (1.168 óbitos diários em média de 01 a 04/07) e o México ocupou o segundo lugar global, com uma média de 680 óbitos nos primeiros 4 dias de julho.

A emergência sanitária tem gerado não apenas um aumento da morbimortalidade, mas também um pandemônio econômico. Muitos empregos foram eliminados e, pela primeira vez na história, a população ocupada representa menos da metade da população em idade ativa. Preocupando-se com o impacto econômico, o país não fez um fechamento total (lockdown) e nem uma quarentena efetiva. Neste momento, está no pior dos mundos, pois 4 meses depois de atingir os primeiros 10 casos (no dia 06/03) o Brasil não chegou nem no pico da pandemia e nem no fundo do poço da economia. A nação brasileira caminha para ter a maior recessão, o maior déficit nominal e o maior montante da dívida pública bruta de todos os tempos.

Numa situação tão dramática, as diversas esferas do poder público não conseguem articular um plano para enfrentar a conjuntura adversa e nem se entendem quanto às propostas de flexibilização do isolamento social. As doenças da saúde e da economia se agravam, enquanto a maior parte da população, desorientada, assiste bestializada a corrupção dos gastos na saúde e o desgoverno das elites políticas. Para agravar a situação, o ministro Ricardo Salles tem aproveitado as “oportunidades da pandemia” para “passar a boiada” sobre o que há de preservação ambiental e conservação da natureza no país. São tantas notícias ruins que se misturam e se sobrepõe, que nem queremos acreditar e perdemos a noção da dimensão da tragédia que vivenciamos.

O panorama nacional

O Ministério da Saúde informou, no sábado (04/07), que o país chegou a 1.577.004 pessoas infectadas e 64.265 vidas perdidas, com uma taxa de letalidade de 4,1%. Foram 37.923 novos casos e 1.091 mortes em 24 horas. O país está mantendo uma média acima de 1.000 mortes ao dia há 6 semanas. Desde o final de maio, o Brasil ocupa o primeiro lutar global no número de vítimas fatais do Sars-CoV-2.

O gráfico abaixo mostra as variações absolutas diárias do número de casos no território nacional entre 01/03 a 04/07 e a média móvel de 7 dias. Nota-se que o número de pessoas infectadas está crescendo continuamente no Brasil e o pico da curva epidemiológica parece que ainda está distante. O cume da variação diária ocorreu no dia 19 de junho, com 54.771 novos casos. Mas neste dia a média móvel indicava um valor de 29,2 mil casos. Nos primeiros 4 dias de julho a média móvel indica 38 mil casos. Portanto, a despeito das oscilações diárias, a tendência média indica números crescentes.

O gráfico abaixo mostra a variação média diária do número de casos no Brasil, nas diversas semanas epidemiológicas (SE). Nota-se que o número de pessoas infectadas passou de 397 casos na 13ª SE (22 a 28/03), para 3,130 pessoas na 17ª SE e mais do que decuplicou até a 25ª SE. Mesmo ultrapassando a cifra de 30 mil casos diários, o surto pandêmico continuou avançando e chegou à média de 37.620 casos diários na 27ª SE (28/06 a 04/07), com variação relativa de 2,6% ao dia. Como sempre fazemos todos os domingos e para contribuir com as avaliações das tendências epidemiológicas, apresentamos uma projeção para a 28ª SE (05 a 11/07), que indica 39,5 mil casos diários no Brasil, com aumento relativo de 2,3% ao dia.

O gráfico abaixo mostra as variações absolutas diárias do número de óbitos no território nacional entre 17/03 a 04/07 e a média móvel de 7 dias. Nota-se que o número de vidas perdidas cresceu rapidamente até o final de maio e nas últimas 6 semanas tem oscilado em torno de 1 mil mortes por dia. O cume da variação diária ocorreu no dia 04 de junho, com 1.473 óbitos em 24 horas. Mas neste dia a média móvel de 7 dias indicava um valor de 1.038 óbitos, montante que subiu para 1.058 óbitos no dia 23 de junho. No dia 04 de julho a média móvel indicava 1.028 óbitos. Desta forma, a curva epidemiológica de óbitos está estacionada em um alto platô, sem uma clara tendência de aumento ou de declínio.

O gráfico abaixo mostra que o número de vítimas fatais foi de 13 óbitos ao dia na 13ª SE, passou para 387 óbitos diários na 18ª SE e chegou a 976 óbitos diários na 22ª SE (24-30/05). Nas semanas seguintes o número diário oscilou em torno de 1.000 óbitos. Devido ao processo de flexibilização da quarentena e de aumento da taxa de ocupação dos hospitais, nossa projeção indica que vai haver um aumento para 1.065 mortes diárias na 28ª SE (05 a 11/07).

O panorama global

O planeta virou o dia 04 de julho com 11,4 milhões de pessoas infectadas e 533 mil mortes, com uma taxa de letalidade de 4,7%. Parecia que o mundo tinha alcançado o pico em meados de abril, mas o número de casos continuou crescendo aceleradamente a partir de maio, conforme mostra o gráfico abaixo. Nos primeiros dias de julho o mundo ultrapassou a marca de 200 mil casos diários. A média móvel de 7 dias está na casa de 180 mil casos diários e continua subindo.

O gráfico abaixo mostra o número diário de óbitos e a média móvel de 7 dias no mundo. Nota-se que o pico diário do número de mortes ocorreu no dia 16 de abril, com 10,5 mil mortes, mas com uma média móvel de 7 mil mortes. O número diário de vítimas fatais caiu até o dia 29 de maio, quando a média móvel estava em 3,8 mil mortes em 24 horas. Mas no mês de junho o número subiu para a casa de 5 mil mortes diárias. Parece que o pico da curva de mortalidade já foi ultrapassado em meados de abril, mas as variações diárias ainda continuam em nível elevado.

A revista britânica The Economist (04/07/2020), considera que o crescimento da covid-19 foi surpreendente. Todavia, a pandemia – como uma grande onda – veio para ficar e as pessoas vão ter que se adaptar à nova realidade. Citando uma pesquisa, realizada em 84 países, por uma equipe do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), o artigo mostra que para cada caso registrado do novo coronavírus, 12 outros não são registrados e, para cada duas mortes, um terço é atribuído a outras causas. Sem a descoberta de uma vacina eficaz, o número total de casos no mundo poderá chegar a um montante entre 200 a 600 milhões de pessoas infectadas até abril de 2021, com 1,4 a 3,7 milhões de óbitos. O artigo também relata uma projeção do banco J.P. Morgan, que prevê um declínio de 10% do PIB em 39 grandes economias. Ou seja, a onda pandêmica e a onda recessiva ainda vão fazer muito estrago.

Se o mundo fosse um trem; se a vida fosse uma passagem, se Deus existisse e eu me encontrasse com Ele, eu devolveria o bilhete

Fiódor Dostoiévski (1821-1881)
Escritor Russo

Bônus demográfico e desemprego: desperdício da força de trabalho no Brasil

A pandemia da covid-19 está provocando um golpe fatal nas oportunidades demográficas e econômicas do país. Estruturalmente, o Brasil vive o seu melhor momento demográfico da história. Nunca a razão de dependência demográfica foi tão baixa como no quinquênio 2016-20. No passado, a razão de dependência (RD = coeficiente  entre  o  segmento  etário  da  população  definido como  economicamente  dependente  – os menores de 15 anos de idade e os idosos – e o segmento etário potencialmente produtivo – 15 a 64 anos) era alta porque existiam muitas crianças e adolescentes na população e no futuro existirão muitos idosos. Este momento em que a parte de baixo da pirâmide etária diminui, mas o topo ainda não aumentou é definido como bônus demográfico. É um fenômeno temporário (que dura cerca de 50 a 60 anos), mas fundamental para o progresso econômico e humano de qualquer nação. Todos os países do mundo com alto Índice de Desenvolvimento Humano passaram e aproveitaram o bônus demográfico.

Portanto, tirar proveito deste momento favorável da estrutura etária é fundamental para a riqueza de uma nação e para o bem-estar geral da população. A transição demográfica (passagem de altas para baixas taxas de natalidade e mortalidade) inicia com o avanço do desenvolvimento econômico e o processo de passagem de uma renda nacional baixa para uma renda média. Após este primeiro salto, todo país precisa aproveitar a janela de oportunidade demográfica para dar um segundo salto para o grupo de renda alta. Desperdiçar o bônus demográfico é o mesmo que jogar fora o futuro e ficar preso à “armadilha da renda média”.

Para aproveitar o bônus é preciso ter uma política de pleno emprego e trabalho decente e produtivo. O trabalho é a fonte da riqueza de qualquer país como mostrou Adam Smith, em 1776, e também Marx, no século XIX, com a teoria do valor-trabalho. Mas tudo que o Brasil tem feito é exatamente desperdiçar o bônus demográfico, pois a população ocupada (PO) brasileira do trimestre mar-abr-mai de 2020 é menor do que a de 8 anos atrás, conforme mostra o gráfico abaixo. O potencial produtivo do país está sendo jogado na “rua da amargura” do desemprego e da subutilização da força de trabalho.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) mensal, do IBGE, mostra que no trimestre mar-abr-mai de 2012 a população ocupada no país era de 88,9 milhões de pessoas de 14 anos ou mais. Este número cresceu até 92,4 milhões, no trimestre out-nov-dez de 2014, caiu para 88,6 milhões em jan-fev-mar de 2017, subiu para 94,6 milhões em out-nov-dez de 2019 e voltou a cair e atingiu o menor valor do período no trimestre mar-abr-mai de 2020, com apenas 85,9 milhões de pessoas ocupadas.

A pesquisa do IBGE mostra que a população ocupada (PO) diminuiu enquanto a população em idade ativa (PIA) e a população total (PT) aumentaram. O resultado é a redução das taxas de atividade e de ocupação. O gráfico abaixo mostra que a taxa de atividade (PO/PIA) era de 57% no trimestre mar-abr-mai de 2012 e caiu para 49,5% no trimestre mar-abr-mai de 2020. Pela primeira vez na história brasileira, menos da metade das pessoas de 14 anos e mais está trabalhando. Em relação ao conjunto da população, a taxa PO/PT era de 45% no trimestre mar-abr-mai de 2012 e caiu para 40,8% no trimestre mar-abr-mai de 2020.

Ou seja, apenas 4 em 10 brasileiros estavam trabalhando no último trimestre. Para se ter uma ideia, o Vietnã e a China já tiveram 60% da população ocupada. Se o Brasil alcançasse esta taxa teríamos cerca de 40 milhões de pessoas trabalhando além dos 86 milhões atuais. Isto seria um impulso enorme na capacidade produtiva do país e seria a forma de aproveitar o bônus demográfico.

A crise fiscal brasileira: déficit e dívida

A situação fiscal do Brasil já estava dramática antes mesmo da pandemia do novo coronavírus, pois o governo tem tomado dinheiro emprestado para cobrir as despesas correntes e, desta forma, se endividando para cobrir o enorme déficit nominal. O gráfico abaixo mostra as contas públicas brasileiras conforme dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), WEO de abril de 2018 e WEO junho de 2020. O déficit nominal, resultado de gastos maiores do que receitas, acelera o crescimento da dívida pública. Quanto maior o déficit nominal mais rápido avança a dívida pública.

O déficit nominal brasileiro ficou moderadamente controlado abaixo de R$ 100 bilhões na primeira década do século, o que representava menos de 3% do PIB. Mas com a recessão iniciada com após a quebra do banco Lehman Brothers, nos EUA, o déficit nominal brasileiro ultrapassou R$ 100 bilhões em 2009 e chegou a R$ 159 bilhões (-4,2% do PIB), em 2010. Mas o que estava ruim piorou e o déficit nominal chegou a R$ 363 bilhões (-6,5% do PIB) em 2014 e a impressionantes R$ 588 bilhões (-9,8% do PIB) em 2015. Nos anos seguintes o déficit nominal diminuiu um pouco (embora tenha continuado alto) até 2019. Mas com a paralisia da economia o déficit deve passar de R$ 900 bilhões (16% do PIB) em 2020, embora a taxa de juros básica da economia (Selic) esteja em 2,25%, o menor valor da história.

Enquanto o déficit nominal estava mais baixo e a economia crescendo houve redução da dívida pública bruta (como % do PIB), com redução forte entre 2003 e 2008 e redução moderada até 2013, conforme mostra o gráfico acima. Porém, quando o déficit nominal “explodiu”, a dívida pública bruta disparou após 2014, chegando a 90% do PIB em 2019, devendo ultrapassar 100% do PIB em 2020.

O Brasil vive uma emergência sanitária e econômica. Evidentemente, uma expansão fiscal para ajudar os desempregados e as pequenas e médias empresas é fundamental neste momento. Porém, o financiamento das políticas de proteção social poderia ser realizado com políticas de redução da desigualdade, cortando os altos salários dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Por exemplo, 97,5% dos desembargadores do país recebem salários acima do teto constitucional. No meio da crise fiscal houve aumento salarial, como o que ocorreu com a corporação militar. Existe uma farra do dinheiro público para o financiamento de partidos (que deveriam se apoiar no sustento da sociedade civil e não no Estado) e eleições.

Uma maior eficiência do gasto público poderia direcionar recursos existentes e concentrados nas mãos de poucos para o SUS e para as vítimas da pandemia. Mas o Brasil está seguindo o caminho mais fácil de “penhorar o futuro” e deverá gastar cerca de 12% do PIB, somente em 2020, com gastos que poderiam ser melhor focalizados e efetivos. Tudo que foi prometido de “economia” na reforma da previdência para uma década será gasto apenas em 2020. O problema que esta dívida crescente terá que ser paga e vai deslocar recursos que poderiam ser direcionados para os investimentos (em saúde, educação, meio ambiente, infraestrutura, saneamento básico, geração de emprego etc). Qualquer política social consistente e efetiva precisa ter sustentabilidade fiscal e deve ser bem debatida com a sociedade.

Não existe mágica na administração pública já que é impossível se gastar infinitamente, assim como não há refeição gratuita. Todos estes dados mostram que o Brasil vive uma tempestade perfeita, pois além da emergência sanitária, existe uma grande crise no mercado de trabalho e um enorme desequilíbrio macroeconômico que vai dificultar a retomada da economia após o controle da pandemia. O Brasil vive não só a segunda década perdida (2011-20), mas a pior década da história em termos de desempenho econômico e social.

Para complicar tudo de vez, a degradação ambiental continua avançando, as queimadas na Amazônia bateram o recorde para o mês de junho e nem o vice-presidente Hamilton Mourão – que coordena o Conselho da Amazônia – e nem o ministério do Meio Ambiente conseguem colocar um fim ao desmatamento e às queimadas. Enquanto o aquecimento global é uma emergência climática que representa a maior ameaça existencial à sobrevivência da humanidade, as mudanças climáticas já atingem o país com aumento dos fenômenos extremos como tempestades e inundações, por um lado, e secas e desertificação, por outro. Em 2016, Porto Alegre enfrentou um fenômeno assustador: a microexplosão (ou “microburst”) que causou danos e deixou muitas cicatrizes na cidade. Na semana que passou, o Rio Grande do Sul e Santa Catarina enfrentaram um fenômeno chamado “ciclone-bomba”, que provocou destruições e 12 mortes. O ciclone bomba é considerado o maior desastre com ventos da história de Santa Catarina.

Do jeito que as coisas estão indo, a terceira década do terceiro milênio poderá ser também a terceira década perdida em termos socioeconômicos e uma década perdida no sentido cumprir as metas do Acordo de Paris. O Brasil e o mundo estão se tornando locais difíceis para a convivência cotidiana de uma vida tranquila. No cenário atual está ficando cada vez mais distante no horizonte o sonho do Brasil enquanto um “país do futuro”.

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