Delação premiada e fatos do meu passado

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Washington Luiz Araújo, jornalista – 

A proliferação de delações premiadas, muitas delas com o “complemento” de vazamentos seletivos contra o Partido dos Trabalhadores e os governos Lula e Dilma (sempre e exclusivamente contra eles), me traz à lembrança casos da adolescência e da juventude, época em que “dedurar” era coisa altamente recriminada. Era uma época em que um item da dignidade humana era o de não denunciar os mal feitos de alguém, mesmo que, com isso, você corresse o risco de punição.  Havia o risco maior ainda de, delatando, ser punido pelos pais pela falta de companheirismo. A charge abaixo me remeteu a  alguns fatos acontecidos comigo.




delacao premiada infantil

Tinha lá meus 13 anos quando, numa briga boba, meu irmão,  um ano mais velho que eu, jogou em cima de mim a primeira coisa que tinha à mão: uma tesoura. Para que o objeto não pegasse no meu peito, coloquei instintivamente meu braço esquerdo à frente. Trago até hoje as marcas das hastes da tesoura em meu braço.  Não contei para meus pais e também não tratei os ferimentos. Resultado: o braço ficou totalmente inchado, repleto de pus.

Eu tentei esconder o machucado de todas as formas,  até que uma professora percebeu a coisa e chamou meus pais para uma conversa, com minha presença. Na hora, na maior cara de pau, eu disse que estava jogando bola e caí por cima do braço, justamente num local onde havia cacos de vidro.  E ficou por isso mesmo. Livrei a cara do meu irmão, o agressor.

Mais tarde, lá pelos 14 anos, aprontei na sala de aula. Naqueles intervalos entre a chegada de um professor e outro, subi na carteira (sim, chamávamos de “carteira escolar”) e proferi um breve e contundente discurso. Breve porque não poderia ser diferente, já que  o professor estava para chegar. Contundente ao ponto de levar um aluno a me dedurar para a diretora, que, célere e diligente, foi à sala de aula. Lá, todos quietinhos. Ela então começou o interrogatório sobre quem tinha subido na carteira. Todo mundo quieto.

Ela sabia, pois o “dedo-duro” fez serviço completo. Mesmo assim, queria ouvir de minha boca. Quando ia me denunciar, um amigo disse: “Eu subi e subo de novo”.  E subiu. Não pensei duas vezes e fui para posição elevada rapidamente. E de lá descemos, os dois para a diretoria, encarar mais uma punição.

Alguns anos depois, estava servindo ao Exército, na época da ditadura militar.  Era escrivão de um pelotão de investigação criminal.  E, nessa lida, soube que um amigo de quartel e de bairro tinha sido preso com um baseado de maconha. O amigo, além de usar, ainda distribuía a conhecidos. . Não vendia.

Participei de várias oitivas nas quais  soldadinhos trêmulos entregaram o meu amigo – mas  sempre dizendo que ele nunca cobrou pela erva.  No dia em que o acusado teria que depor,  o sargento responsável pelo inquérito  colocou sob suspeita minhas condições de ser o escrivão do caso,  pois sabia que o soldado em questão era meu vizinho.

E assim foi. O soldado depôs e voltou para a prisão. Ato contínuo, o sargento me chamou  à sala e trancou  a porta. Foi direto ao assunto, dizendo que o soldado tinha me delatado, que eu era um dos usuários e que se eu não o entregasse também, dizendo que ele cobrava pelo fumo, seria preso.

Não titubeei. Disse que de nada sabia, que nunca havia fumado maconha e que não tinha o que falar do soldado. Depois de alguns segundos de suspense, o sargento deu uma risadinha e disse que estava blefando, jogando verde para colher maduro. Mesmo sob o risco de uma punição, disse ao sargento que aquilo não se fazia e que era uma falta de respeito à minha pessoa. Nada aconteceu comigo.

 Fico pensando: como crescerá a garotada que hoje vê essas tais delações a torto e a direito. Tempo em que delatar é uma forma de, além de não ser punido,  ser premiado. Tempo em delatar se tornou um valor ético e moral.

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