Diretas Já: representatividade, história e luta

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Vai ter golpista caindo, sim! Porque o povo está cansado de patifaria. “Te pegaram com a mão na cumbuca. Não foi eu, nem foram vocês que caguetaram. Foi um dos seus, agora vai ter que pagar”, disse Mano Brown se referindo à Temer. O papo foi reto, e daqui pra frente vai ser assim.




O largo da batata ficou pequeno para tanta gente que, assim como aconteceu no Rio de Janeiro no último domingo (28/05), pediu em uníssono Diretas Já e o Fora Temer. Esse é só o começo de um movimento que deve se estender por todo o país em pouco tempo. Até a mídia golpista pulou do barco do PMDB, prestes a afundar.

Criolo, Emicida, Mano Brown, Pitty, Maria Gadu, Péricles, Rael, Scandurra, As Bahias e a Cozinha Mineira, Chico Cesar, Tulipa Ruiz, Arrastão dos Blocos, Acadêmicos do Baixo Augusta, ufa! Até falta fôlego para contar tanta gente subiu ao palco para cantar e exigir junto eleições diretas e gerais.

A história não falha

Chico Cesar é Diretas Já em São paulo. Foto: Diretas Já

“Não vamos dispersar, vamos continuar unidos para construir a nova república”. A frase, pertencente à Tancredo Neves, abriu a fala do âncora da rede Globo, Celso Freitas, no Jornal Nacional do dia 21 de Abril de 1985, data em que o ex-presidente, empossado há pouco mais de um mês, faleceu.

Minha mãe certa vez me falou que essa foi a única vez em que chorou por causa de política. Tancredo representava naquele momento esperança para o povo. Após 21 anos sem votar, era como se, mesmo eleito indiretamente, a voz do povo ressoasse no poder. A depressão seria ainda mais profunda com a ascensão do vice ao trono: foi Sarney o primeiro presidente após a ditadura. A esperança foi para o caixão.

Mas foi anos antes que a construção dessa esperança nasceu. O movimento Diretas Já surgiu pequeno e, em pouco tempo, tornou-se histórico. Foi em 16 de abril de 1984 que um milhão e meio de pessoas tomaram o Vale do Anhangabaú, e em uníssono pediram Diretas Já, silenciando as metralhadoras dos militares.

O rapper Criolo no palco do SP Diretas Já. Foto: Diretas Já

“32 anos depois “estamos aqui de novo”, como me disse sorrindo o casal Cícero e Sandra, ambos presentes no primeiro ato pelas Diretas Já realizado no Pacaembu, em São Paulo, em 1983.

Encontrei-os assistindo à apresentação do rapper Rael, no Largo da Batata, rodeados por 100 mil pessoas. Perguntei se achavam que havia alguma semelhança entre os atos. “Esse é menor, mas naquela época começou assim também. As questões que envolvem os pedidos é que são diferentes, e naquela época não conseguimos eleições. Espero que não aconteça assim dessa vez”.

“Os movimentos eram mais unidos [em 1984] e o povo estava em polvoroso. Estávamos há 21 anos sem votar. Agora, não foi o direito de votar, mas o voto desrespeitado. Talvez por isso, a sensação do povo seja outra”, me disse Arlete Moisés, também participante do movimento Diretas Já dos anos 1980.

Votar?

Foto: Diretas Já

O povo quer votar? Você que está lendo esse texto, quer votar? E, indo um pouco mais além, o que é o voto? Sabemos que, apesar da obrigatoriedade do voto, o índice de abstenção está na casa dos 30% do eleitorado. Não dá pra estimar, mas vamos lá, sem kaô, você lembra em quem votou nas últimas eleições?

No mesmo ato por Diretas Já, conversei com um vendedor ambulante que me disse o seguinte: “Eu sou contra eleições agora. Temos que esperar até 2018. Tirar gente toda hora atrapalha a economia e os empresários, que são os responsáveis por dar emprego para o povo. Com as reformas, as coisas vão melhorar, e depois, com a saída do Temer, meu voto é do Bolsonaro, ele é quem mais representa o que eu penso”. Perguntei se ele lembrava em quem votou para Prefeito e Vereador nas últimas eleições. Após um longo tempo pensando, disse “Doria, e acho que no partido dele para o outro”, dispersando.

A crise é de representatividade. Os pretos e pretas da periferia que saíram de suas casas para ver grandes nomes do rap como Emicida, Criolo e Mano Brown no Largo da Batata, não se enxergam em nenhum dos 513 deputados e 81 senadores da república.

Pitty no SP Diretas Já. Foto: Diretas Já

“Qualquer um que eu votar vai dar no mesmo, então pra mim, tanto faz”, me disse outro ambulante. Migrante do Rio Grande do Norte, está desempregado há 3 anos, vire e mexe perde o seu carrinho ou se vê obrigado a correr a pique do rapa. “Onde já se viu um homem com mais de 50 anos passando por isso? Mas não tem outro jeito, rapaz”, lamentou.

Um catador de latinhas disse assim: “Eu só voto em governos socialistas. Bem ou mal, é quem pensa no povo. O Lula vai ter meu voto, falem o que falar dele”. Mesmo em situação difícil, jamais renunciou o seu direito de votar.

“A diferença é que naquele tempo a comunicação era mais direta. Hoje temos tantas influências, de tantas partes, que é difícil condensar um pensamento. O povo está perdido”, me explicou Arlete.

A esperança através do voto

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A política parece um monstro muito distante para a maior parte da população, e Diretas Já, além de exigir eleições para legitimar alguém no poder, deve ser uma forma da gente conscientizar sobre a importância do voto, de como ele é o instrumento do povo para a democracia.

“Proclamo o meu voto – talvez – de acordo com meu critério moral; mas não tenho um interesse vital de que o certo saia vitorioso. Estou disposto a deixar essa decisão para a maioria. O compromisso de votar, desta forma, nunca vai mais longe do que as conveniências. Nem mesmo o ato de votar pelo que é certo implica fazer algo pelo que é certo. É apenas uma forma de expressar publicamente o meu anêmico desejo de que o certo venha a prevalecer”, disse Thoreau, em A Desobediência Civil sobre o voto.

É sobre isso que devemos atuar também quando pedimos novas eleições. Fazer renascer no povo a esperança que um dia lhes fez chorar com a morte de Tancredo e com a vitória do operário Lula. Acender em seus espíritos a vontade de participar, entender seu contexto e atuar sobre ele. Evitar que figurões feito Doria e Bolsonaro, líderes de um ascendente populismo conservador, se perpetuem como algo novo.

Esse pode ser o momento de resgatarmos a importância do voto popular. Diretas Já deve ser processo, não destino.

Foto da capa: Paulo Pinto/AGPT

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