“Dois Pra Lá, Dois Pra Cá”

Compartilhe:

Por Marco Aurélio Vasconcellos, cantor, compositor, poeta e cronista

Janusa e Valério estavam casados há um bom tempo, numa relação boa e estável. Ele corretor de imóveis e ela vendedora de cosméticos, atividades que os punham a andarilhar pelas ruas, pesquisando e mostrando imóveis e oferecendo seus produtos. Residiam numa boa casa de dois pisos numa aprazível cidade à beira-mar do litoral catarinense.




Mas como com frequência costuma acontecer com boa parte dos casais, a relação, aos poucos, começou a se deteriorar na maré alta da chamada “crise dos 20 anos”.

Os enlevos foram mermando, bem como as mútuas paciências. A rispidez passou a fazer parte integrante de seus cada vez mais escassos diálogos e o antigo e salutar companheirismo passou a povoar apenas suas respectivas memórias.

Num átimo, Valério começou a pular a cerca, transformando-se num velocista de 110 metros com barreiras. Percebendo as escapadelas do marido, Janusa resolveu dar-lhe o troco, flertando, aqui e ali, com algum exemplar masculino que fosse do seu agrado.

O marido deu-se conta de que Janusa andava muito alegre e se produzindo na estampa muito mais do que o costumeiro. Por um lado até que gostou, porque pressentiu que ela estava levando a vida numa boa, mas, por outro lado, aflorou-lhe na cabeça, de forma incômoda, o que os psicólogos franceses denominam de “orgueil du pénis”, algo muito comum nos varões separados e até mesmo nos divorciados.

Como a atividade de atleta velocista não dura para sempre, Valério foi puxando o freio de mão e acabou se engraçando com uma morena de parar o trânsito. Lisiane, jovem com a metade da idade dele. Apaixonou-se. Saiam juntos, almoçavam e jantavam em bons restaurantes e encerravam o dia em motéis, num aconchego efervescente.

Janusa, certo dia, pressentiu que estava sendo paquerada com insistência, depois de alguns sucessivos flertes, por um bronzeado surfista loiro, um verdadeiro Adonis das Ondas. Logo, engataram um romance idêntico ao de Valério.

Em casa, as coisas iam de mal a pior e eles resolveram estabelecer uma conversa franca sobre a situação, confessando, inclusive, suas relações extraconjugais. Assentiram que a formalização do divórcio era imperiosa, procurando logo, de comum acordo, um advogado para a extinção da sociedade conjugal.

Como só tinham aquela boa casa de dois pisos, ficou combinado, sob o aspecto formal, que a morada ficaria em condomínio, ele com a parte baixa e ela com o andar superior, o que foi referendado judicialmente. Mas combinaram entre eles, de forma inoficial, que seria vedado, de parte à parte, trazerem seus casos amorosos para dentro de casa.

Janusa, para se acomodar melhor no segundo piso, que já possuía banheiro privativo, improvisou uma cozinha simples, de forma que a parte de baixo da casa ficou apenas como passagem para ir à rua.

E assim foram levando a vida, até que um dia pela manhã, depois de se emperiquitar toda, Janusa sobraçou sua bolsa de cosméticos, desceu a escada e deu com os olhos em Valério tomando café, acompanhado por uma morena de cabelo longo e preto como as penas da graúna. Botou a boca no mundo, destratando o ex-marido por haver ele mandado para o beleléu o trato previamente combinado.

Ele defendeu-se, dizendo que estava farto daquele trato e que não havia como nem porquê impedir que sua futura noiva o visitasse. Arrematou dizendo que Janusa poderia fazer o mesmo, sem qualquer problema.

Ah, é? Pois então vai ser assim também – disse-lhe ela, girando os calcanhares e saindo porta afora, estrondejando-a contra os batentes.

Daí por diante, um casal de “hóspedes” se alojou na casa e beijos e carícias incendiaram a habitação, tanto embaixo como em cima. Vez por outra, à noite, Valério buscava músicas românticas que enchiam o ar com as caixas de som, especialmente a sempre presente “Dois Pra Lá, Dois Pra Cá”, na voz morna de ElisRegina.

Valério e Lisiane de rostos e corpos colados no compasso e nas insinuações da letra. E, lá em cima, aproveitando o som que ascendia lá debaixo, Janusa e seu surfista dançavam no mesmo diapasão. E assim foi por um largo tempo.

A morena, sem ocupação, ficava em casa, lendo revistas de modelos e acompanhando na TV algum programinha de “água com açúcar”. E Valério batendo perna na rua, atrás de possíveis compradores de casas ou terrenos. Janusa também, de porta em porta, procurando vender seus cosméticos.

O Adonis das Ondas surfando aqui e acolá, onde o mar se mostrasse favorável. Em dias de chuva e vento forte, no entanto, quedava-se ele em casa, parafinando suas pranchas.

Vai daí que, numa tarde desses dias casmurros e ventosos, os dois achegos dos donos condominiais da casa, ao se verem sozinhos  e sem nada   interessante   por   fazer, puxaram conversa no piso térreo. O papo iniciou com amenidades e, depois, sobre reminiscências de amores antigos e inconsequentes.

A morena era coquete e fazia beicinhos provocadores e o Adonis das Ondas logo dela se acercou, tomando-lhe a mão e aguardando o resultado de seu atrevimento. Ela se mostrou receptiva e num upa estavam grudados num ardente e prolongado beijo.

Tomando fôlego, ela levantou, pegou dois copos longos com gelo, caprichando num uísque com guaraná. Após brindarem com olhos cúpidos de desejo, ela botou a rodar o bolachão da Elis Regina, buscando a faixa do “Dois Pra Lá, Dois Pra Cá”, que os enlevou em passos cadenciados e carícias.

A partir daí, o loiro surfista foi meio que se esquecendo das ondas, optando por surfar nas carnes esculturais de Lisiane. Alguns meses se passaram, até que um dia, à tardinha, os donos da casa, retornando de seus misteres, deram-se conta de que seus amores haviam sumido.

Vasculharam guarda-roupas e nada deles  encontraram, tinham-se evaporado, vestuário e corpos. Um misto de raiva, tristeza e desencanto tomou conta dos dois, tendo dificuldades de acreditarem naquele inesperado desfecho.

A vizinhança logo percebeu que havia algo errado por ali. Houve versões contraditórias sobre o ocorrido. Uns apostando que os jovens haviam, juntos, tomado outro rumo e outros espalhando que o casal divorciado tinha chegado às boas, mas com muitas brigas em voz alta que as venezianas não conseguiam filtrar.

O Bem Blogado precisa de você para melhor informar você

Há sete anos, diariamente, levamos até você as mais importantes notícias e análises sobre os principais acontecimentos.

Recentemente, reestruturamos nosso layout a fim de facilitar a leitura e o entendimento dos textos apresentados.
Para dar continuidade e manter o site no ar, com qualidade e independência, dependemos do suporte financeiro de você, leitor, uma vez que os anúncios automáticos não cobrem nossos custos.
Para colaborar faça um PIX no valor que julgar justo.

Chave do Pix: bemblogado@gmail.com

Tags

Compartilhe:

Posts Populares
Categorias