Em Amsterdã, é ano de Rembrandt

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Publicado em DW – 

O artista, que morreu há 350 é o autor da tela mais famosa da Holanda, pintou dezenas de autorretratos em que explora sua própria subjetividade. O Rijksmuseum comemora o jubileu com uma exposição gigante.

A ronda noturna, de Rembrandt, um dos quadros mais importantes da história da arte europeia“A ronda noturna”, um dos quadros mais importantes da história da arte europeia

Rembrandt era um gênio dos mais inovadores. Até sua morte, em 4 de outubro de 1669, em Amsterdã, ele pintou sem parar. A Holanda aproveita os 350 anos desde essa data para homenagear o mais célebre artista de sua Época Áurea com um sem número de exposições.

O Rijksmuseum lidera essa onda de mostras, pois não só possui a maior e mais representativa coleção de telas de Rembrandt – entre elas, obras-primas como A ronda noturna e numerosos autorretratos –, como também seus mais belos desenhos e gravuras.




A mostra que o Rijksmuseum inaugura em 15 de fevereiro, Todos os Rembrandts, promete ser um sucesso de público como o país jamais viu. Praticamente todas as suas principais obras estarão expostas: 22 telas, organizadas por temas, dão uma visão geral de sua trajetória criativa. O ponto alto é, naturalmente, a famosa Ronda noturna.

Isaac e Rebeca, de Rembrandt“Isaac e Rebeca”: gestos expressam emoções

Rembrandt Harmeneszoon van Rijn, nascido em 1609, filho de um moleiro de Leiden, criou obras de arte tão experimentais e tecnicamente inovadoras que até hoje parecem modernas. Ele também se inspirava em temas bíblicos, como o retrato de Isaac e Rebeca, pintado de 1665 a 1669. Suas figuras parecem vivas, graças à forma como representa gestos e emoções, e também eleva o emprego dos efeitos de luz e cor a um novo grau de mestria.

Gregor Weber, especialista em Rembrandt do Rijksmuseum, foi quem, três anos atrás, reuniu a obra tardia do mestre, até então pouco conhecida, numa espetacular mostra em Amsterdã. Ele tenta explicar a origem de tamanho virtuosismo: “Rembrandt possuía uma grande coleção de gravuras, cópias de mestres famosos, de Rafael, Ticiano, Michelangelo, Carracci. Os artistas italianos do século 16 o fascinavam em particular. E quando ele criava uma obra, tinha a história da arte na cabeça e tentava fazer ainda melhor.”

O modelo preferido do holandês era ele mesmo, e até a morte pintou um grande número de autorretratos, mais do que qualquer grande artista antes dele: 80, em óleo ou gravura, realizados ao longo de cerca de 40 anos. “Não sei por que ele fez isso, só posso supor que estivesse ocupado consigo mesmo. Ele se utilizava como o modelo mais simples, a fim de experimentar todo tipo de coisas”, diz Weber.

Diante do espelho, examinava-se como a um estranho, estudava incansavelmente como a luz lhe modelava o rosto. Ele se captava no ato de pintar, ou vestido de príncipe, ou, em 1661, no papel do apóstolo Paulo. Com o manuscrito do Evangelho diante de si, olha para o lado, para fora do quadro.

O próprio rosto é uma paisagem: rugas profundas sulcam a testa, as sobrancelhas desembocam numa mancha escura que nada mais é do que a camada-base da tela. O grande nariz de batata ganha tridimensionalidade graças a um ponto claro na ponta.

Quanto mais a idade avança, mais impiedosamente Rembrandt registra as próprias manchas senis, a pele inchada, o cabelo que embranquece. Outros quadros parecem inacabados, pois ele trabalha deixando espaços em branco e apenas sugerindo as formas, chega a raspar a tinta da tela com a espátula.

Autorretrato de RembrandtRembrandt quando jovem

“Essas obras encontraram compradores por que eram ‘o Rembrandt de Rembrandt'”, explica Weber. Sua produção, com a ajuda de seu ateliê, faz pensar na fábrica do astro da pop-art Andy Warhol. Os autorretratos representam aquilo que, no marketing, caracteriza uma boa marca: ser reconhecível e simples. E são também uma prova do talento comercial do holandês.

“Ele estabeleceu uma marca registrada, como um empresário faz hoje em dia. E também é alguém que autopercebe, impiedosamente, como se transforma com o decorrer da vida e assume novos papéis.” Eu seu último autorretrato, colocado no fim da exposição, ele tem 63 anos. Ancião rechonchudo e barba mal feita, ele ainda procura a essência da realidade. são obras que lembram o tique-taque do tempo – e ao mesmo tempo fazem esquecê-lo.

A vida de Rembrandt foi marcada por sofrimentos: em 1642, morreu sua amada esposa, Saskia. Ficou o filho Titus. O ano em que conclui a famosa Ronda noturna  também marcou uma guinada em sua vida: a governanta o processou por quebrar uma promessa de casamento. No fim, o artista acabou envolvido em 25 processos judiciais, a falência financeira foi inevitável. Ele foi obrigado a se desfazer de sua coleção particular de arte e de sua enciclopédica coleção de globos, moedas, instrumentos musicais, pedras e armas.

“Observando a Ronda noturna, se reconhece que ele se esgotou completamente com ela. É uma tela gigantesca, em que coloca tudo o que pode. Em seguida, entra aparentemente numa crise, pois nos anos seguintes praticamente não pintou retratos. Ele é alguém que busca.”

Lição de anatomia do Dr. Nicolaes Tulp, de RembrandtA outra lição de anatomia, do Dr. Nicolaes Tulp

O que faz um artista paparicado pelo sucesso como Rembrandt, ao se ver diante do precipício? “Ele se reinventou”, afirma Gregor Weber, libertando-se das rigorosas convenções da pintura histórica e de retratos da Época Áurea. Em 1651, aos 42 anos de idade, ele entregou-se novamente às telas, liberto e com novo élan.

Os rostos retratados por Rembrandt na fase madura são pouco idealizados. O olhar está geralmente voltado para dentro, como no caso da anciã que lê concentrada um livro. Ele a apresenta em close-up: o rosto branco é iluminado pelo reflexo das páginas. Lábios, nariz, queixo se destacam de modo tão plástico que se parece poder tocá-los. O fundo é apenas sugerido, como uma atmosfera escura.

“Ele assumiu um outro estilo e passou a experimentar mais. Foi-se a fase anterior do Sturm und Drang, quando ele valorizava a ação na tela. Ele voltou a ação para dentro e se tornou contemplativo”, analisa Weber. A pincelada é por vezes grosseira, por outras delicada. Ele confia no espectador, um apelo à fantasia para complementar na mente o inacabado.

Ao pintar em 1656 a Lição de anatomia do Dr. Deyman, em que o cérebro de um cadáver é dissecado, a inusitada composição é tão realista que ameaça horrorizar os mais sensíveis. “Tudo deve ser como é na realidade: crasso e verdadeiro. Rembrandt não poupa nada a quem encomendou o quadro”, explica Weber.

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