“Eu assubo nos ares e vou brincar no vento leste”

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Por Nirton Venancio, Cineasta, roteirista, poeta, professor de literatura e cinema

– João, de onde você tirou esse “vento leste”?




– Ah, Luiz, de noite eu liguei o rádio na Hora do Brasil e ouvi: “Aviso aos navegantes: vento leste soprando pra sudoeste”.

O diálogo foi entre João do Vale, maranhense, e Luiz Vieira, pernambucano, autores da clássica “Na asa do vento”, de 1956, gravada inicialmente por Dolores Duran, anos depois por eles, por Caetano Veloso, Ednardo, Fagner, Flávia Bittencourt…

João do Vale, de origem simples e semianalfabeto, achava que tinha que colocar umas “palavras difíceis” para impressionar em suas composições. E tudo fazia sentido. Muito espirituoso em seus comentários, dizia que “parceria com gente que já tem nome não é bom, não”, referindo-se ao seu trabalho com Vieira. Sempre ouvia os locutores das rádios anunciando: “Ouviremos na voz de Marlene, o xote ‘Estrela miúda’, de Luiz Vieira”.

No começo da década de 50, quando trabalhava como pedreiro numa obra na rua Barão de Ipanema, no Rio de Janeiro, ouviu a canção vinda de um rádio numa casa vizinha. O sorridente operário da construção e da poesia, apressou-se e falou para o colega ao lado:

– Tá ouvindo essa música?

– Tô. É a Marlene que tá cantando.

– E sabe quem é o autor? Sou eu.

– Conversa, neguinho. Você tá é delirando. Faz mais massa aí, vai!

“Até 1964 quase ninguém sabia que as minhas músicas eram minhas”, revelou numa entrevista para o encarte de um exemplar da Nova História da Música Popular Brasileira, coleção da Abril Cultural de 1977. A pontuação da data é relevante, foi quando compôs “Carcará” para o Show Opinião, dirigido por Augusto Boal. Zé Kéti e João do Vale integravam o musical, mas a interpretação coube à estreante Maria Bethânia, que substituiu Nara Leão. É o momento marcante do show-manifesto que estreou nove meses depois do Golpe Militar, no Teatro de Arena, Rio.

João do Vale faleceu no começo da tarde de 6 de dezembro de 1992, aos 62 anos, em São Luis, depois de cinco anos numa cadeira de rodas, com fortes sequelas de locomoção e fala, consequentes de dois derrames cerebrais.

A foto acima, de acervo familiar, foi utilizada na capa do livro “O jovem João do Vale”, ótima pesquisa do seu conterrâneo Wilson Marques, jornalista. Lançada em 2013 pela Editora Nova Alexandria, a biografia narra a trajetória do compositor com foco em sua infância e juventude no povoado Lago da Onça, em Pedreiras, até largar tudo e partir para o Brasil dos contrastes e brincar no vento leste.

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