Fernando Morais ao juiz Moro: “Eu não faço propaganda, eu faço jornalismo.”

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Publicado em Nocaute – 

Foto: Fernando Morais

Na manhã desta segunda-feira, 11, o jornalista e escritor Fernando Morais, editor do Nocaute, prestou depoimento ao juiz Sergio Moro, na condição de testemunha de defesa do ex-presidente Lula. Minutos antes, na mesma condição, depusera o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Ambos os depoimentos foram realizados sob a forma de videoconferência entre São Paulo e Curitiba.

Em pelo menos dois momentos o juiz obstruiu o direito à palavra do jornalista. No primeiro ao declarar que a testemunha estava fazendo “propaganda” de Lula. Morais foi impedido de retrucar, e mal pôde responder: “Não faço propaganda, faço jornalismo…”




Na segunda oportunidade Moro foi mais explícito. Morais indagou, respeitosamente: “O meritíssimo permite que eu faça uso da palavra?”. Moro nem pestanejou: “Não!”.

Veja o vídeo e a transcrição do depoimento, gravado pela Justiça, e a indicação de links sobre o assunto.Uma particularidade menos relevante chamava a atenção: apenas um, no caso, uma jornalista circulava pelo corredor (na foto, a repórter quando entrevistava o ex-presidente Fernando Henrique, em frente à sala de videoconferência): a representante da Globo. Os coleguinhas dos demais veículos tomavam sol na moleira, na calçada do prédio.

Sergio Moro: Nesta ação penal 50236532, depoimento do senhor Fernando Gomes de Morais.

Senhor Fernando, o senhor foi chamado como testemunha neste processo e na condição de testemunha o senhor tem um compromisso com a justiça em responder a verdade e às perguntas que lhe forem feitas, certo?

Fernando Morais: Certo.

Moro: Eu vou adverti-lo, senhor Fernando, que se o senhor faltar com a verdade o senhor fica sujeito a um processo criminal, certo?

FM: Sim.

Moro: Dito isso eu passo a palavra para a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para perguntas.

Zanin: Senhor Fernando, bom dia.

FM: Bom dia.

Zanin: Senhor Fernando, o senhor poderia ainda que brevemente nos relatar sua trajetória pessoal e profissional?

FM: Eu sou jornalista desde os 14 anos, comecei um Belo Horizonte, me mudei para São Paulo em 1965, quando os Mesquita criaram o Jornal da Tarde. Trabalhei dez anos no Jornal da Tarde, trabalhei na Revista Veja, trabalhei na Folha de São Paulo, trabalhei na TV Cultura e depois passei a me dedicar a publicar meus trabalhos jornalísticos em livros, seja sob a forma de biografias, seja sob a forma de relatos de episódios brasileiros e estrangeiros. E tive uma breve passagem pessoal pela política. Fui deputado em dois mandatos, fui Secretário de Cultura do Estado de São Paulo e depois Secretário da Educação do Estado de São Paulo, sem ter abandonado a minha atividade profissional original, de jornalista.

Zanin: Pois não. Em relação ao ex-presidente Lula, existe alguma situação pessoal ou profissional que tenha colocado o senhor em maior contato com ele? Notadamente após ele ter deixado o cargo de Presidente da República?

FM: Sim, eu na verdade conheço o ex-presidente Lula há 44 anos, quando ele era um operário, sindicalista, e eu era deputado, me aproximei sem intimidades com ele. Testemunhei a primeira prisão dele. Por uma dessas curiosidades do destino, acabei testemunhando as duas prisões dele. Não entrei para o PT quando a maioria dos meus colegas foram para o PT eu continuei no MDB. Depois eu abandonei a política e no período em que o presidente exerceu a Presidência da República, eu praticamente perdi o contato com ele, talvez por não ser muito afeito a palácios. Nos oito anos dele como presidente, eu estive três vezes no Palácio do Planalto. Uma vez para uma entrevista profissional com ele, uma vez, que era Dia Internacional da Mulher, e a Dona Marisa, falecida Dona Marisa, organizou uma exibição do filme “Olga”, que é baseado em um livro meu, para as mulheres que trabalhavam no Palácio e estive em uma terceira ocasião, que não me lembro qual é, mas sem contatos maiores.

Depois que ele deixou a Presidência da república eu fui contratado por duas editoras, uma brasileira e uma norte-americana, Companhia da Letras no Brasil, e a Penguin, nos EUA, para escrever um livro, que não é uma biografia. O projeto original, o contrato original que eu fiz com a Penguin e com a Companhia, era de escrever a partir da prisão dele em 1980 até o fim do mandato dele em 2010. O livro terminaria aí. No entanto, como eu grudei no calcanhar dele, se o senhor me permite a expressão vulgar, nos últimos sete anos, eu achei que seria um desperdício profissional eu ter tido o privilégio de conviver com ele durante toda essa crise que estamos vivendo até hoje, desde o golpe contra a presidente Dilma Rousseff até agora, então propus as meus editores que eu fizesse o livro em dois tomos.

O primeiro tomo, tal como foi combinado, irá de 1980 a 2010, e o segundo tomo, de 2010 até saberá Deus quando.

Zanin: A partir notadamente de 2011, então, o senhor começou a ter um contato frequente com o presidente Lula?

FM: Absolutamente frequente. E com pouco tempo eu descobri que o melhor local para entrevistá-lo era dentro de aviões porque não havia telefone, secretários, deputados, assessores, então comecei a acompanhá-lo nas viagens que ele fazia ao exterior para realizar palestras no mundo inteiro. Excluindo a Oceania, fui a todos os outros continentes com ele. E literalmente grudado, um cacoete que veio da minha profissão de repórter.

Um pouco antes da descoberta do tumor, eu comecei a gravar com ele. Lembro que ele ainda estava com cabelo grande, barba. Eu ficava praticamente o tempo todo ao lado dele.

Uma, duas, três vezes por semana eu ia ao Instituto fazer gravações com ele. Fiz mais de cem gravações com pessoas que gravitaram na órbita dele nesse período, inclusive gente de oposição.

Não pretendo que seja um livro chapa-branca, um livro oficial. É um livro jornalístico como todos os 11 que eu fiz até agora.

E tive o privilégio de acompanhá-lo provavelmente mais até que… Acho que só os seguranças dele tiveram mais tempo do que eu com ele nesse período que vai do começo de 2011 até dias antes dele ser preso.

Zanin: Nessa situação que o senhor mencionou de acompanhar o ex-presidente Lula a viagens no exterior para a realização de palestras, o senhor chegou a assistir às palestras? Sabe dizer se o presidente realizou as palestras?

FM: Eu imaginei que essa pergunta pudesse ser feita pelo senhor ou pelo juiz Sergio Moro. Hoje de manhã eu descobri que fui a 18 países com o presidente Lula. Eu assinalei aqui, por causa da pressa, vim correndo para cá: África do Sul, Alemanha, Angola, Cuba, Espanha, Etiópia, França, Índia, Inglaterra, México, Moçambique e Portugal. Eu ficava sempre no mesmo hotel, ou se era uma casa reservada para ele pelos anfitriões eu ficava sempre junto com ele. A maioria das vezes era em hotel. Embora eu não goste muito de acordar cedo, ele às 6h pedia a um segurança ir ao meu quarto me chamar para tomar café da manhã. E eu ficava com ele até a hora dele ir dormir.

Uma particularidade, não sei se interessa para o julgamento do Dr Moro, é que em nenhum momento ele disse para mim: “Olha, na hora que eu tiver que tratar de um assunto particular, eu te aviso e você sai”. Isso é muito comum, não seria uma indelicadeza da parte dele. Eu já fiz outros perfis, inclusive de um presidente em exercício, o presidente Collor, e o combinado foi isso: na hora que ele quisesse tratar de assuntos reservados, alguém me tiraria do gabinete, da casa, ou de onde ele estivesse.

No caso do presidente Lula não. O que eu não assisti foi o que eu não quis, mas eu assistia, rigorosamente, a todos os encontros, todas as palestras, gravei as palestras – com um gravadorzinho amador – algumas delas eu fiz fotos, mas como eu sabia que existia um fotográfo dele, acompanhando o tempo todo, eu não me preocupava tanto com imagem, mas em alguns casos, eu próprio me encarreguei de fazer fotos.

Então eu posso dizer que nessas viagens eu o acompanhei 24h por dia. Só não dormia com ele. Nos momentos que ele estava acordado, fosse em avião, fosse em jantar, fosse com chefes de estado – e em muitos casos ele foi recebido por chefes de estado dos países que estava visitando – ou fosse com personalidades. Eu me lembro que, por exemplo, que nós estávamos na Inglaterra ele foi fazer um ….

Moro: Vou interromper um minutinho, senhor Fernando. O senhor pode responder mais brevemente, mais objetivamente às questões da defesa? Não precisa se alongar nessas histórias, com todo o respeito, mas existe aqui a necessidade de seguir. Então qual é a próxima pergunta?

FM: O senhor me desculpe mas …

Zanin: O senhor ia, na verdade, tocar em um ponto que eu ia lhe questionar na sequência, que era um episódio em Londres, envolvendo o cantor Bono Vox. O senhor pode descrever, por gentileza?

FM: Posso. O presidente foi a Londres, convidado para fazer uma palestra para empresários. Porque às vezes ele ia convidado por empresários e às vezes por trabalhadores. Na Alemanha e na África do Sul, por exemplo, ele foi convidado por sindicatos e em Londres ele foi convidado por empresários.

Depois do almoço estávamos no hotel conversando e chegou o cantor, o roqueiro Bono Vox para fazer uma visita a ele. Conversaram um pouquinho e a hora que o Bono foi embora o presidente me perguntou se eu poderia fazer a delicadeza de acompanhá-lo até a portaria do prédio. Eu desci e havia ali uma centena de repórteres europeus e brasileiros (em número menor) mais por causa do Bono do que pelo presidente Lula, obviamente, era uma estrela universal… E os repórteres perguntaram a ele: o que o senhor achou da conversa com o presidente brasileiro, o presidente Lula? E o Bono respondeu com uma frase que ficou muito marcada na minha memória. Ele disse o seguinte, “Depois da morte do Mandela, só existe no mundo uma pessoa capaz de juntar ricos e pobres, pretos e brancos, gordos e magros, e essa pessoa se chama Luiz Inácio Lula da Silva.”

Por se tratar, não de um cientista político, nem de um teórico, mas um cantor de rock, aquilo me impressionou muito.

Moro: Essa questão da relevância para o caso é por qual motivo doutor?

Zanin: Excelência nós estamos falando da reputação de um acusado. E segundo …

Moro: Nós não estamos falando de reputação, existe uma acusação a ser julgada e esse tipo de …

Zanin: Certo, a defesa … a reputação. E segundo, nós estamos falando, inclusive vossa excelência

Moro: Você pode divulgar essas questões meritórias em relação ao ex-presidente fora do processo. Não precisa ser aqui em audiência.

Zanin: Mas divulgar fora do processo, vossa excelência …

Moro: Não diz respeito aos fatos em julgamento doutor. Qual é a próxima pergunta?

Zanin: Há questões. Vossa excelência sabe bem que, há questões que devem levar em consideração …

Moro: Essas questões não tem nenhuma relevância para o julgamento.

Zanin: Eu não sei se incomoda vossa excelência.

Moro: Não incomoda doutor. Acho que o processo não deve ser utilizado para esse tipo de propaganda.

Zanin: Não é propaganda. É uma questão de reputação.

FM: propaganda?

Zanin: Estamos discutindo aqui a reputação e mais do que isso. Existe aqui uma discussão em torno de palestras. Inclusive colocada em dúvida pelo juízo. E nós estamos aqui fazendo a prova de que as palestras foram realizadas. De que foram realizadas por uma pessoa de grande reputação e que havia o interesse em assistir às palestras. Portanto, absolutamente pertinente às questões.

Moro: Qual é a próxima pergunta?

FM: Eu posso fazer uso da palavra senhor juiz?

Moro: Não. O senhor responde as perguntas que forem feitas. Qual é a próxima pergunta?

Zanin: O senhor comentou que por conta desse trabalho, desse livro que o senhor está escrevendo que envolve o presidente Lula, o senhor passou a ter uma relação próxima, inclusive, presenciou, pelo que eu entendi, contatos do ex-presidente Lula com diversas pessoas, sem que houvesse necessidade do senhor deixar o recinto. Correto?

FM: Sim, senhor. Exatamente da maneira que o senhor expôs. Em nenhum momento, mesmo que fosse em algumas conversas pelas quais eu não tinha nenhum interesse, encontro com o embaixador do Brasil no país onde a gente se encontrava. Eram conversas aleatórias, mas eu tinha sido convidado, seria indelicado da minha parte não estar presente. Então, assistia todas. Acho que praticamente todas as conversas que ele teve e em nenhum momento eu posso dizer, eu posso assegurar que em nenhum momento, ou ele ou alguém da sua comitiva disse: olha o presidente queria que o senhor ficasse fora cinco minutos porque ele precisa tratar de um assunto particular. Zero.

Zanin: Pois não. E o senhor, nesta situação, o senhor presenciou algum ato do ex-presidente Lula que houvesse sugerido a prática de um ilícito ou então que pudesse sugerir estar ele resgatando algum ato que ele tenha praticado como presidente da República. Solicitar ou exigir uma vantagem indevida.

FM: Não. Nada, nenhum momento, nada. E, o meritíssimo fez uso da palavra propaganda o que eu repudio. Eu não estou aqui fazendo propaganda. Quero dizer, inclusive, que as viagens que eu fazia com o presidente, eu só ia no avião que o transportava quando havia lugar sobrando. Quando não havia, as minhas viagens eram pagas pela Companhia das Letras. O Ministério Público pode averiguar. O meritíssimo juiz pode averiguar isso. Eu fui para a África do Sul com dinheiro da Companhia das Letras, fui para Cuba com o dinheiro da companhia das Letras. Eu voltei para o Brasil com dinheiro e voo pago pela Companhia da Letras. Então, em nenhum momento, eu teria razão para estar fazendo propaganda de quem quer que seja. Eu não ia jogar fora uma carreira de cinquenta anos para fazer propaganda de um presidente da República.

Zanin: Pois não. Senhor Fernando, basicamente eram essas as perguntas que eu tinha ao senhor. Eu agradeço a sua colaboração e devolvo a palavra ao magistrado.

Moro: Outros defensores têm perguntas? Ministério Público tem indagação? A acusação tem indagação? Certo. O juiz também não tem questões a serem colocadas. Vou declarar encerrado o depoimento do senhor Fernando Morais.

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