Por Gabriel Valery, publicado em RBA –
Ação da Cidadania, entidade histórica considerada maior obra do ativista e sociólogo, pode ser alvo de despejo em São Paulo, onde ocupa sala de um prédio da Secretaria da Saúde desde 1997
São Paulo – A Organização não Governamental (ONG) Ação da Cidadania foi sentenciada ao pagamento de uma quantia de três milhões de reais em uma ação movida pelo estado de São Paulo. Uma quantia “impagável”, de acordo com o coordenador-geral da instituição, Gilson Mendes. “Ainda não sabemos o que fazer, temos 20 dias para pagar ou podemos ser despejados. Nunca possuímos bens. Vamos nos mobilizar para tentar reverter essa decisão”, disse.
A sentença foi expedida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no início do mês passado, e impôs como data limite de pagamento o dia 23 de setembro. A Ação da Cidadania tem sua sede em São Paulo no Edifício Andraus, região central da capital, desde 1997. O local pertence à Secretaria de Saúde do estado, e foi concedido seu uso pelo então governador Mário Covas (PSDB), através do Decreto 42.596. O imbróglio surgiu no início deste ano, quando a administradora do condomínio cobrou do estado uma dívida relacionada à taxa de condomínio.
“O condomínio é uma organização de ordem privada, ele que moveu o processo. Temos no nosso contrato que o estado seria responsável por este pagamento, até porque quem tem o contrato com o condomínio é o próprio estado. Nunca tivemos condições de pagar. E o estado não pagou. Inicialmente, o condomínio ganhou o processo, mas novamente o governo não pagou a dívida. Então, para nossa surpresa, o estado acionou a Justiça para reverter o ônus para nós”, explicou Mendes, à RBA.
Desde o início, a defesa da Ação da Cidadania estava sendo representada pela Defensoria Pública de São Paulo. Após vitórias nas instâncias inferiores, o governo chegou à corte superior. Então, como explica Mendes, a Defensoria acabou perdendo um prazo para apresentação de apelação. “Houve um erro e fomos condenados. A defesa perdeu um prazo logo no início, por conta disso sofremos essa sentença”, disse.
O governo de Geraldo Alckmin (PSDB) utiliza como argumento o fato de o local ser utilizado também por outras entidades. “Eles alegam que a Ação realocou o espaço, porque acolhemos outras parceiras que não tinham sede. Como o espaço era grande, acabamos cedendo salas para eles, que são entidades que cuidam de pessoas com câncer, o coletivo Mães da Sé e a Associação da Parada do Orgulho Gay, Grupo de Apoio à Prevenção à Aids, entre outras”, afirmou o coordenador-geral.
Além de não cobrar pelo espaço, Mendes explica que a parceria com outras entidades é parte da ação da ONG. “A Ação funciona como um guarda chuvas de amparo a várias associações que tem seus trabalhos distintos. Trabalhamos alguns eixos em comum. Temos o foco centrado na questão da fome, mas também oferecemos aos parceiros cursos de formação de lideranças, de ética na política, ações emergenciais, estruturas de combate à fome. Também atuamos contra todo tipo de preconceito e discriminação.”
Como resposta, a Ação está organizando uma agenda de mobilizações em sua defesa. “Faremos uma aula pública, sem data definida, com a participação de professores de faculdades, parceiras, políticos. Faremos isso em algum local do centro de São Paulo. Após isso, trabalharemos na sensibilização através dos meios de comunicação, como a internet, para tornar pública a questão. Vamos trabalhar no período próximo à execução”, disse.
Histórico de ações
A Ação da Cidadania surge em 1993 como organização da sociedade civil com finalidade de combater a fome. Na época, havia 32 milhões de brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza e o país estava no Mapa da Fome da ONU, de onde conseguiu sair durante os governos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Então, diversas personalidades do país, lideradas pelo sociólogo e ativista Hebert José de Sousa, o Betinho, começaram uma série de mobilizações no país. “A cultura apareceu para construir no campo arrasado, para levantar do chão tudo que foi deitado. O que importa é alimentar gente, educar gente, empregar gente. E descobrir e reinventar gente é a grande obra da cultura”, disse ao dar início aos trabalhos da então Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida.
Desde lá, o movimento atuou em diferentes campanhas humanitárias, arrecadando, por exemplo, entre 1993 e 2005 30.351 toneladas de alimentos para 3.035.127 famílias, além da realização das bem sucedidas campanhas Natal sem Fome dos Sonhos. Com vitórias no combate à fome, a ONG passou a se mobilizar em outros setores como distribuição de livros. “A fase mais crítica da erradicação da fome no Brasil está encaminhada (…) esta valiosa rede nacional deseja ampliar sua atuação em direção à garantia dos direitos humanos”, afirma em nota a Ação.
Assista também a reportagem do Seu Jornal, da TVT.