A institucionalização do anonimato como fonte de notícias

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Por Carlos Castilho, para Observatório da Imprensa

O espantoso índice de seis bilhões de visitas mensais transformou o site norte-americano Whispers no foco de um intenso debate sobre o uso de informações anônimas para alimentar a pauta de notícias da imprensa. O site faz diariamente uma seleção do material que recebe e manda as postagens mais polêmicas e atrativas para jornais, revistas, emissoras de rádio e TV.




Whispers (“sussurros”, em português) é o mais bem sucedido caso de uma série de iniciativas similares como os sites Yik YakSecretWikileaks e SecureDrop. Todos usam estatísticas, fatos e eventos comunicados de forma anônima para jogá-los na arena da informação pública, concorrendo com a função jornalística.

Não é de hoje que o anonimato é um dos recursos mais usados pela imprensa, especialmente em grandes escândalos envolvendo autoridades públicas. Aqui no Brasil, todos os casos que mobilizaram a imprensa tupiniquim nos últimos dois anos contaram com a colaboração de informantes anônimos.

O sucesso do Whispers transformou o anonimato noticioso numa rotina e numa fonte de recursos, já que a avalancha de visitas é um atrativo irresistível para os anunciantes online. Trata-se de um fenômeno que radicaliza a mudança de padrões éticos e comportamentais gerada pela internet, porque o mundo das coisas privadas perde cada vez mais espaço no ambiente digital.

Os sites de informações anônimas atraem multidões porque expõem ao público dramas, sentimentos, projetos, neuroses e paranoias que até agora eram mantidas em sigilo por seus protagonistas por medo de represálias. O mesmo acontece com pessoas que por alguma razão foram contrariadas, punidas ou discriminadas em ambientes de trabalho, famílias, escolas ou organizações sociais e decidem “lavar a roupa suja” pela internet sem revelar nomes.

Esse tipo de comportamento também não é novo, mas ganhou uma relevância inédita por conta da multiplicação exponencial dos casos, graças às facilidades oferecidas pela internet. O outro fator inédito é a transformação do fluxo de segredos anônimos em fonte regular de suprimento de matéria prima para reportagens jornalísticas.

Segundo a American Journalism Review, quase todos os grandes jornais norte-americanos monitoram regularmente os sites de notícias anônimas em busca de inspiração para suas pautas diárias. Jornais como The Washington Post e The Guardian já incorporaram o aplicativo SecureDrop em suas versões online, como uma forma regular de captar rumores, boatos e fofocas.

O anonimato está deixando a área cinzenta do jornalismo para transformar-se numa ferramenta rotineira dos repórteres na era digital. O problema é que o uso deste tipo de material implica procedimentos complexos de verificação e checagem que podem levar semanas para serem completados. Nesses casos, o tempo desafia a ética profissional,já que a tentação de publicar algo sensacional, mas não checado, é grande demais para muitos jornais e jornalistas. Especialmente quando envolve políticos, governantes e empresários.

Como em muitas outras situações, a internet abriu novas oportunidades noticiosas para a imprensa, mas, em contrapartida, criou a necessidade de novos padrões de comportamento informativo, para evitar a generalização das difamações, desconstrução inescrupulosa da imagem pública de indivíduos e instituições, bem como danos irreversíveis à reputação pessoal.

A tentação do sensacionalismo e voyeurismo alimentada por sites como o Whispers vai exigir da imprensa uma espécie de pacto antifuro jornalístico, pois um veículo que publicar, sem verificação, um boato postado anonimamente na internet acabará servindo da pretexto para todos os demais adotarem atitude idêntica, alegando que o fato passou a ser de domínio público, especialmente quando o tema for político e em época de eleições.

Na atual cultura jornalística, ainda solidamente ancorada nos valores da imprensa analógica, um pacto como este é altamente improvável, porque a vontade de ser o primeiro a publicar ainda é mais forte do que a preocupação com as consequênciasda divulgação de um fato, dado ou evento não submetido à verificação prévia.

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P.S. – Este texto já havia sido inserido no Código Aberto quando o jornal britânico The Guardian publicou uma reportagem afirmando o site Whispers guardou dados de alguns usuários e os teria entregue ao Pentágono, nos Estados Unidos, violando o código de privacidade da empresa. A direção do Whispers, em Los Angeles, considerou falsos os dados publicados pelo jornal inglês, mas admitiu que colabora com o Departamento de Defesa dos Estados Unidos num estudo sobre consequências de distúrbios mentais em ex-combatentes no Iraque e Afeganistão.

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