Lula, Brizola e a elite que engole sapo, por Veríssimo

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Por Fernando Brito, para o Tijolaço – 

lulabrizola

Ler Luís Fernando Veríssimo é sempre muito bom.

Durante os anos do “pensamento único” neoliberal, quando ousar dissentir das verdades privatistas era quase ser condenado à fogueira, foi um dos poucos que teve coragem – e condições – de resistir, ainda no velho Jornal do Brasil.

Em seu artigo de hoje, especialmente, ele toca nas lembranças do que vivi e as liga ao que vivo, ao recordar a expressão “sapo barbudo”, uma das mais folclóricas – e verdadeiras – tiradas de Leonel Brizola.

Situo a história, da qual me lembro em detalhes, em 1989, num discurso no Riocentro, numa “pajelança” para unir o ressentido PDT para enfrentar, ao lado de Lula, o segundo turno contra Collor.

Eis a origem da expressão.

Quando se elegeu governador do Rio de Janeiro, em 1982, o general Euclydes Figueiredo, irmão do general-presidente João, disse que Brizola, eleito, era “um sapo que a gente engole e depois expele”.

Não expeliram.

Nem a ele, nem a Lula, o sapo barbudo.

E têm indigestão de ambos, até hoje.

A longa indigestão

Luís Fernando Veríssimo, em O Globo

Quando o Brizola se convenceu de que não chegaria à Presidência da República, consolou-se com uma sentença: a elite brasileira teria que engolir um sapo barbudo em seu lugar. Quem estava vivo e consciente na época se lembra do quase pânico provocado pela perspectiva do Lula no poder. Oitocentos mil empresários fugiriam do país. Ninguém sabia ao certo o destino da sua prataria, nem de suas cabeças. A ideia de engolir um sapo, ainda mais um sapo com uma ameaçadora barba cubana, era revoltante. Mas, fazer o quê? Lula foi eleito legalmente, o sapo foi deglutido e empossado. E o pior não aconteceu. Poucos empresários emigraram e os que ficaram, principalmente do setor financeiro, não se arrependeram. E ninguém foi guilhotinado.

É verdade que o PT tratou de tornar-se mais palatável para ser eleito. Prometeu seguir o modelo econômico vigente, com alguns ajustes na área social para honrar seu passado e seus compromissos de campanha, mas sem fazer loucuras. E o sapo barbudo desceu pela goela da nação com a suavidade possível. Já a sua digestão foi outra coisa. Não se muda de dieta tão radicalmente sem consequências ao menos gástricas. Pela primeira vez o Brasil tinha na presidência um ex-operário, vindo das lutas sindicais, que errava a concordância verbal mas mobilizava a massa. Com todas as suas precavidas concessões ao status historicamente quo, o PT não deixava de representar a “classe perigosa”, como a nobreza francesa chamava os pobres antes da Revolução, no poder, o que também não ajudava o metabolismo. A resistência do patriciado brasileiro ao PT tem várias causas: diferenças ideológicas, interesses contrariados, medo, a própria arrogância do partido no governo e suas quedas na corrupção, e — especialmente inadmissíveis — os seus sucessos: distribuição de renda, políticas sociais, desemprego baixo etc. Mas o ódio ao PT só se explica como má digestão.

Doze anos de indigestão: é compreensível a irritação causada pela eleição de mais quatro anos de PT no governo e a continuação da praga do Brizola. Os que se manifestam contra uma suposta fraude no pleito apertado e pedem o impeachment dos vencedores estão exercendo o direito de todo perdedor, o de espernear. Só achei curioso ver, desfilando numa manifestação na Avenida Paulista, uma faixa que pedia a volta dos militares ao poder. Teoricamente, não é preciso mais de três pessoas para fazer e carregar uma faixa daquelas: uma para pintá-la e duas para segurá-la. Fiquei pensando em quantas pessoas no desfile além das três hipotéticas concordavam que outra ditadura militar é preferível ao PT no governo. Talvez ninguém, talvez a maioria. Nunca se sabe o efeito da má digestão num organismo.

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