O erro do ex-ministro

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texto publicado pelo ex-ministro Aloisio Mercadante neste site do Grupo Prerrogativas (em 23/12) é injusto e, desculpe o ex-ministro, ingênuo. Ele confundiu duas situações bem diferentes que ocorreram na publicação do artigo “Negros nas universidades, e não (só) para fazer faxina” (na Folha de S.Paulo) e está tentando desqualificar um texto de excelente qualidade a favor das lutas contra o racismo no Brasil.

O artigo criticado pelo ex-ministro foi publicado nas páginas internas do Caderno Retrospectiva 2020, da Folha. Quando os editores do jornal decidiram fazer uma chamada na primeira página, deram ao artigo um título anunciando que a “Década colocou os negros na faculdade, e não só para fazer faxina”. Quem conhece as operações em uma redação dos grandes jornais sabe que as chamadas da primeira página são feitas por editores ou redatores específicos e não pelos colunistas da publicação que, muitas vezes, acabam sofrendo as consequências de títulos mal feitos.

Os críticos do jornal, é claro, saíram (acertadamente) de paulada gozando o fato de que a “Década” foi responsável pela abertura das universidades para os negros e negras. As gozações tomaram conta das redes sociais e houve até quem lançasse a “Década” para presidente da República. Mas, é importante dizer que ninguém avançou no texto ou no título do artigo em uma das páginas internas, porque ele está irrepreensível.




Antes de continuar, esclareço que estou tomando as dores porque acompanhei de perto essa história e sou testemunha do equívoco e da injustiça que o ex-ministro está cometendo, além de conhecer e bom trabalho da colunista em questão, Ana Cristina Rosa, pois fui seu chefe na Editoria de Política Estadão. Não estou defendendo os erros da Folha, não sou filiado ao PT, o partido do ex-ministro, mas tenho grande apreço por esse partido e, muito, muito especialmente, pelo presidente Lula. Apenas procuro defender o trabalho correto e isento a favor de um tema que é caro a todos nós, brasileiros, como o combate ao racismo.

O fato é que o ex-ministro exagerou ao sugerir que o artigo “omite informação fundamental de que a Lei de Cotas (Lei 12.711/2012) foi aprovada no governo da presidenta Dilma Rousseff, durante a minha gestão como ministro da Educação”. E vai além afirmando que a “omissão da informação é tão brutal que, em seu portal na internet, o jornal chegou a manchetar a mesma matéria com o título “Década colocou negros na faculdade, e não (só) para fazer faxina”, como se a década fosse uma agente executora de políticas públicas”.

A tentativa do ex-ministro de colocar a questão como uma “armação” para esconder o seu nome e o do governo é, desculpe mais uma vez, ingênua e, repetindo, injusta, parecendo insinuar que a colunista fez parte de uma tramoia para ocultar uma informação que ele chama de “fundamental”.

Penso ter um engano no texto dele, pois nem quero acreditar que o ex-ministro esteja se julgando o dono do sistema de cotas. Esse sistema, claro que o ex-ministro sabe disso, é uma conquista muito sofrida dos movimentos negros e outros segmentos independentes (até pessoas individualmente) que combatem o racismo em nosso país.

O governo Dilma, fez muita coisa boa pelo Brasil e uma delas foi essa abençoada iniciativa da universalização das cotas raciais, mas, desculpe o ministro, no caso, não é “uma informação fundamental” lembrar que a universalização foi resultado da luta dele e do governo. Desculpe mais uma vez, mas é pretensão exagerada atribuir a si mesmo ou a um único governo (mesmo um bom governo) essa, aí sim, fundamental conquista de uma população inteira. Gente que sempre sofreu e ainda sofre com o racismo.

Vale lembrar, a primeira universidade a institucionalizar o sistema de cotas raciais, foi a UNB (universidade federal), em Brasília, no vestibular de 2004, bem antes da assinatura da universalização. Isso aconteceu depois que a UERJ, no Rio de Janeiro, no ano 2000, obedecendo a uma lei estadual estabeleceu que 50% das vagas deveriam ser ocupadas por alunos oriundos das escolas públicas.

Curioso é o ministro procurar desqualificar esse ótimo texto (“Negros estão nas universidades e não [só] para fazer faxina”) por não ter lembrado seu nome como autor da universalização das cotas, sem exigir que também fossem citados os nomes de quem criou outras duas leis igualmente importantes citadas no mesmo artigo da Ana Cristina como conquistas da população negra. Diz o artigo da colunista: 1) “Fruto de anos de ação dos movimentos sociais negros, o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro, foi instituído em 2011 pela lei 12.519. 2) A década de 2010/20 também foi marcada pelo protagonismo das mulheres negras. Em 2014, a lei 12.987 instituiu o 25 de julho como Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, chamando a atenção para a disparidade da situação vivida por pretas e pardas em relação a brancas”.

No tom proposto pelo ministro, todas as vezes que se falar na conquista do voto feminino, deveriamos lembrar que o autor foi o presidente Getúlio Vargas, em fevereiro de 1932, sem precisar falar da luta que as mulheres vinham promovendo há muitos e muitos anos. Da mesma forma, a Lei Maria da Penha, quando citada deveria vir sempre acompanhada da informação de que foi o presidente Lula seu criador, em agosto de 2006. No caso do presidente Lula, um dos poucos presidentes verdadeiramente estadista nessa nossa sofrida República, tenho certeza, ele compreende a luta que antecedeu a assinatura dessa lei e não faz questão de ver seu nome junto de cada citação.

Por último, vale lembrar que essa colunista, ela própria negra, mãe de dois filhos negros e militante a favor da população negra, tem publicado excelentes artigos de combate ao racismo. Quem acompanha a luta das populações negras certamente gostará de ler, entre outros, “As Dandaras de hoje” ou “Mãe, a gente é negro, né?”, ou “Tô com medo, mãe”. Os dois últimos, resultados de apreensões do filho de 12 anos.

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