O tempo não espera por ninguém

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Por Claudio Lovato Filho, jornalista e escritor

O homem de cabelos brancos está bebendo sozinho no bar. Ocupa sua mesa preferida, perto do balcão. Bebe cerveja e tem à frente uma tigela cheia de amendoim. Bebe cerveja, come amendoim e deixa o olhar se revezar entre a TV (agora o bar tem uma TV grandona, com um monte de canais por assinatura) e uma mesa próxima, em torno da qual se acomodam mais ou menos vinte pessoas, homens e mulheres na faixa dos trinta e poucos anos.




O bar já foi um botequim de verdade, mas hoje virou uma outra coisa. Os garçons mais antigos – de quem o homem de cabelos brancos sabe o nome completo, a data e o local de nascimento, além de alguns problemas que enfrentam na vida – continuam ali, felizmente, mas os novos, que até são bons, deveriam, na opinião do homem de cabelos brancos, estar trabalhando em uma dessas hamburguerias ou cervejarias ou em algum lugar semelhante.

Mas o que mais mudou foi a frequência, e esse era exatamente o objetivo dos proprietários, dois irmãos que há várias décadas tocavam o empreendimento, do qual ambas as famílias (e agregados) tiravam seu sustento. O filho de um deles e a esposa estavam dando a consultoria para  modernizar o lugar; repaginar, reestruturar, sofisticar. Esse tipo de coisa.   

A mesa em que estão os cerca de vinte jovens, por exemplo (nem tão jovens assim, mas em comparação ao homem dos cabelos brancos, sim, têm idade para ser seus filhos) parece que confirma o êxito da “reinvenção”. Alguns são claramente filhos da classe média e classe média-alta, mas tentam imitar, no jeito de falar, os jovens da periferia. É uma coisa forçada. Falsa.

O homem de cabelos brancos não tem nada contra a maneira como os jovens da periferia se comunicam. Nada mesmo. Ao contrário. Mas essa garotada endinheirada, um bando de filhinhos de pai e filhinhas da mamãe tentando imitá-los… Não, o homem de cabelos brancos decididamente não gostava daquilo. “Tá ligado?”

O homem de cabelos brancos tem saudade do tempo em que os bares – e aquele bar fora um célebre exemplo disso – eram lugares em que se bebia e se confraternizava (claro), mas também em que estava assegurada a condição para haver a conversa em voz baixa entre amigos, as confissões, a troca de ideias, os aconselhamentos, a fruição do diálogo de assuntos sérios, até graves.

O homem de cabelos brancos termina a cerveja. Faz sinal para Januário, um dos garçons veteranos. Fecha a conta, fecha. Isso. É. Vou nessa.

O homem de cabelos brancos tem lembrado, cada vez com mais frequência, de um livro de Cormac McCarthy, um de seus autores preferidos: “Onde os velhos não têm vez”. E tem pensado que, provavelmente, o errado, o deslocado, o desajustado, o perdido seja ele. Tem pensado que perdeu o trem e ficou na estação, reclamando que não esperaram por ele. Time waits for no one, ele agora cantarola baixinho, com a voz de Jagger e as guitarras de Richards e Taylor na cabeça. Levanta e vai saindo sem acenar para ninguém, porque simplesmente não está a fim. Time waits for no one, and it won’t wait for me.

“Paciência”, o homem de cabelos brancos conclui, enquanto caminha para casa, que fica logo ali, virando a esquina.

“Paciência”, ele repete em pensamento, com o estoicismo de um velho soldado de muitas batalhas e a hombridade de quem, diante da acusação de estar sendo ancrônico, responde: “Vá tomar na tarraqueta!”    

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