Quatro razões para lutar contra o golpe

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Por Ignacio Godinho Delgado, Diário do Centro do Mundo – 
  • 1. Defesa da democracia.

Com todos os seus problemas, a ordem democrática em vigor é uma conquista do povo brasileiro, que contou com participação fundamental dos trabalhadores e suas lutas. Um de seus fundamentos é a constituição de governos através da vontade manifesta nas urnas. Derrubar governos na esteira de fenômenos transitórios como índices de popularidade acentua a instabilidade das regras democráticas e anula o processo eleitoral como elemento chave da expressão da soberania popular. Não há fundamento constitucional para o processo de impedimento de Dilma. A revanche dos derrotados e a insatisfação momentânea não o justificam.

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Coonestar com isso, na expectativa de favorecer a afirmação de qualquer interesse, ainda que, ilusoriamente, o dos trabalhadores, é abrir espaço para a contestação recorrente dos resultados eleitorais. Dada a concentração oligopólica da mídia e de suas afinidades com a direita, a tendência é que tais contestações se dirijam a governantes alinhados com forças políticas nacionalistas e/ou de esquerda. Evocar o exemplo de Collor é impróprio. O processo de impedimento de Collor foi desencadeado pelo depoimento do irmão e de um funcionário de sua residência, que alegavam ter presenciado ações para benefício pessoal e de familiares do “caçador de marajás”. Foi rifado por ser um outsider, que se elegeu dado o cenário bonapartista criado com o risco da eleição de Lula, em 1989, num quadro de fragmentação da direita. Não tinha laços orgânicos com as elites econômicas e as forças políticas conservadoras.




  • 2. Preservar o marco regulatório do Pré-Sal.

O quadro no Congresso já é difícil para deter a ofensiva entreguista. Com Dilma, ainda resta o veto do presidente. Num governo Temer ou Aécio (na hipótese de impugnação da chapa Dilma-Temer pelo TSE, seguida de novas eleições), restará apenas a resistência dos movimentos sociais. A defesa do Pré-Sal, contudo, não é um tema capaz de garantir uma vontade férrea e intransponível, num ambiente de desmoralização do PT, de realinhamento da mídia e de ampla sustentação conservadora do novo governo. O atual marco regulatório institui o sistema de partilha, define a Petrobrás como operadora única do Pré-Sal e estabelece a obrigatoriedade de sua presença em 30% das explorações, garantindo ao país o controle sobre a mais importante reserva de petróleo recentemente descoberta no muno. Sua eliminação redundará em perda de recursos para a educação e enfraquecerá a Petrobrás, um instrumento decisivo de política industrial e de inovação, através da política de conteúdo nacional e do investimento em novas energias.

  • 3. Assegurar os direitos do trabalho e o ambiente para que a retomada do crescimento mire a inovação e não a redução do custo do trabalho.

As medidas do ajuste fiscal que alcançaram o seguro-desemprego, o abono salarial e a previdência, conquanto controversas, afetam políticas compensatórias, em meio a preocupações fiscais, mas não propriamente o custo do trabalho. Na década de 1990 sua redução era pedida pelos empresários para compensar a abertura da economia, como se fosse possível buscar a competitividade das empresas com o trabalho barato no Brasil, um país que já completou sua transição rural-urbana e não dispõe dos reservatórios de força de trabalho de países como a China e a Índia, que a vivenciam hoje. Nos governos de Lula e Dilma, políticas como a elevação do salário mínimo miravam um novo arranjo, em que a elevação dos rendimentos do trabalho favoreceria a disposição inovadora das empresas. O câmbio sobrevalorizado e a pressão dos importados mitigou tal perspectiva. Boa parte dos problemas de Dilma com os empresários estão associados em sua coerência na preservação do arranjo inaugurado em 2003, quando vetou, em seu primeiro governo, a eliminação das multas sobre o FGTS em caso de demissão e garantiu a política de valorização do salário mínimo. Hoje, com a desvalorização cambial é possível retomar o horizonte de retomada do crescimento com elevação da renda e estímulo à inovação. Sem Dilma fica aberta a porta para o regresso social e sequer o veto à terceirização das atividades fins restará para impedir que a redução do custo do trabalho venha a ser definido como central na política econômica.

  • 4. Garantir a continuidade no combate à corrupção.

As direções do PT ainda devem à base partidária e aos milhões de trabalhadores que apostam nele para construir um Brasil mais justo e soberano, explicações cabais porque não foi colocado na agenda, em momentos mais favoráveis, a proposta da reforma política. Devem, ainda, operar uma profunda revisão de seu alinhamento com as práticas políticas tradicionais. Esse passo é fundamental para preservar os laços do PT com os trabalhadores que, na sua ausência, estariam condenados a mais uma longa travessia na construção de identidades políticas viáveis, em meio e enorme bombardeio conservador. Os governos do PT, contudo, mais do que qualquer outro, favoreceram o combate à corrupção, com medidas como a criação da CGU, do Portal da Transparência e do fortalecimento e não interferência nas ações do Ministério Público e da Polícia Federal. É o escandaloso aparelhamento de segmentos desses dois organismos do Estado por nichos vinculados à oposição, seduzidos pelo embalo da mídia, que conduziu ao cenário em que vivemos, no qual ações idênticas são tratadas de forma diferente e escândalos que atingem pessoas da oposição são acobertados, de modo a criminalizar apenas o PT e converter, numa operação fascista, o petista no novo inimigo do povo. O que esperar, todavia, dos governos da oposição e seus aliados na mídia, senão os velhos engavetamentos?

Preservar democracia, a soberania nacional, os direitos do trabalho e o combate à corrupção são motivos suficientes para lutar contra o golpe. Em meio a tal combate é justo buscar a revisão da política econômica. Ela, contudo, não pode ser motivo para a deserção ou a indolência. Complicado com Dilma. O total retrocesso sem ela.

Ignacio Godinho Delgado, professor de História e Ciência Política na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia-Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT-PPED).

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