Recordações da Doce Vida

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Por Jota A. Botelho, publicado em Jornal GGN – 

A atriz Anita Ekberg, falecida em 11 de janeiro de 2015, em Roma, aos 83 anos de idade, recorda do seu grande sucesso cinematográfico quando ela ficou mundialmente conhecida e famosa por seu papel como Sylvia no filme La Dolce Vita, a obra-prima do cineasta Federico Fellini, de 1960, palma de ouro no Festival de Cannes do mesmo ano. O filme foi um grande sucesso de público e de crítica, cuja cena do banho noturno na Fontana di Trevi se tornou um dos momentos mais icônicos da história do cinema. Nesta cena Anita Ekberg nos mostra toda a sua sensualidade como se flutuasse sobre as águas da fonte entre suas cascatas, trajando um enorme echarpe branco encobrindo um vestido de noite longo e negro com um decote bastante generoso, contrastando com a branquíssima cor de sua pele e sobre os olhares fascinados do paparazzi interpretado por Marcello Mastroianni. Aliás, a cena toda é um chiaroscuro felliniano pontuada pela suavidade da bela música de Nino Rota.




ANITA EKBERG: DE MISS SUÉCIA A ESTRELA DE CINEMA


Anita Ekberg venceu o concurso de Miss Malmö, da sua cidade natal, sendo depois
eleita Miss Suécia de 1951. Foi então para os Estados Unidos representar o país no
Miss Universo, em Long Beach. 

Anita vivia isolada numa villa nos arredores de Roma, acompanhada somente de seus cães. Depois de ter sido internada na clínica San Raffaele di Rocca di Papa, veio a falecer no dia 11 de janeiro de 2015. Tinha 83 anos e gostava de dizer entre gargalhadas que “fui eu que tornei Fellini famoso, não o contrário”. Em 2011, ela havia voltado ao noticiário quando, por meio de um administrador nomeado pela justiça italiana, solicitou apoio financeiro à Fundação Fellini. Na ocasião, Anita havia deixado sua casa, em razão de um incêndio provocado por ladrões, para morar em um lar de idosos. Locomovia-se com dificuldades devido a uma queda que lhe fraturou o fêmur, em 2009. Segundo pessoas próximas, recebia poucas visitas e tinha ainda como projeto lançar um livro de memórias. Em entrevista ao jornal Il Corriere della Sera disse certa vez que se sentia “um pouco sozinha”, mas que não se arrependia de ter “amado, chorado e enlouquecido de felicidade”.

Nascida em Malmö, Suécia, a 29 de setembro de 1931, filha de família numerosa, a sexta de oito irmãos, Anita Ekberg, cujo nome de batismo era Kerstin Anita Marianne Ekberg, foi Miss Malmö e, depois, Miss Suécia, em 1951. No mesmo ano viajou para os EUA para representar o país no Miss Universo. Não venceu, ficou entre as seis finalistas, mas a Suécia, país que já tinha levado duas divas à Meca do Cinema, Greta Garbo e Ingrid Bergman, ficava para trás, ao qual só regressaria muito esporadicamente até o fim da vida. Mas a beleza e as formas curvilíneas chamou a atenção do monumento escandinavo em Hollywood.

ANITA EKBERG NOS EUA


Anita Ekberg se transforma numa estrela de Hollywood a partir de 1951, após concorrer no
concurso de Miss Universo, em Long Beach, como representante Miss Suécia. Tornou-se
uma das mais famosas pin-ups dos EUA nos anos 50.

Como parte do prêmio do concurso na época ganhou um contrato como starlet da Universal Studios, onde conheceu Howard Hughes, milionário produtor de filmes, que a convidou a trabalhar para ele mas queria que ela trocasse de nome. Howard dizia que ‘Ekberg’, nome sueco, era difícil de pronunciar para os americanos comuns. Ela, entretanto, recusou-se a mudar de nome, dizendo que se ficasse famosa, iam aprender a pronunciá-lo e caso não ficasse, o nome não teria qualquer importância. Ele achou também que a novata poderia ficar ainda mais bela com algumas intervenções estéticas, como plásticas no nariz e nos dentes. Sensata, Anita dispensou as sugestões do poderoso magnata. Mas não foi apenas isso que recusou a Hughes – também teria havido um pedido de casamento declinado. Anita Ekberg esteve casada duas vezes, primeiro com o ator inglês Anthony Steel, entre 1956 e 1959, o que a levou a visitar a rainha da Inglaterra no mesmo ano, e depois com o ator americano Rik Van Nutter, entre 1963 e 1975. Não teve filhos. Como contratada do estúdio, ela passou a receber aulas de interpretação, dança, locução, hipismo e esgrima na “fábrica de montagem”.

A combinação da beleza física e a agitada vida particular e social de Ekberg logo a transformaram numa pin-up e em presença constante nas páginas de revistas mundanas e masculinas dos meios de comunicação norte-americanos, o que a tornou uma das mais famosas pin-ups dos anos 50, seguindo os passos de outra ex-modelo platinada que despontava, Marilyn Monroe. Mas as limitações dramatúrgicas e a aparente frieza que lhe deu o apelido de “iceberg” não ajudaram Anita a ir muito além dos papéis secundários que valorizavam suas formas perfeitas e sua aura de símbolo sexual.

Curiosamente, as duas beldades tiverem em comum no começo de suas carreiras uma parceria com o comediante Bob Hope – com ele, Anita filmou Férias em Paris (1958) e Rififi no Safari (1963). Quando Marilyn teve de se afastar de uma turnê que fazia com Hope pelos EUA, Anita a substituiu com sucesso. O malicioso humorista dizia que os pais da sueca mereciam ganhar o Prêmio Nobel de Arquitetura. Em causa estaria, como aconteceu com Jayne Mansfield, a hipótese de se buscar uma “nova” Marylin Monroe. Em 1953, estreia ao lado da dupla de comediantes Abbott e Costello em Abott e Costello No Planeta Marte, encarnando uma venusiana.


Anita Ekberg em Rota Sangrenta, filme que lhe valeu o Globo de Ouro de atriz revelação
em 1956.

Em sua carreira nos Estados Unidos, ela trabalhou com Frank Tashlin em Artistas e Modelos, de 1955, com a dupla Jerry Lewis & Dean Martin. Fez Guerra e Paz de King Vidor, de 1956, e, no mesmo ano, em novo encontro com Jerry Lewis & Dean Martin em Ou Vai ou Racha. Trabalhou também com o diretor de filmes B, Gerd Oswald, em três filmes: Valerie (1957), A Loucura de Mimi e Férias em Paris, ambos de 1958. Rota Sangrenta (Blood Alley, 1955), de William A. Wellman, uma aventura com John Wayne e Lauren Bacall ambientada na China, onde ela faz o papel de uma chinesa, com os olhos puxados pela maquiagem. Com esta sua participação lhe valeu um Globo de Ouro de atriz revelação de 1956, o que lhe rendeu pela primeira vez o papel de protagonista no filme De Volta da Eternidade, de John Farrow, 1956, comparando-a no trailer com nada mais nada menos à Greta Garbo e Ingrid Bergman. E houve muitos outros com algum sucesso em Hollywood. Neste período áureo de sua carreira esteve ligada romanticamente a nomes como Tyrone Power, Errol Flynn, Gary Cooper e Frank Sinatra.

ANITA EKBERG NA ITÁLIA


Cartazes do filme La Dolce Vita, 1960.

Quatro anos depois, em 1960, tornou-se lendária. Foi nesse ano que Federico Fellini a chamou para ser a protagonista do seu retrato de uma Roma tão fascinante e vibrante quanto decadente. O gênio criativo que Fellini fez em La Dolce Vita e, depois, no seu episódio de Bocaccio’70 (As Tentações do Doutor Antônio), filme de 1962, dividido em várias seções independentes realizadas por Fellini, Mario Monicelli, Luchino Visconti e Vittorio De Sica, foi não negar isso, mas pelo contrário, exponenciar, até à fronteira do grotesco, essa dimensão de mulher-fenômeno.

Anita Ekberg chamara a atenção de Fellini depois de este ver uma foto sua numa revista. Uma imagem em que a atriz surgia descalça, refrescando os pés na Fontana di Trevi, precisamente, no final de uma noite dançando num dos clubes noturnos da capital italiana. “Eu não falava italiano e ele, na altura, não falava inglês”, recordou Ekberg numa entrevista ao Guardian em 1999. “Comunicávamos com o olhar. Era incrível. Não precisávamos de dialogar a maior parte do tempo. Com o pouco italiano que eu sabia, e com o pouco inglês que ele sabia, comunicávamos muito, muito bem”. Há uma dimensão humana que lhe foi resgatada por Fellini quando, no falso documentário Entrevista (1987), chama de novo para si as suas criaturas de La Dolce Vita, Marcelo e Anita, corpos já envelhecidos vendo e comentando os jovens Sylvia e Marcello no filme de 1960.

ANITA EKBERG RETORNA A FONTANA DE TREVI & A MÚSICA DE NINO  ROTA


Anita Ekberg na Fontana di Trevi, a bela música de Nino Rota (centro) em La Dolce Vita
e o beijo que não houve no filme de Federico Fellini.

Até ao início da década de 1970, manteve uma atividade cinematográfica constante, mas com exceções pouco memoráveis. A Fontana di Trevi, essa, será para sempre sua, como ela mesma a considerava. Em cerca de quatro minutos, o tempo que demora a cena, Anita Ekberg garantiu a eternidade. “Marcello, come here!”, ouvimos a personagem Anita/Sylvia chamando pelo seu guia Mastroianni/Marcello naquela que se preservou como uma das mais célebres cenas do cinema, como se também fôssemos convidados.

HOMENAGEM A FEDERICO FELLINI
Trechos de quase todos os filmes realizados por Federico Fellini.

UM FILME PARA REVER – LA DOLCE VITA, 1960


Anita Ekberg diante das tomadas na Fontana di Trevi, 1960. Abaixo, já idosa,
ao lado de um quadro pintado em sua homenagem.

Assista ao filme Aqui (c/legendas em espanhol).
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Referências: Pesquisas Google “Anita Ekberg” (haja sites & blogs).

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