São Paulo: aos 470 anos, uma cidade abandonada

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São Paulo também é uma terra de contrastes, pois a riqueza que a cidade produz “ergue e destrói coisas belas”, como diz a canção

Por Raimundo Bonfim, compartilhado de GGN




Créditos: Diogo Moreira/Governo do Estado de SP/Divulgação

São Paulo comemora neste 25 de janeiro 470 anos de existência. A maior e mais dinâmica metrópole da América do Sul, centro financeiro do país, revelou uma vocação acolhedora desde o início de sua história, atraindo migrantes e imigrantes dos mais variados lugares, que vieram para cá em busca de melhores oportunidades de trabalho e condições de vida. 

Milhões de brasileiros, grande parte deles do Nordeste, puderam aqui ajudar construir a cidade e a sua própria história e alguns deles acabaram se destacando e se projetando nacionalmente, como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Luiza Erundina e o presidente Lula, para citar apenas alguns dos mais conhecidos. Eu mesmo vim do Piauí com 18 anos de idade e nesta cidade construí minha trajetória pessoal, profissional (aqui me formei em direito e passei no exame da OAB) e política.  

Mas São Paulo também é uma terra de contrastes, pois a riqueza que a cidade produz “ergue e destrói coisas belas”, como diz a canção. E, nos últimos anos, os governos de direita deixaram a metrópole praticamente abandonada, com problemas graves como o aumento da população em situação de rua, agravamento da crise na Cracolândia, enchentes, apagões, mobilidade urbana, especulação imobiliária irrefreável, ausência de políticas públicas para diminuir o déficit habitacional, infraestrutura em péssimas condições, saúde abandonada, além de precária zeladoria da cidade, com áreas inteiras ao deus-dará. 

O drama das pessoas em situação de rua é um dos problemas mais graves da capital. São mais de 53 mil pessoas nessa condição, segundo o Observatório de Políticas Públicas da UFMG – um crescimento de 30% em três anos. Cerca de 40% dessa população está na região central e é alvo de recorrente repressão policial. Tanto o prefeito Ricardo Nunes como o governador Tarcísio de Freitas promovem apenas operações repressivas e violentas,  dispersando os dependentes químicos da Cracolândia de um lugar para o outro, sem enfrentar o problema e implementar políticas de moradia, saúde e emprego para esta população. O prefeito Ricardo Nunes, inclusive, chegou a anunciar a internação compulsória de dependentes químicos, mas recuou após enfrentar forte pressão da sociedade civil e a reação do Ministério Público. A ausência de uma política pública efetiva e humanista para as PSR (Pessoas em Situação de Rua) afeta também o comércio e os habitantes do local, expostos à insegurança e à incerteza.

Mas essa tragédia vivida pelas pessoas em situação de rua não se resume à Cracolândia: a maioria delas é vítima do processo que transformou a moradia em uma  mercadoria. São Paulo está refém  da valorização do capital financeiro e do mercado imobiliário.  Com isso, assistimos a uma verticalização galopante do tecido urbano – vide a recente revisão do Plano Diretor Estratégico de São Paulo –,  beneficiando grandes incorporadoras e a minoria, os ricos e a classe média alta. Na outra ponta, milhões de pessoas são obrigadas a viver em situação precária e, no limite, são abandonadas por falta de políticas públicas efetivas de habitação popular para a população com baixa renda – exceção feita ao programa Minha Casa Minha Vida, do governo federal. 

Os problemas aqui elencados, no entanto, vão muito além da questão dos sem-teto, atingindo vários setores da população em diversas áreas.      

Nada exprimiu tanto a sensação de caos urbano quanto a situação vivida pelos paulistanos em novembro passado, quando quase 5 milhões de pessoas  ficaram sem energia elétrica por dias, em razão dos fortes temporais que caíram sobre São Paulo e da falta de investimento em obras de combate às enchentes e poda e corte de árvores.  Ricardo Nunes tentou  jogar a culpa na Enel, a concessionária de energia elétrica da cidade; mesmo assim, como todo político de direita que se preze, o prefeito continua defendendo com unhas e dentes a bandeira da privatização de empresas públicas, como é o caso da Sabesp. 

Os problemas de zeladoria também se acumulam na pauliceia desvairada. Um exemplo do abandono em que se encontra a cidade foi mostrado por uma recente reportagem da Folha de S. Paulo, que revelou que escorpiões, ratos e aranhas estão aparecendo em casas próximas a terrenos baldios tomados pelo mato na Zona Oeste. Os moradores do local estão assustados com os riscos e cansados de reclamar inutilmente para a prefeitura. 

Má conservação de ruas e calçadas, acúmulo de lixo são as maiores reclamações de moradores de vários bairros paulistanos, e não apenas da periferia e das regiões mais pobres da cidade. 

O governo Ricardo Nunes deixou de cumprir o que foi prometido na campanha de 2020. Segundo dados da própria prefeitura, das 86 metas do programa de governo de Bruno Covas, Ricardo Nunes conseguiu concluir apenas 11 delas, enquanto 20 ainda estão na estaca zero. Outras 55 estão “em andamento”, mas ninguém garante que serão concluídas até o fim do mandato de Nunes.

Na área da educação, dos 12 CEUs (Centros Educacionais Unificados) prometidos, a gestão Nunes entregou apenas quatro. Na área da saúde, a prefeitura implantou apenas nove de 15 UPAs (Unidades de Pronto-Atendimento) e nove dos 16 espaços destinados ao atendimento de saúde bucal.

O gargalo maior, porém, é a área de mobilidade urbana. A um ano para encerrar o mandato, o governo não cumpriu nem a metade de compromissos como recuperar 20 milhões de metros quadrados de vias públicas. Das 260 obras de manutenção, recuperação e reforço em pontes e viadutos, pontilhões, passarelas e túneis, apenas 59 foram realizadas. 

Enquanto isso, São Paulo continua sendo a cidade que “não pode parar”, mas que está sempre parada por congestionamentos de trânsito…

O pior de tudo é que o prefeito não pode alegar escassez de recursos, pois não falta dinheiro para a prefeitura: a gestão Ricardo Nunes está com recorde de caixa, cerca de R$ 35 bilhões, segundo dados da Secretaria Municipal da Fazenda. O problema é que mais de metade desse valor está parado nos cofres municipais, sem previsão de investimentos: do total, 46% estão empenhados e 54% não têm nenhum projeto.

Para tapar o sol com a peneira, Nunes apela à demagogia, como o projeto de “tarifa zero” no transporte coletivo aos domingos e a execução simultânea e sem planejamento de várias obras para “mostrar serviço” em ano de eleição, conseguindo apenas aumentar o caos na cidade.

Mas não se pode realmente falar em incompetência; trata-se, na verdade, de uma “desordem organizada”, um projeto político direcionado à preservação dos interesses dos poderosos. 

Apesar das desigualdades sociais, parabéns São Paulo pelos seus 470 anos! Que em outubro próximo mudemos de governo e, a partir de 2025, São Paulo tenha uma gestão que se preocupe com a maioria dos milhões de trabalhadores e trabalhadoras que constroem esta cidade e são responsáveis pela sua riqueza e pujança. Por uma São Paulo justa e democrática! 

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum

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