“Chão de gelatina”: jogador Robert conta sobre a vitória contra a depressão

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Transtornos mentais já fizeram Robert desejar que ônibus do Santos capotasse. Agora ele quer falar sobre isso

Robert, em depoimento a Vanderlei Lima, com reportagem de Gabriel Carneiro. Compartilhado de UOL Esporte




Nunca tentei nada contra mim, mas teve uma época da minha vida que eu queria morrer. Entende a diferença? Uma coisa é você se jogar na frente de um carro. Outra coisa é você desejar estar morto.

Eu jogava no Santos e foi um ano em que a Vila Belmiro tava em reforma. A gente jogava no campo do Ibirapuera, tinha que subir a serra pra qualquer coisa. Um perrengue. Lembro até hoje que acabava o jogo, eu tomava banho e uma hora da manhã tava na estrada. Eu pegava minha identidade, colocava na minha pochete bem coladinho ao meu corpo e ficava pensando: “Pô, Deus, capota esse ônibus. Eu quero morrer.”

Isso vinha direto. Não foi só uma vez, não. “Deus, pode capotar esse ônibus“. Eu não pensava em mais ninguém, só em mim, porque eu desejava morrer. Nunca tentei me matar, mas nessa fase aguda era assim que eu me sentia. Sem tirar, nem pôr.

Hoje, sei que isso era a depressão. Em 1996, não sabia. Ou melhor, até fiquei sabendo, mas ninguém levava a sério. Eu me tratei e me sinto curado, mas acho que tenho obrigação de falar com muita clareza pra quem tá passando por uma situação assim: peçam ajuda, gritem por socorro. Eu me isolei e isso é a pior coisa que você faz. Por um tempo, parei de ver uma saída. Se a minha história pode te ajudar de algum jeito, ou ajudar alguém que você conhece, chega mais que eu conto.

Amigos foram pra Europa. Ele, não

É lógico que não foi só o fato de o Santos não jogar na Vila Belmiro que me causou a tristeza e tudo mais que me levou à depressão.

Tu já ouviu falar do Santos de 1995? Foi o primeiro timaço em que eu joguei. Era moleque. Eu tô com 51, tinha na época o quê? 23, 24 anos. O Cabralzinho assumiu de técnico e fez uma revolução lá. Tirou todos os atacantes e botou um monte de meia. Eu, Vagner, Carlinhos, Gallo, Jamelli, o Giovanni de falso 9.

Deu certo, o time foi muito bem. A gente não tinha posição, era uma dinâmica muito única e fomos disparado o melhor time do Campeonato Brasileiro. Só não fomos campeões por causa da arbitragem do Márcio Rezende de Freitas, isso todo mundo sabe. Aquela tragédia.

Aí passou e veio 1996. Todo mundo começou a ir embora. Giovanni, Jamelli, Vagner… Todos valorizados e indo pra Europa, mas eu não. O time numa draga e, depois, veio a reforma da Vila. Jogar no Ibirapuera era uma merda. Um campo minúsculo, o adversário se fechava inteiro e o jogo não acontecia. Não gosto nem de lembrar.

Eu pensava que minha carreira ia decolar e não aconteceu. Foi o contrário disso. Eu comecei a me sentir esquisito, estranho, sem perspectiva. Frustrado, pra falar a palavra real.

Do meio pro fim de 96, eu ia chorando de carro pro treino. Enxugava meu rosto e ia pro vestiário. Na volta também. Eu achava normal e não falava nada pra ninguém. Vendo agora, o meu maior erro foi esse aí.

No Grêmio, lesão na estreia revela cicatrizes: ‘Acabou pra mim’

Em 1997, as coisas melhoraram no Santos. Chegou o Luxemburgo e, de cara, fomos campeões do Rio-São Paulo. A final foi no Maracanã, contra o Flamengo, 70 mil pessoas, Romário e Sávio… O time arrebentava e me deu uma animada. Eu pensava: “Ah, agora eu sou o cara”.

Foi aí que o Grêmio me comprou — o Felipão que me indicou. Lembro até hoje das notícias: pagaram um milhão e meio de dólares por mim. Essa valorização era o que eu sonhava e o Grêmio era o time a ser batido no Brasil. Era de lá pra Europa, de preferência para o Milan, e pra seleção brasileira.

No meu primeiro jogo do Campeonato Brasileiro de 97, contra o São Paulo, fui subir numa bola com o Zé Carlos. Quando desci, pisei num buraco, pisei em falso e aí rompi o ligamento cruzado do joelho esquerdo. Foi sinistro. Na minha estreia, parceiro. Caraca!

Aí eu me afundei. Acho que aquele meu processo de tristeza foi abafado pelo título que a gente conquistou no Santos. Meio que eu não cuidei daquilo, não resolvi internamente. E quando veio a lesão, eu percebi que estava tudo acumulado. Tu não pode esconder o que tá sentindo, tem que colocar pra fora. Não funciona assim: “Ah machucou, rompeu o ligamento, entrou em depressão”. Só trouxe à tona o que já existia.

As coisas que eu pensava depois dessa lesão eram: eu nunca mais vou voltar a jogar futebol, eu não vou mais conseguir sustentar minha família, eu nunca vou realizar meus sonhos de jogar na Europa ou na seleção. Acabou pra mim.

Foi aí que eu entrei num quadro de depressão gravíssimo.

Bipolaridade, síndrome do pânico e depressão

Meu quadro foi de bipolaridade, síndrome do pânico e a depressão em si. As pessoas do Grêmio é que começaram a perceber esses sinais e me deram todo o apoio. Tinha dias que eu acordava muito bem, feliz, e no mesmo dia começava a chorar por causa dessa sensação de que eu nunca mais ia jogar bola depois da lesão. É um vaivém de emoções impressionante, um negócio sinistro.

Nessa época eu também gastei muito dinheiro. Tinha um amigo que tava precisando de carro e tal e um dia eu falei: “cara, eu vou comprar um carro pra você”. Aí eu comprei. Isso é tentar encontrar uma felicidade, como se dar uma alegria pra alguém fosse me fazer feliz. Mas eu continuava incompleto.

Foi quando me internaram numa clínica psiquiátrica em Porto Alegre por dez dias. Pra mim, pareceram dez meses. Nem meus companheiros de time sabiam. A sensação era de não encontrar saída, desejar a morte. Teve um dia em que eu falei gritando: “Pô, Deus, se o senhor existe mesmo ou o senhor me mata agora ou o senhor me cura.” Eu tava clamando mesmo, meio que desistindo.

Lá na clínica tinha de tudo, depressivo, viciado… Era uma clínica chique pra caraca. Eu tava casado, o meu filho Patrick tinha acabado de nascer e eu já tinha a minha filha Júlia, a mais velha. Aí foi punk pra mim.

Mas pela primeira vez eu tive um diagnóstico. E quando rolou essa consciência, eu realmente me aquietei e tentei, de todas as formas, cumprir à risca aquilo que os médicos receitavam pra mim. Acompanhamento psicológico, remédios, caminhadas com o joelho operado e trabalho de terapia, mesmo. Tudo foi importante.

Minha cura na parte espiritual também foi fundamental.

Menino Maluquinho

Quando a história da minha internação vazou na imprensa, eu ganhei o apelido de “Menino Maluquinho”. Falavam do cabelo enroladinho e tal, mas eu sei que tem muito preconceito quando a pessoa se consulta com um psicólogo —não precisa nem ser psiquiatra. “Ah, to fazendo terapia”, então tu é maluco. No futebol da minha época tinha muito preconceito.

Era bullying, mas a gente não sabia. Eu tinha que encarar da melhor maneira possível. Quando o apelido veio, eu já tava com a cabeça tranquila, não fiquei aborrecido ou chateado. Eu ria e conseguia levar numa boa. Mas tem gente que, mesmo curado, se revolta se é tachado de maluco. Hoje, não existe esse preconceito no esporte. Clubes e as divisões de base têm terapeutas e psicológicos, pra evitar situações assim.

Volta ao Santos para pagar dívida de 1995 e ‘coroar a vida’

Em 1998, voltei a jogar ainda num processo de readaptação, mas dentro de campo, que era o que eu mais queria. Fizemos quartas de final do Brasileiro contra o Corinthians e eu joguei bem. Só que não era titular. No ano seguinte, fui emprestado pro Atlético-MG.

Fui vice-campeão brasileiro no Galo, reencontrei meu futebol. Ia voltar pro Grêmio, mas tinham aproveitado esse sucesso e me repassaram pro Palmeiras. Quando desembarquei em São Paulo, meu empresário me chamou e disse: “Pô, tu não vai mais pro Palmeiras, deu errado. Agora é o Santos, o que acha?” O Grêmio e o Santos tinham concordado de me trocar pelo Anderson Lima, o lateral-direito, e só faltava meu OK.

Eu já conhecia a cidade, conhecia o clube, tinha uma história. Aceitei. Foi a decisão mais top da minha vida. Essa segunda passagem foi 2000, 2001 e 2002. Ah, 2002… Fico até bobo de falar. Eu finalmente fui campeão brasileiro, irmão.

Tava entalado na garganta desde aquela final Santos x Botafogo. Eu era o elo, o representante daquela turma, jogando de novo no Santos e tendo a oportunidade de ser campeão. Tinha sido finalista pelo Atlético-MG e na terceira final eu não poderia deixar passar o título. Foi maravilhoso, um sentimento de missão cumprida. Eu tava em dívida com o Santos, o Brasileirão tava em dívida com o Santos e foi tudo pago com juros. Depois de passar tanto perrengue na vida, tive essa coroação, jogando a final. É de agradecer muito a Deus.

Nosso título de 2002 tá fazendo 20 anos esse ano. Só quero que role muita homenagem, muita lembrança, filme, documentário, livro, porque pegar um time que de 1 a 11 em que até alguns reservas jogaram na seleção é coisa de outro mundo. Só fenômenos.

Tu sabia que eu fui jogador de seleção? É que eu fui considerado o melhor meia-esquerda do Paulistão de 2001, aquele em que a gente caiu pro Corinthians no último minuto, na semifinal. Em fevereiro, tive minha primeira convocação, com o Emerson Leão.

Eram dois amistosos, contra Estados Unidos e México. Eu viajei, cheguei no hotel e foi uma emoção muito grande. Os caras já tavam todos lá e eu fiquei no quarto com o Rivaldo. Já era o grande Rivaldo, do Barcelona e tal. Quando eu desci pra almoçar com a galera, sentei na mesa. Rivaldo, Romário, Cafu, os caras todos do lado. Eu comecei a lembrar da minha trajetória pelo Olaria e comecei a me beliscar: “caraca, estou aqui mesmo do lado dos caras”.

Entrei um pouquinho do jogo contra os Estados Unidos. Contra o México, estávamos perdendo de 2 a 1 e empatamos. Um jogão, foi sensacional. Lotado o estádio, um jogo pegado e aquela minha atuação de uns 15 minutos fez com que eu fosse convocado mais vezes.

Joguei alguns jogos de Eliminatórias da Copa do Mundo, Copa das Confederações e amistosos. Foi o ano inteiro de seleção, meu auge técnico. Inesquecível. O Menino Maluquinho venceu na vida.

Jacky Naegelen/ReutersJacky Naegelen/Reuters

Hoje, trabalho como comentarista esportivo. Tava numa televisão e em três rádios, mas agora fiquei só em uma porque não conseguia administrar. Tenho um programa de esportes chamado “Paixão Nacional”, de segunda a sexta-feira, das 18h às 20h, na rádio 95 Capital, de Campo Grande.

Já fui treinador também, mas acabei me encontrando aqui, mesmo. Estou fluindo mais como comentarista e corneteiro (risos). É que eu sou muito ativo nas redes sociais, tô fazendo lives após os jogos do Santos e a audiência tá crescendo. Gostei desse lado.

Também cuido da minha família e dou palestras e testemunhos nas igrejas sobre como é importante descobrir por que se está vivo e qual é a sua missão. Por que você existe? Dinheiro, fama e sucesso não vão te dar a resposta para essa pergunta.

É bom ter dinheiro? É muito bom. É bom ter fama? Até certo ponto, sim. Mas essas coisas não podem ser o alicerce da tua vida. Se você não tiver uma base que vai te trazer segurança espiritual e segurança emocional, é como se seu chão fosse de gelatina. Uma hora e “puff”. E aí é que vêm as doenças emocionais.

Muita gente ao meu redor tem passado por isso e tento de alguma forma ajudar. Acho até que os casos de depressão têm aumentado por causa da pandemia. Temos que passar muita informação sobre isso. No meu caso, também passo a minha experiência.

Primeira coisa: coloca pra fora o que você tá sentindo.

Segunda: não se isole, porque em algum lugar você vai encontrar apoio.

Terceira: procure tratamento.

E se você acreditar em Deus, como eu, a quarta coisa é simples: confie.

Quem é Robert

Robert da Silva Almeida é radialista esportivo, tem 51 anos e jogou futebol profissionalmente entre 1990 e 2006. Campeão brasileiro pelo Santos em 2002 e campeão mineiro e vice-campeão brasileiro pelo Atlético-MG em 1999, também vestiu as camisas de clubes como Guarani, Grêmio, São Caetano, Corinthians, Bahia e Consadole Sapporo-JAP. Jogou a Copa das Confederações de 2001 pela seleção brasileira.

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