Um boteco chamado Suvaco de Cobra

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Couro comendo no verdadeiro Suvaco de Cobra

Por André Diniz e Diogo Cunha, escritores e pesquisadores, compartilhado de Alma de Bar




A turma do Suvaco de Cobra escovava os dentes com cerveja, uma vez que a domingueira começava às 9 horas da manhã e terminava às 14 horas. Tudo leva a crer que, no final da década de 60, o bar Santa Terezinha, plantado na rua Francisco Ênes, 124, no subúrbio carioca da Penha Circular, tornou-se um ponto obrigatório no mapa do choro.

O movimento foi encabeçado pelos “sócios” do estabelecimento, os irmãos Joyr Nascimento (violão sete cordas) e Joel Nascimento (bandolinista que à época tocava cavaquinho). Foi por volta de 1968 ou 1969 que a birosca de duas portas, de Zé da Garfanha, abiscoitou a alcunha de Suvaco de Cobra. Aos fatos. O nome de guerra foi proposto por José Gomes, O Zé Bode, comedido funcionário do Ministério da Fazenda.

Isso tudo numa manhã tipicamente suvaquiana, Zé Bode, sabiamente, levantou uma questão de cunho ecumênico: “A gente fica fazendo farra nesse bar com nome de santa; isso não tá certo. Pois então, de agora em diante, vamos chamar esse lugar de Suvaco de Cobra. E assim ficou.

Na obra Memória Afetiva do Botequim Carioca, os autores José Octavio Sebadelhe e Pedro Paulo Thiago de Mello desentocam o bar Santa Terezinha: “O bar possuía três metros de frente por cinco de fundura. No seu reduzido interior acomodavam-se três pequenas mesas fundidas em ferro e de espesso tampo de mármore, acompanhada de tradicionais cadeiras de madeira. O piso era constituído por pequenas pastinhas de cor branca, enquanto que suas paredes prevalecia a estética da época, com azulejos azuis e brancos. Em sua fachada, duas portas de acesso com esteiras metálicas. Ao fundo, um balcão de madeira e por detrás deste, um armário com prateleiras, junto com um frigorifico de madeira utilizado para o armazenamento de bebidas”.

Dino 7 Cordas era ilustre frequentador

Além dos irmãos Nascimento, muita gente boa puxou a fila desse Butantan musical: Zé da Velha, Rubinho do Piston, Abel Ferreira, Dino 7 Cordas, Índio do Cavaquinho, Jorginho do Pandeiro, Paulo Moura, Toco Preto, Walter, Valdir, Motinha do Bandolim e grande elenco.

Um dos ‘cantores’ mais afinados do Suvaco de Cobra era o barbeiro, que passou para a história com a alcunha de Paciência. Pelo que consta, o barbeiro do Subúrbio da Leopoldina não era nenhum barítono, nenhum Barbeiro de Sevilha, nenhum Fígaro de Rossini.

Era, isso sim, expert em aparar o telhado da rapaziada no próprio bar. Aos domingos o nosso Paciência fazia barba, cabelo e bigode no bar Santa Terezinha. Seria o nosso Paciência o pai das “barbearias-conceito” de hoje em dia?

Digo, barbearias repaginadas que juram de pés juntos proporcionar ao homem moderno um ambiente refinado, retrô-cool – sem falar no atendimento diferenciado (palavra da moda), que inclui: lâmina afiada, toalha quente, cerveja gelada e happy hour sem culpa…. Certamente não.

O bar Santa Terezinha estava longe dos 400 rótulos de cerveja e da mise-en-scène de menu variado. O modelo de negócio do pessoal do Suvaco era na base da Brahma gelada, mocotó e choro. Corta!

Paciência também era considerado o maior barbeiro de defuntos do subúrbio da Leopoldina. Com a carícia de sua lâmina, qualquer falecido adquiria, segundo testemunhos, dignidade mortuária. Até que, certa vez, o barbeiro andava a esmo pela Penha Circular e, por causa de suas ferramentas de trabalho, foi perseguido e grampeado por um policial, paciência!

Para salvar a pele do barbeiro, uma comitiva rumou do bar Santa Terezinha à delegacia, e, sem muito custo, conseguiu liberar o barbeiro e sua navalha. O comissário, compreendendo a gravidade da ação do subordinado, e a fim de reparar o dano, foi por muito tempo um dos maiores incentivadores do Bloco das Piranhas, entidade etílico-carnavalesca que saía todos os anos do bar Santa Terezinha:

“Abram alas, minha gente / Que vamos passar / Esse é o Bloco das Piranhas / Da Penha Circular”

Mas quem passou circulando foi o próprio Suvaco de Cobra. Explico. De olho no sucesso do Suvaco de Cobra, o ex-detetive De Paula resolveu colocá-lo debaixo do braço. Aos fatos. De Paula atribuiu a si próprio a alcunha de ser um dos “homens de ouro da polícia carioca”: uma mistura de milícia, contravenção, esquadrão da morte e o diabo. Dito isso, passamos a chinfra do ex-comissário.

Ela era tão grande que De Paula, sem um pingo de constrangimento, declarou ao Jornal do Brasil a criação da Scuderie Mariel Mariscot, “no exato momento em que nosso companheiro (Mariel Mariscot) caiu morto”. Ainda no dia do enterro de Mariel, o Jornal do Brasil registrou: “O ex-detetive De Paula, dono do bar Suvaco de Cobra, aonde Mariel ia todas as sextas-feiras, garantiu que a apuração do crime não demoraria mais de 72 horas”.

Rápidas no gatilho foram as jornalistas Diana Aragão e Lena Frias, quando, em setembro de 1977, denunciavam o oportunismo reinante com a tradição do respeitável Suvaco de Cobra: “Como tudo que é bom atrai os imitadores e toda arte incita ao pastiche, o Suvaco de Cobra, respeitável núcleo de choro do bairro da Penha (rua Francisco Ênes) não escapou à lamentável e grosseira imitação: gente inescrupulosa, sem respeito pela arte, artista ou público, passou a usar o nome do Suvaco de Cobra, à revelia dos autênticos chorões da Francisco Ênes, para fins comerciais, beneficiando-se da penetração do verdadeiro Suvaco junto ao público e falsificando as intenções do grupo de Joel do Bandolim”.

O Rio dos anos 1960

De Paula aplicou um golpe clássico na rapaziada da rua Francisco Ênes. Tomou na mão grande o nome Suvaco de Cobra, comprou um botequim maior, numa rua paralela ao bar Santa Terezinha e deu um banho de loja no local. Ainda teve a pachorra de estender uma faixa com letras garrafais na frente do “novo” Suvaco: “Aqui o verdadeiro Suvaco. O grupo Suvaco de Cobra solicita silêncio e respeito. A moral e a indumentária de acordo com o ambiente”.

Como se não bastasse, De Paula gostava de tocar surdo batendo com um vistoso anel de ouro na parte metálica do instrumento. Irritava chorões pudicos e até os de cabeça fresca.

Mais ou menos nesse período, o pessoal do grupo Suvaco de Cobra original também mudou de endereço. A mudança aconteceu rigorosamente porque “o bar que possuía três metros de frente por cinco de fundura”, ficou demasiadamente pequeno para acomodar tanta gente. A rapaziada passou a dar consulta numa casa verde e rosa ao lado do bar Santa Terezinha.

Betinho, “sócio” do Suvaco, não parecia esquentar a mufa com a situação: “Tenho certeza de que essa imitação vai durar pouco. Todos sabem que o verdadeiro Suvaco não cede, nem se desmoraliza (…) pouco a pouco, o pessoal descobrirá o que está acontecendo”.

De Paula abriu três pontos do Suvaco de Cobra: um na Penha Circular; outro na rua Teodoro Silva, 921, em Vila Isabel (mesma rua onde nasceu e morou Noel Rosa) e mais um na rua Jornalista Orlando Dantas, 53, em Botafogo.

No final da década de 1980, todos os Suvacos, até mesmo o seminal da rua Francisco Ênes, enrolaram bandeira. Não sobrou um Suvaco para contar história.

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