A Felicidade não se Compra. A paixão de Graciliano Ramos pelo cinema

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Por Nirton Venancio, cineasta, roteirista, poeta, professor de literatura e cinema

O escritor Graciliano Ramos era louco por cinema. Não perdia os filmes de Charles Chaplin, sua atriz predileta era Katherine Hepburn, e se divertia como uma criança de sua alagoana Quebrangulo com os desenhos da Disney. Mas sua preferência forte, que o faziam ficar sem piscar os olhos na tela, eram as comédias sarcásticas de Frank Capra, que diametralmente denunciava com humor, simplismo e idealismo o que escritor dissecava com angústia a vida seca dos seus personagens. Imagino a preciosidade do sentimento desse encontro do cinema apólogo do cineasta hollywoodiano com o arcabouço literário do “Dostoievski dos Trópicos”, como chama o biógrafo Dênis de Moraes em “O velho Graça” (José Olympio Editora, 1992).




Em “Memórias do cárcere”, obra póstuma de Graciliano, publicada seis meses após sua morte, em 1953, o escritor relata o período em que ficou preso por causa de seu envolvimento político durante a ditadura Vargas. Detido em Maceió, sem acusação formal, sem provas e sem processo, passou por vários presídios, inclusive a Colônia Correcional em Ilha Grande, RJ.

Entre as agruras que relata, há uma passagem (página 358, volume II, Editora Record) em que conta como ele e a colega encarcerada Nise da Silveira, a médica psiquiatra, ficavam horas em planos quiméricos com vontade de assistir a um filme:

“Ociosos e ausentes do mundo, precisávamos fazer esforços para não nos deixarmos vencer por doidos pensamentos. Causavam-me espanto os devaneios dos outros, às vezes me sentia resvalar numa credulidade quase infantil, e era doloroso notar os escorregos do espírito. Nise ficava uma hora a matutar nos programas de cinema, exigia a minha opinião, grave. Entrávamos a escolher fitas, enfim nos decidíamos:

– Vamos ao Metro.

Esse exercício estava sempre a repetir-se, e nem sei se era apenas brincadeira, se não chegávamos a admitir a possibilidade maluca de atravessar paredes e grades, sair à rua, tomar o ônibus, entrar nas lojas, nos cafés, nas livrarias e nos cinemas.”

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O título da postagem é a versão dos distribuidores brasileiros para o filme “It’s a wonderful life”, uma mistura de drama e fantasia na noite de Natal, que Capra dirigiu em 1946.

Na foto de autor desconhecido, o Cine Metro Passeio, RJ, aguardando Graciliano.

27 de outubro, 131 anos de seu nascimento.

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