A incrível ressurreição do The Who

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Por Diego a. Manrique, compartilhado de El País – 

A banda lança seu primeiro disco com material novo desde 2006. Pete Townshend e Roger Daltrey, inimigos íntimos, não gravaram juntos

O vocalista do The Who, Roger Daltrey, à esquerda, e o guitarrista Pete Townshend em um show nos EUA em setembro.
O vocalista do The Who, Roger Daltrey, à esquerda, e o guitarrista Pete Townshend em um show nos EUA em setembro.KEVIN MAZUR (GETTY IMAGES)

Houve um tempo em que o The Who era sinônimo de rock. Rock visceral e instruído. Sua curva de aprendizado foi surpreendente: o quarteto dominou rapidamente a arte de criar singles fascinantes até se acomodar no formato do LP, às vezes duplo e com vocação narrativa (o que foi chamado, grosso modo, de “ópera rock”). Seu líder e compositor, Pete Townshend, revelou-se um comentarista erudito da teoria e prática da música popular; abandonou o arrogante “espero morrer antes de ficar velho” para fugir do tópico do rock como música juvenil. E tudo isso enquanto a banda mantinha a força avassaladora de seus shows.

O The Who saiu de seu estado de graça de uma forma ruim, entre escândalos, broncas, tragédias. Sua seção rítmica foi se desintegrando, com as mortes repentinas do baterista Keith Moon e, 24 anos depois, do baixista John Entwistle. No final de 1979, 11 de seus fãs perderam a vida durante uma correria na entrada de um show em Cincinnati (lembremos que, devido ao assassinato ocorrido no festival de Altamont, em 1969, ainda são escritas teses sobre o fim de uma era). Townshend, desencantado e mergulhado em uma crise pessoal, anunciou o fim da banda nos anos oitenta. Foi uma decisão francamente prematura, que ele mesmo relativizou com aparições esporádicas: um certo peso na consciência os impulsionava a se reunir para eventos de caridade.

Seu público manteve sempre um grande entusiasmo. A música do The Who, aparentemente arisca e agressiva, demonstrou grande resiliência, principalmente em seus discos conceituais, potencializados pelo cinema. Tommy se transformou até em teatro musical, e Quadrophenia desencadeou a segunda onda do movimento mod. Assim, o grupo tinha o vento a seu favor quando se reuniu em 1989 para tocar seus grandes sucessos com eficientes músicos jovens. Com considerável dignidade, a banda se transformou em uma mina de ouro. Não ficou nada de fora: autobiografias, recopilações, álbuns solo, apresentações com orquestra sinfônica, Las Vegas, grandes festivais.




O que ninguém imaginava era que em 2019, 55 anos depois da fundação do grupo, fosse sair um disco com músicas novas. Mas saiu. Chama-se WHO (Polydor) e superou todas as expectativas. Estamos falando de uma banda bicéfala na qual mal existe relação humana ou criativa entre Townshend e seu porta-voz, Roger Daltrey. Imagine: o cantor não foi às sessões de gravação com Townshend: registrou suas partes vocais posteriormente, em outro estúdio.

Um absurdo, é claro, mas no mundo do The Who tudo funciona conforme regras muito particulares. Eles ignoraram seu prazo de validade: ambos, principalmente Townshend, sofrem de surdez. O que os move é a vontade artística em diferentes graus: Pete, de 74 anos, acaba de lançar um romance, The Age of Anxiety, que também quer transformar — oh, não — em uma “ópera multimídia”. Mais prático, Daltrey, de 75 anos, insiste na necessidade de atividade, dentro ou fora do The Who, para evitar o precipício que, segundo ele, aguarda os aposentados com muito tempo livre.

WHO tem uma capa tão atraente quanto enganosa. Obra de Peter Blake, o criador da capa de Sgt. Pepper’s, que aqui evoca os anos sessenta com uma perspectiva mod. O que pode nos levar a pensar no prometido, mas nunca entregue, disco de versões, ou em uma volta consciente ao som de suas origens. Mas não, embora se incluam faixas como Detour e Got Nothing to Prove, que poderiam ter combinado com The Who Sell Out (1967). O novo disco tem um respeitável acabamento moderno, obra do produtor nova-iorquino Dave Sardy, embora soe nitidamente como The Who, algo que certamente explica seu aparente sucesso de vendas.

O que torna WHO único é que Townshend não esconde sua idade e sua condição. O disco começa com All This Music Must Fade, onde o compositor parece avisar aos millenials que seus ídolos passarão de moda. Também expõe obsessões da terceira idade, como a possibilidade da reencarnação (I’ll Be Back). Recorda uma de suas primeiras experiências sexuais em She Rocked My World, envolvida por um fundo de spanish jazz que parece inspirado pelo selo CTI.

Sem esquecer que Townshend tem plena consciência de que vive no presente. Devorador de notícias, ele se inspira na tragédia do incêndio da Grenfell Tower londrina (Street Song), na interminável guerra do Afeganistão (This Gun Will Misfire), na vergonha dos presos de Guantánamo (Ball and Chain) e na polarização social gerada por questões como o Brexit (Rockin’ in Rage). Contra toda a lógica, em 2019 o The Who mantém sua relevância. Há algo de verdadeiro nesse mito do rock como elixir da juventude.

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