A matemática da representatividade

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Por Luana Génot, do O Globo, publicado no Portal Geledes – 

É absolutamente válido colocar intencionalmente mulheres, negras, pessoas com deficiência em vagas por ser quem são, somadas às suas competências e narrativas

Luana Génot. (Foto: Alex Cassiano/Divulgação)

Tamika Ward: “Você acha que consegui este cargo só porque sou negra?”. Natalie Figueroa: “Sim. E eu, provavelmente, consegui este cargo de diretora só porque era mulher! Mas quer saber? E daí? O importante não é por que você ganha a vaga, mas o que você faz com ela!”. Esse recorte do diálogo entre a Figueroa e Ward, personagens da série “Orange is the new black”, ilustra muito do que penso sobre reparação histórica e promoção da igualdade, de maneira geral. Sou apaixonada por algumas séries. E acabo, inevitavelmente, fazendo a conexão entre o que vejo e o que vivo no meu dia a dia, durante as visitas às empresas e os treinamentos que dou.




Desculpe-me se estou te dando um spoiler , mas, de todo modo, se ainda não viu esse trecho da série, certamente vai ficar com mais curiosidade ainda para ver a cena inteira, senão todas as temporadas.

Quando sou questionada por profissionais sobre se é legal empresas contratarem uma pessoa “só por ser” negra, mulher, deficiente, lésbica, bissexual ou trans, minha resposta é: este já seria um ótimo motivo em um país que vê a cor da pele, o gênero, a sexualidade e a deficiência (só para citar alguns exemplos) acima das competências das pessoas. Mas, certamente, assim como Figueroa, acredito que mais importante do que o motivo da contratação é o que a pessoa vai entregar por meio dessa oportunidade.

Assim como na vida real, quando olhamos o capítulo anterior da série, em que vários guardas, em sua maioria mulheres e homens brancos, foram entrevistados, vemos que Ward era de longe a mais preparada.

Jovem, negra, com menos tempo de casa do que outros profissionais, ela era a única que fazia um curso noturno para se aprimorar. Ward se preparou para a entrevista pedindo dicas a Caputo, seu professor do cursinho e ex-diretor do mesmo presídio. Seguindo à risca esses conselhos, ela atingiu em cheio as expectativas da recrutadora.

Além disso, também vemos que Ward foi eleita ao cargo por ser negra, já que a responsável pela seleção ganharia dinheiro com o preenchimento da cota de diversidade imposta pela empresa. Ser negra foi um dos fatores que ajudou Ward a conseguir sua promoção profissional? Sim, mas não foi “só por ser negra”. Ao se apegar a esse motivo, ela se sente depreciada e ignora toda a preparação que fez para conseguir o posto. Quantas de nós não nos subvalorizamos muitas vezes e questionamos se estamos ocupando um posto ou ganhando algo “só por ser quem somos”?

A cena também pode nos fazer refletir sobre a constante “demonização” de cotas e ações afirmativas, que nada mais são do que processos de reparação histórica, medidas intencionais e temporárias para a correção de desigualdades. Sim, é absolutamente válido colocar intencionalmente mulheres, negras, pessoas com deficiência em vagas por serem quem são, somadas às suas competências e narrativas (nada disso anda só). Isso permite com que se multipliquem exemplos de lideranças e inspirem pessoas que se veem representadas.

Todo mundo ganha com isso, já que talentos diversos são aproveitados e o dinheiro passa a circular nas mãos de mais gente. A matemática da representatividade é tão simples quanto essa.

E se você me perguntar hoje se sou colunista da Revista Ela só por ser negra, vou te responder: já seria um ótimo motivo, mas acho que vai muito além disso. O importante, para mim, é o que eu faço com essa oportunidade.

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