Consignado do Auxílio Brasil evidencia crueldade do governo ao transferir renda para os bancos

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O crédito consignado é uma boa modalidade de empréstimo em um país como o Brasil, recordista em juros altos e escorchantes para a população que necessita tomar crédito no sistema financeiro.

Compartilhado de Recorta Aí




Desde 1950 a consignação é permitida para servidores públicos. No Governo Lula (lei 10.820/2003) essa modalidade de crédito foi autorizada para os trabalhadores do setor privado e para aposentados e pensionistas do INSS, ganhando forte impulso a partir daquele ano.

O crédito consignado consiste, basicamente, em emprestar dinheiro com garantia de desconto em folha de pagamentos. Os bancos que emprestam têm a segurança que receberão o empréstimo, uma vez que os recursos serão regiamente descontados na folha de pagamentos dos empregadores. Se a operação for feita sem fraude, a inadimplência será zero ou próxima de zero.

Como os bancos têm certeza de retorno do montante emprestado, acrescido de juros, as taxas cobradas são menores do que aquelas cobradas em um empréstimo para qualquer pessoa física onde não há garantia de desconto em folha.

Nos últimos anos o volume de crédito consignado cresceu expressivamente. Segundo informações do Banco Central do Brasil (BCB), em abril de 2022 o saldo de crédito nessa modalidade atingiu R$ 301 bilhões, superior a 3% do PIB.

Os principais tomadores de empréstimos no crédito consignado são os servidores públicos (ativos, aposentados e pensionistas) das três esferas de governo e dos demais poderes, e os aposentados e pensionistas do INSS. Também trabalhadores da iniciativa privada têm acesso ao crédito consignado quando as empresas ou os representantes patronais concordam com o desconto em folha.

Tudo lindo e maravilhoso, certo? Nem tanto.

É possível afirmar que em um país onde os bancos e instituições financeiras cobram as mais altas taxas de juros do mundo, o crédito consignado foi um razoável alívio que permitiu que trabalhadores, servidores, aposentados e pensionistas, tomassem crédito para melhorar seu padrão de vida e também trocassem dívidas mais caras por dívidas mais baratas. Enfim, que acessassem crédito que, de outra forma, seriam inacessíveis com taxas proibitivas. Mesmo assim as taxas mensais e anuais seguem altas quando comparadas ao padrão mundial.

Segundo o BCB a taxa média anual, cobrada em abril de 2022, foi de 24,1%, ou seja, ainda muito alta e onerosa para os tomadores de crédito nessa modalidade.

Agora em 2022, a alguns meses da eleição presidencial, em um suposto gesto de “bondade”, o governo Bolsonaro resolveu estender o crédito consignado para os beneficiários do Auxílio Brasil/Bolsa Família. Porque se trata de uma crueldade e de uma mistificação como apontamos no título do artigo?

Os beneficiários do Auxílio Brasil receberão, a partir de agosto/2022, R$ 600 reais. E poderão emprestar até R$ 2000,00 para serem pagos em até 24 meses. O limite de desconto do benefício para pagamento de empréstimo consignado será 40% de R$ 400,00 (atual valor do benefício), uma vez que a elevação do benefício para R$ 600 só valerá até dezembro de 2022 e o pagamento do empréstimo avançará além dessa data.

Em uma simulação simples, ainda sem conhecer os detalhes da regulamentação, se um beneficiário tomar R$ 2000 reais em agosto de 2022, a uma taxa de juros de 4% ao mês (60,1% ao ano), ele levará cerca de 17 meses para quitar o empréstimo e pagará pouco mais de R$ 800 reais a título de juros nesse período. Os juros corresponderão a cerca de 40% do valor emprestado!

Em outras palavras, um beneficiário que tome um empréstimo de R$ 2000,00 a juros de 4% ao mês, levará 17 meses para quitá-lo, uma vez que a parcela máxima descontada não poderá ultrapassar R$ 160 por mês.
Se 10 milhões de beneficiários tomarem um empréstimo de R$ 2000 reais, serão transferidos para os bancos aproximadamente R$ 8,0 bilhões de reais na forma de juros. Aproximadamente R$ 800 reais de juros, multiplicado por 10 milhões de empréstimos.

Nesse exemplo hipotético, em 17 meses os beneficiários terão recebido R$ 7800 reais (5 parcelas de R$ 600 + 12 parcelas de R$ 400) e terão pago pouco mais de R$ 800 reais de juros, algo próximo de 10% do valor inicialmente emprestado. Considerando que R$ 600 já é um valor insuficiente para os gastos essenciais dessas famílias, os 10% a menos agravarão essa situação de vulnerabilidade de renda.

Diante desses números, diversas perguntas ficam no ar:

  1. Será apenas uma medida eleitoreira?
  2. Quem serão os principais ganhadores dessa modalidade de crédito consignado? Os bancos?
  3. É justificável socialmente oferecer esse crédito para famílias vulneráveis que, provavelmente, já estão muito endividadas e aumentarão ainda mais seu endividamento, com riscos de não conseguirem pagar todas as dívidas?
  4. É razoável que as taxas de juros sejam de 4% ao mês nessa modalidade de empréstimo?

Como a regulamentação ainda não foi publicada, pode ser que as taxas cobradas serão menores que essa que utilizamos nesse exercício hipotético. Mesmo que as taxas sejam menores, parcela significativa do montante recebido do benefício será transferida para os bancos na forma de juros. Um Robin Hood às avessas!

Nessa conjuntura, mesmo que a avaliação política caminhe na direção de criar esse empréstimo consignado para os beneficiários do Auxílio Brasil/Bolsa Família, as taxas cobradas nesse empréstimo deveriam ser as menores do mercado. Por exemplo, taxas iguais ao rendimento da caderneta de poupança, 0,5% ao mês ou 6,17% ao ano. Será que teríamos bancos candidatos a oferecer essa linha de crédito com essas taxas bem baixas?

Os liberais que comandam o Ministério da Economia e criaram esse programa, dirão: só tomarão os empréstimos as famílias que necessitarem e forem capazes de pagá-lo durante a vigência do programa. Será mesmo?

Certamente a maioria das famílias que tomará esse crédito tem pouca afinidade e convivência com o sistema financeiro, com suas taxas de juros e prazos de amortização. Mas terá interesse em emprestar os R$ 2000 reais para aliviar a difícil situação em que se encontram, com dificuldade para comprar alimentos e bens essenciais à sobrevivência.

Enfim, uma política pra lá de discutível, eleitoreira e de transferência do orçamento público. Parcela de um benefício insuficiente que é recebido como um direito para o enfrentamento da pobreza será transferida para os “tubarões” do sistema financeiro. Uma medida com requinte de crueldade e mistificação, que poderá trazer um alívio imediato, mas criará um fardo pesado nos próximos meses e anos para as famílias de baixa renda. Só podia ser nesse governo mesmo.

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