Falta de verba interrompe sanitização de favela carioca em plena 2ª onda

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Por André Balocco, compartilhado de Projeto Colabora – 

Sem conseguir repor equipamentos de proteção para covid-19, caça-coronas do Santa Marta, na Zona Sul do Rio, vão ter que aposentar vaporizadores

Os irmãos Tandy e Thiago na entrada da favela: iniciativa voluntária para barrar coronavírus na comunidade suspensa por falta de recursos (Foto: Ellan Lustosa)

Em meio à segunda onda de covid-19 que se alastra pela cidade, uma péssima notícia para os moradores do Santa Marta: a sanitização que os irmãos Tandy e Thiago Firmino estavam fazendo de graça na favela será interrompida neste sábado (28/11). Tudo porque as doações que mantinham o projeto de pé secaram e a rotina de reutilizar os EPIs, como macacões e máscaras face shield, começou a expor os voluntários – chamados de caça-coronas pelos vizinhos da comunidade.




Encravada em Botafogo, na Zona Sul carioca, o Santa Marta tem 3.908 moradores, segundo o Censo 2010, ou 6 mil, de acordo com quem lá vive. Dados oficiais atualizados no dia 24 de novembro apontam um crescimento de 43% na média móvel de casos na cidade, e de 216% no número de mortes, em comparação a duas semanas atrás. No Estado os números não são menos alarmantes. “Não tem outro jeito. Antes que um de nós pegue a Covid, melhor pararmos. Não dá mais para ficar reutilizando equipamentos de proteção”, lamenta Thiago.

A decisão cortou seu coração e o das duas dezenas de voluntários, que desde o início da pandemia sobem e descem a favela de uma a duas vezes por semana. Enquanto o dinheiro entrava na conta das vaquinhas, eles seguiam. Mês a mês os recursos foram diminuindo até que foram obrigados a reutilizar os equipamentos. Foi a gota d’água para a decisão drástica. “Não recebemos um único telefonema de governo estadual ou prefeitura. Ninguém se interessou na prevenção, ninguém quis sequer pagar a gasolina das nossas máquinas. Até mapeamos potenciais patrocinadores da ação, mas não conseguimos nada”, conta o guia turístico que idealizou a iniciativa.

Nesta terça-feira (24/11), o estado do Rio registrou o oitavo dia seguido de crescimento da média móvel de mortes por covid-19, indicando uma segunda onda – ou o repique da primeira – da pandemia: foram contabilizadas 113 óbitos e 2.145 casos em 24 horas. A capital, desde o começo da pandemia, registrou mais de 131 mil casos e quase 13 mil mortes.

Caça Corona em ação de sanitização no alto do Santa Marta: convites para desinfetar condomínios e prédios pequenos (Foto: Ellan Lustosa)
Caça Corona em ação de sanitização no alto do Santa Marta em julho: sem equipamentos para prosseguir com sanitização na favela (Foto: Ellan Lustosa)

No Santa Marta, a credibilidade do trabalho de sanitização rendeu uma parceria com a ONG Dados do Bem, que fez uma grande testagem no morro em outubro. Foram 700 testes, e 15% de infectados, mesmo com o trabalho preventivo que, segundo Thiago, ajuda também a matar insetos transmissores de outras doenças e até mesmo a bactéria que causa cinomose nos animais domésticos “Só de macacão são R$ 500 reais por sanitização”, diz. “Mais 150,00 de quaternário de amônio (base do preparado borrifado), 50,00 de gasolina, 100,00 de alimentação. Da uns 800,00 por ação, sem contar a diária dos voluntários. Estamos fazendo no amor e já chegamos a 60 ações, porque antes era duas vezes por semana”.

A decisão pegou o presidente da Associação de Moradores da favela de surpresa. Avisado pela reportagem, José Mário Hilário se espantou. Ele prometeu buscar soluções imediatas para evitar que o serviço cesse, ciente da sua importância para a comunidade, ainda mais agora, em meio ao recrudescimento da doença. “O trabalho que eles fazem é muito importante para a favela”, disse, alarmado, Hilário.

Thiago explica que não se trata apenas da ação sanitizadora, e enumera todo um planejamento logístico que precisa ser seguido à risca para que a ação funcione a contento. Buscar material, reunir o grupo, pagar passagem de quem vem de fora, comprar gasolina, estocar material, dar café da manhã e, depois, almoço. “Toda sexta a gente se reúne, prepara os equipamentos, deixa as botas arrumadas, os requisitos para, no dia seguinte, saírmos às 8h em ponto. É muito trabalho”, explica.

A empreitada formou sanitizadores no Chapéu Mangueira, Babilônia, Pavão/Pavãozinho, Providência, Vidigal, Jesuítas, em Santa Cruz, e até mesmo em comunidades no Espírito Santo e Pernambuco. Os recursos das vaquinhas acabaram e a iniciativa, pioneira, secou. “É o que falei. A gente sonhou em alugar uma van para nos levar a outras favelas – e tem muitas pequeninas sem nenhuma orientação, completamente abandonadas. Mas não conseguimos um patrocínio. Não dá mais para continuar. A cidade está toda aberta, baile, aglomeração, e ninguém mais se sensibiliza. Precisamos nos preservar”, argumenta Thiago.

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