Morremos um pouco a cada dia

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Por Ulysses Capozzoli jornalista, no Facebook

Tenho andado na Natureza, vendo o sol nascer e se pôr a cada dia. É um projeto de vida e o que acredito uma saída para a mediocridade que vivemos. Jornais, a que dediquei boa parte da vida, não me fazem falta. Em vez disso, incomodam pela superficialidade e adesismo.

Pode ser que eu esteja ficando velho. Envelhecendo como as estrelas que parecem eternas, mas que nascem vivem e morrem, como homens, borboletas e passarinhos. Algumas brilham, embora estejam mortas.




O que temos dela é o jorro de luz que atravessa o abismo do espaço-tempo. Até que os últimos grãos de luz cheguem às nossas retinas, mostrando a fulgurante explosão do fim.

De um desses retornos da Natureza, recebo uma mensagem com uma imagem. Eu mesmo, com a aparência de menino que tive até certa altura da vida, ao lado de uma das pessoas mais adoráveis que conheci: Candido Cerqueira Silva, o Candinho, na redação da Agência Folhas nos anos 1980.

Havíamos sido transferidos, da redação do jornal, para a agência, num projeto de mudanças marcado pelo autoritarismo e ressentimento de quem havia assumido a direção do jornal: Otavio Frias Filho.

Otavinho foi uma pessoa reprimida e mal resolvida. Não falo por crítica pessoal, que não me vejo no direito de fazer, e a quem duvidar disso sugiro a leitura do livro dele “Queda Livre-Ensaios de Risco”, nas palavras dele mesmo “descidas até os círculos do inferno pessoal”.

Ele não gostava de jornalistas nem de jornalismo e dizia ter assumido o jornal por exigência do pai, o que é discutível. Ninguém é obrigado a submeter-se a quem quer que seja e, se tomar essa decisão, terá um preço a pagar. Coisas da vida, sem nenhuma dramaticidade. Os que chegaram no jornal naquele momento foram hordas de oportunistas, trazidos por outros oportunistas, dispostos a mostrar serviço a qualquer custo. Quem resistiu ficou sob pressão.

O jornal da Barão de Limeira, que agora se diz vítima do poder, andou de mãos dadas com os generais-presidente que ocuparam o poder em 1964. Durante a ditadura, não tinha, por exemplo, editoriais, o que confirma o acerto de nossas avós de que “quem cala consente”.
Na chefia de reportagem da Agência Folhas − que fornecia conteúdo para todos os veículos do grupo e que até certa altura incluiu o sanguinolento “Notícias Populares”, além da “Folha da Tarde” por onde transitavam agentes da repressão – entre chefetes grosseiros, incluindo um stalinista, estava a doçura do Candinho: corajoso, sereno e afetivo.

Quem enviou a imagem que me tocou foi o fotógrafo Luis Antônio Novaes e, quando fez isso, não sabia que nosso amigo havia deixado este mundo nesta quarta-feira. Coincidência, para quem acredita em explicações sumárias. Nunca mais havia visto ou falado com Candinho,desde que saí do jornal, em meados dos anos 1980. E há anos não tinha contato com Novaes. Dos que estiveram por ali, na redação, sob comando de Boris Casoy de quem não tenho do que me queixar, muitos estão do outro lado do rio. Gisela Bisordi, mais tarde Aloísio Biondi, Helinho Belick e muitos outros, incluindo Otavio Frias Filho e, agora, o adorável Candinho.

O que ficou deles são memórias que, de alguma maneira, eles também levaram de nós. E isso significa que morremos aos poucos. A cada dia, hora e minutos.
Leio “Filhos do céu – entre vazio, luz e matéria” diálogo entre o filósofo Edgar Morin e o astrofísico Michel Cassé, ambos franceses. De Morin, meu mestre há muito tempo, recolho, entre um conjunto de reflexões, a ideia de que “sobreviver não é viver. Viver é viver poeticamente e isso, talvez, contenha uma mensagem cósmica”.

A questão, por trás desse argumento vem de uma fala do polímata inglês, matemático, engenheiro e poeta, Spencer Brown (1923-2016), evocando a ideia de um possível desejo do Universo em se conhecer, mas estar impedido devido à proximidade de si mesmo. Então, especula Brown, o Universo pode ter feito brotar, dele mesmo, um pedúnculo, algo como um broto, onde teria colocado um olho e mesmo um cérebro. Mas, se teve êxito nessa decisão, a operação do Cosmos teria se mostrado um fracasso por um afastamento longe demais, entre ele e o observador que gerou. E essa é a essência do problema: não nos vemos como parte do Universo, o espelho em que ele pretendeu se observar. Para quem pensa que essa é uma hipótese exótica talvez valha acrescentar a frase conhecida do biólogo inglês J.B.S. Haldane (1892-1964): “ O Universo não é só muito estranho, mas mais estranho do que podemos imaginar”.

Foto: Luis Novaes. Candinho e eu, numa das conversas que tivemos quando o futuro não era o passado..

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