HAVANA —  “Quantas pessoas moram aqui? Você teve contato com estrangeiros? Conhece as regras de higiene a seguir?”

 De casa em casa, 28 mil estudantes cubanos de Medicina repetem essas perguntas, incansavelmente, em busca de possíveis casos de coronavírus.




No bairro do Vedado, em Havana, a doutora Liz Caballero González, de 46 anos, acompanha dois estudantes, responsáveis por percorrerem o mesmo quarteirão todos os dias, visitando um total de 300 famílias.

Suas camisas brancas os distinguem do restante da população —  não suas máscaras que, como eles, também são usadas por pedestres nas ruas da ilha. A maioria dos estabelecimentos comerciais pede aos clientes que as coloquem antes de entrar.

Cuba, que tentou preservar até o fim o fluxo turístico que impulsiona sua economia, foi um dos últimos países da América Latina a fechar suas fronteiras para não residentes, em 24 de março. Até o momento, contabiliza 186 casos da Covid-19, incluindo seis mortes. Como precaução, 2.837 pessoas estão hospitalizadas.

Agora, deposita suas esperanças em sua rede médica, que está acima da média mundial, para impedir a propagação da doença. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a ilha tem  82 médicos para cada 10 mil habitantes, em comparação com 32 na França e 26 nos Estados Unidos.

Doutores “muito queridos”

O país conta com 25 faculdades de Medicina, além da prestigiada Escola Latino-Americana de Medicina (Elam), onde milhares de estudantes estrangeiros estudam.

—  Não temos a tecnologia de um país de primeiro mundo, mas temos uma equipe humana altamente treinada, com muita solidariedade e muito altruísmo —  diz a doutora Caballero, orgulhosa, enquanto supervisiona o trabalho de campo de seus alunos.

Esse trabalho de porta em porta “não é novidade”, explica ela.

O médico de família, um profissional designado para cada bairro e com um salário de cerca de US$ 50 por mês, realiza frequentemente a tarefa “diante de qualquer suspeita de qualquer doença transmissível”. Mas, “15 dias atrás, aumentou de intensidade, com pesquisa ativa com 100% da população”, completou.

—  Já estávamos acostumados a ir de porta em porta —  diz Susana Diaz, 19 anos, em seu segundo ano de Medicina. —  Sempre há um estágio, mais ou menos em setembro-outubro, quando fazemos pesquisas sobre a dengue. E, quando a situação com o coronavírus piorou, a universidade sugeriu que fizéssemos a pesquisa.

Qualquer caso suspeito de tosse ou febre é imediatamente relatado ao centro médico do bairro, informa Susana.

—  Muitas pessoas nos agradecem —  conta.

Os médicos são “muito queridos” aqui, confirma Maité Pérez, de 30 anos, que acabou de responder às perguntas dos alunos.

—  Eu me sinto muito bem, porque eles estão cuidando da nossa saúde.

Carlos Lagos, de 83 anos, aguenta o calor da ilha sem camisa. De sua porta, vê os estudantes diariamente.

—  Eles me perguntam se me sinto mal, se estou com febre, como me cuido —  explica.

O cuidado com os idosos, os mais vulneráveis ao coronavírus, é crucial, porque 20% dos cubanos têm mais de 60 anos.

Em Cuba, ilha sob embargo americano desde 1962, muitos produtos são regularmente escassos, às vezes até sabão. E, como o álcool em gel não é abundante, é substituído por uma solução à base de água e cloro, que os cubanos derramam nas mãos.

Na ausência de máscaras médicas, muitas pessoas improvisam, fazendo máscaras de pano, como Marina Ibáñez, de 56 anos.

—  Ao ver que todo mundo andava na rua sem um ‘nasobuco’ (máscara), me dei ao trabalho de sentar e fazer isso para as pessoas —  conta ela.

Com “nenhuma experiência” em costura, Marina pegou uma máscara emprestada de uma enfermeira para usar como modelo. Já costurou 50, que distribuiu para os vizinhos, e está se preparando para fazer mais. Afinal, diz ela, “isso não tem ciência!”

Voos cancelados

O governo da ilha anunciou nesta terça-feira que suspendeu a chegada de voos internacionais e que solicitou a saída de todos os barcos estrangeiros das águas da ilha do Caribe para conter a propagação do coronavírus.

Outra medida tomada pelo governo foi  suspender o desfile de 1º de maio,  em comemoração ao Dia do Trabalho, que ocorre todos os anos na Praça da Revolução, em Havana, como medida preventiva diante da pandemia da Covid-19.

Na semana passada, Cuba já havia isolado turistas e proibido que cubanos deixassem o país, além de decretar o fechamento de escolas e a suspensão de transporte público interregional.