Lira censura canal do ICL e singra o Mar do Caribe a bordo do “MSC Safardanas” enquanto Alagoas sucumbe às enchentes

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“Grandes ousadias e voluntarismos, muitas vezes, naufragam em águas rasas. É bom que Lira reflita sobre seu futuro”, escreve Costa Pinto

Compartilhado de Brasil 247

(Foto: Agência Câmara)

Epígrafe:

Safardana: “substantivo de dois gêneros. Pessoa que não possui escrúpulo, canalha. Sinônimos: biltre, pulha, safado, mariola, malandro, patife”.




Cruzeiros são sempre muito chatos e essencialmente bregas. Podem ser mais, ou menos, apimentados. Há pacotes de cruzeiros hedonistas que partem da Jamaica e pululam por ilhas caribenhas com todo mundo nu dentro e nos quais tudo é permitido. Afinal, para eles, ninguém é de ninguém e só há compromisso com o presente e com o que se vive aqui e agora. Houve relatos há uns 20 anos, em Brasília, de um cruzeiro no Mar Mediterrâneo em que a filha de um ministro de Estado à época e a neta de um senador de proa do Congresso passaram 15 dias à bordo de um navio disputando quem transava mais e com maior diversidade de parceiros (cujos nomes iam anotando e trocando impressões depois, como quem dialoga sobre a safra dos vinhos ou a picância das pimentas). Neste Ano da Graça de 2023 uma nova belonave aporta no centro da política brasileira apesar de estar singrando os mares do Caribe com três políticos locais – Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados; Elmar Nascimento, deputado pela Bahia e líder do União Brasil; e o senador Weverton Rocha (PDT-MA) – e uma penca de subcelebridades como o palhaço Tirulipa, o ator Eri Johnson, a cantora Jojo Todynho e o chicleteiro Bell Marques. O comando do navio está a cargo do cantor de estilo indefinido em 5.000 tons de ruindade e debilidade Wesley Safadão, que lidera a agenda de shows e performances embarcadas. É o “Cruzeiro do Safadão”. Mais apropriado seria chamá-lo de MSC Safardanas.

Antes de viajar a Miami, de onde tomou o bonde marítimo do Safadão, o presidente da Câmara dos Deputados empenhou-se por aprovar emenda constitucional da Reforma Tributária em dois turnos na Casa Legislativa que preside, além de enviar o Projeto de Lei que devolve ao Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) os poderes de atuar a favor da Receita Federal e do Tesouro Nacional nos julgamentos contra sonegadores. Ou seja, Lira mergulhou num barril de verniz republicano para lustrar a tez e depois foi se divertir ao som dos acordes que a mim soam apocalípticos do anfitrião do cruzeiro esquisitão. Na surdina, porém, torcendo para que o seu desempenho a favor da agenda de restauração econômica do País (que é, em tudo, do Governo Federal), o presidente da Câmara dos Deputados autorizou seu corpo de advogados a seguirem com ações de censura e perseguição ao canal de notícias ICL – Instituto Conhecimento Liberta – do economista e comunicador Eduardo Moreira. Aí, a máscara do censor caiu. O verniz de embalador e empacotador das teses econômicas do mercado financeiro não foi capaz de sustentar a maquiagem de “elevado republicanismo” dele. Ela derreteu e agora estão a ser realçadas as facetas do político menor, provinciano, censor, persecutor.

Arthur Lira move ação contra o ICL Notícias, canal que integra o ecossistema da mídia digital independente, pedindo que o YouTube retire do ar uma entrevista realizada com a ex-mulher dele, Julyenne Lira e 42 outros vídeos nos quais são relatadas ou explicadas denúncias e acusações contra ele. Além disso, quer R$ 300 mil de indenização por danos morais. Em coluna no Uol, o jornalista Chico Alves detalha os termos da ação de censura do presidente da Câmara. Em tudo, é mais um movimento típico do parlamentar alagoano. Ele nasceu politicamente no ambiente de mídia controlada de seu estado e floresceu em Brasília sob os tempos estranhos do bolsonarismo (que o nutriu e deu ousadia). Lira pode e deve contestar o que se fala dele, inclusive a confusa entrevista dada pela ex-mulher. O direito de peticionar, aprendem os causídicos desde o 1º semestre nos cursos de Direito, é universal. Contudo, o que o ICL Notícias fez foi jornalismo – e procurou, sem sucesso, a contraversão da presidência da Câmara. Além do quê, como registrou a coluna do Uol (link na referência anterior), as acusações formuladas contra Lira embasam ou sustentaram ações judiciais e/ou policiais. Censurar um veículo de comunicação e pedir a retirada em bloco de vídeos de seu canal do YouTube é, no mínimo, covardia. E se torna espantoso quando sabemos que a banca de assessoria jurídica do presidente da Câmara é integrada até por advogados criminalistas que têm longo histórico de perfilar ao lado da imprensa e das liberdades dos profissionais de imprensa em nome da OAB e da ABI.

Tão grave quanto lançar a ação persecutória contra um veículo da mídia digital independente e correr da cena local para se refestelar ao som de pagodes, hip hops e sertanejos de quinta qualidade no embalo das ondas caribenhas, é o fato de um político cuja vida pública se dá sobretudo em Alagoas, por onde é eleito, não se abalar de volta ao seu estado em meio a uma das maiores tragédias naturais dos últimos tempos. Há mortos e milhares de desabrigados na Região Metropolitana de Maceió e em municípios da Zona da Mata alagoana, base eleitoral de Lira. Parte da infraestrutura de Barra de São Miguel foi destruída. O município tem como prefeito Benedito de Lira, pai de Arthur Lira. Os maiores adversários paroquiais do presidente da Câmara, o senador Renan Calheiros e Renan Filho, ministro dos Transportes, estão desde a última 2ª feira rodando o estado e visitando os desabrigados, além de levar ao governo local recursos da União e convênios que mitiguem os estragos e o rastro de destruição provocados pelas chuvas e enchentes. 

Arthur Lira imaginou passar esta semana de recesso branco e impróprio, posto que o Parlamento presidido por ele segue funcionando, navegando sob a proteção de Poseidon e ao som infernal de Wesley Safadão e de seus convidados subcelebridades e bebendo a adega dionisíaca de viagem que organizou junto com o deputado Elmar e o senador Weverton. Porém, Zeus e Cronos deixaram claro que ninguém se torna maquiavélico com tamanha facilidade – afinal, para ser discípulo de fato de Nicolau Maquiavel tem de saber equilibrar a virtude e a fortuna. Ter sido um prócer da agenda econômica do Governo no Congresso não concedeu a Lira um habeas corpus para interromper investigações que podem avançar contra ele, ou não, e para censurar veículos de comunicação. Em meio ao barulho do cruzeiro “MSC Safardanas”, é mister que o presidente da Câmara encontre tempo e paciência para refletir sobre suas ações e sua gula institucional. Grandes ousadias e voluntarismos, muitas vezes, naufragam em águas rasas.

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