Meu Primeiro Zé Celso

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Por Ademir Assunção, poeta e jornalista

Uma das primeiras experiências que tive com o teatro foi uma peça encenada por Zé Celso. Chamava-se “Ensaio Geral do Carnaval do Povo”.




Eu tinha uns 16 anos. Não fazia ideia quem era Zé Celso. Amigos mais velhos disseram que era um cara importante no teatro brasileiro e que tinha acabado de voltar do exílio. As informações não circulavam na velocidade de megabytes, nem se apagavam instantaneamente na mesma velocidade.

Em Araraquara, interior de São Paulo, não havia peças com frequência. O antigo Teatro Municipal, na rua 3, onde Sartre deu uma famosa conferência no ano em que nasci (1961), havia sido demolido. O novo Teatro Municipal, construído no bairro chique da Fonte Luminosa, com fachadas de vidro e estilo modernoso, passava a maior parte do tempo fechado.

Foi lá que Zé Celso encenou a peça. Devia ser o ano de 1977.

Nunca tinha visto nada igual. Era um fuzuê, um desbunde, um delírio total. Eu não entendia nada de teatro, não tinha repertório algum e fiquei encantado com aquele monte de atrizes gostosas, seminuas, descende do palco, provocando a plateia, sentando no colo de senhores acompanhados de suas esposas.

A peça começou no Teatro Municipal – ícone da elite interiorana – foi para a rua e terminou no ginásio de esportes Gigantão – ícone do populacho.

No trajeto, parte do público debandou, chocado. Uma pequena parte foi atrás. Eu fui um deles.

Até então, as poucas encenações “teatrais” que eu havia visto se resumiam à Paixão de Cristo: uma procissão que saía da Igreja Santa Cruz e descia a rua 3 até a Matriz. Havia Verônicas vestidas de preto, como viúvas de Cristo, segurando velas acesas, um silêncio pesado.

O cortejo terminava diante de um caixão de vidro onde ficava uma escultura de Cristo em tamanho natural, todo arrebentado, torturado, com a tradicional coroa de espinhos. Minha mãe me levava quando era criança. Eu morria de medo, achava aquilo tudo muito sinistro, um filme de terror digno de Zé do Caixão.

A experiência com Zé Celso foi o oposto. Com aquela encenação de “Ensaio Geral do Carnaval do Povo” parecia que a vida era uma fuzarca, alegre, criativa, desordenada, pulsante. Parecia algo mais do que uma simples encenação.

Não entendi muita coisa, não tinha repertório para entender, mas a visão daquelas ninfas saltitando seminuas pelo Teatro Municipal, depois pelas ruas e finalmente no Gigantão, me marcou pelo resto da vida.

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