Nas urnas da ABI, os rumos do Jornalismo e o peso da realidade

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Aqueles velhos e bons repórteres, com as orelhas amassadas de tanto apertá-las contra o telefone na busca pela realidade dos fatos, definham na floresta de suposições e invencionices, mentiras deslavadas mesmo.

Por Gilberto de Souza, compartilhado de Correio do Brasil




Vice-presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), o jornalista Cid Benjamin fez o convite a este editor que vos escreve para ingressar na mais conceituada Casa de representatividade do Jornalismo brasileiro, o que muito me honra. Uma vez aceita a proposta e o pagamento da anuidade realizado; com direito a voz e voto na instituição que abriga os mais altos representantes da mídia nacional, percebo que é tempo para uma reflexão mais amiúde sobre o significado do prestígio que significa compor o quadro de associados.

ABI
A sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) é um marco à liberdade de expressão e da resistência pela democracia

Posso, por exemplo, discorrer sobre a necessidade madura, às raias do apodrecimento, de sair em defesa das centenas de colegas alijados das redações por força de uma realidade corporativa absolutamente perversa. Para ficarmos apenas aqui, no Rio de Janeiro, é possível perceber o ocaso dos diários impressos e a profusão de blogueiros, youtubersinfluencers e demais espécimes da fauna opinativa que alimenta ávidos leitores por informação descontextualizada, salvo as exceções imprescindíveis, claro.

Aqueles velhos e bons repórteres, com as orelhas amassadas de tanto apertá-las contra o telefone, na busca pela realidade dos fatos, definham na floresta de suposições e invencionices, mentiras deslavadas mesmo. Pântano inundado por um manancial de ‘clicks’, ‘retuítes’, compartilhamentos, ‘likes’, coraçõezinhos e milhões de acessos os quais, convertidos em dólares, sustentam a máquina mundial de catequese para o capitalismo explícito, tão selvagem quanto o cipoal em que habita.

Selvageria

Pensam alguns que lutar contra isso é sinal de demência. Não uma, mas mil vezes ouvi de mais de uma fonte que insistir em, diariamente, há mais de 20 anos — sem faltar um dia sequer — circular com as edições impressadigital e online do Correio do Brasil, é “malhar em ferro frio”. Quase um desatino. Uma Sierra Maestra contra as seis famílias que dominam a planície do Jornalismo brasileiro, abastecidas na inesgotável fonte das verbas públicas e no acordo tácito com as multinacionais que regem a economia nacional.

Para nossa sorte, ainda há pensamento libertário e um estrato intenso de brasileiros que não se rendem ao Consenso de Washington. São eles que assinam o CdB e, assim, nos mantêm vivos e prontos para seguir adiante, dia após dia, há 8.099 edições até esta segunda-feira.

Somos independentes do Erário e das verbas publicitárias que alisam as penas amestradas. As mesmas que apóiam golpes de Estado, elogiam o indizível e aplaudem iniciativas que dizimam a mínima equidade necessária à paz social, em nome do “empreendedorismo”, da “meritocracia” e da “livre iniciativa”, sinônimos da brutalidade imposta aos brasileiros.

Muitos diriam que, pensando assim, nem deveria ter aceito o convite, ainda que formulado pelo Cid, um guerreiro pelas liberdades democráticas, um daqueles jornalistas que fazem jus ao Jota maiúsculo da profissão. Ora, a ABI abrigou o ‘doutor’ Roberto Marinho, um dos principais artífices civis do golpe militar de 1964. Recebia o diário conservador paulistano Folha de S. Paulo, mesmo quando seus proprietários emprestavam os carros da distribuição de jornais para o transporte de presos políticos. A instituição ainda é pródiga em quadros que apoiam a estrutura de poder midiático instalado no país desde o Império, e isso não é segredo algum.

Eternas intempéries

A defesa do conservadorismo, até aqui, permanece a mesma, apesar do guarda-roupa atualizado, na proposta daqueles candidatos que fecham os olhos para os jornais independentes e de esquerda. Que tapam o nariz quando alguém fala em regulação da mídia e fazem pouco da situação de miséria em que se encontra uma parcela substancial de profissionais talentosos, no discurso que acompanha a ode ao tal ‘mercado’, sem uma proposta clara de transformação do sistema em vigor.

As eleições passadas na ABI, que conduziram à Presidência o conceituado e aguerrido jornalista Paulo Jeronimo de Sousa, o Pagê, no entanto, sinalizaram que há uma chance real e imediata de se romper o ciclo de louvores à mídia patronal e levar o apoio inédito a um segmento sempre atingido por raios e tempestades. Roma não foi construída da noite para o dia, mas foram necessários Pagê e Cid para colocar a pedra fundamental neste movimento de transformação, um divisor de águas que se consolida, agora, no pleito do próximo dia 29. Minhas homenagens a ambos, que se estendem a todos aqueles que participaram deste momento histórico e crucial para a profissão.

As necessárias correções de rumo, no entanto, fizeram-se necessárias ao longo do último triênio e duas chapas estão inscritas para receber os votos dos associados. Ambas reúnem jornalistas escaldados e contam com o apoio de eleitores respeitáveis, mas apenas uma será responsável por conduzir a ABI a uma era mais justa até 2025, espero. Seja lá quem receber o sufrágio majoritário, contudo, os rumos da entidade estão lançados, uma vez que os concorrentes derivam do mesmo ramo que destituiu o segmento passado, mais conservador.

Imperdoável

Em ambas as correntes, os elos principais carregam a respeitabilidade necessária a prestar os serviços relevantes e fundamentais ao desenvolvimento da Associação. Tanto Cristina Serra quanto Octávio Costa têm estatura moral para representar a Imprensa brasileira e, de forma alguma, o voto neles dignificará mais a um do que ao outro. São equivalentes, e a disputa será intensa. Caberá ao eleitor encontrar as razões inerentes ao seu modo de pensar mais íntimo para decidir entre eles.

Preciso, no entanto, confessar que hoje, aos meus 62 anos, guardo certas excentricidades. Entre elas, não saber perdoar instituições ou pessoas que traíram aquilo que julgo crucial ao rompimento dos grilhões que avassalam o Brasil, diante o poder econômico do Ocidente. Chegar ao posto mais alto na hierarquia federal, em um governo presumidamente de centro-esquerda, e se ajoelhar perante os meios conservadores de comunicação é uma dessas questões imperdoáveis, no meu ponto de vista. Usar desse poder para perseguir a mídia independente está no nível de atirar contra as próprias trincheiras. Uma traição imensa.

Jamais, e uso essa palavra com muita parcimônia, quem foi capaz de colocar a presidenta deposta Dilma Rousseff (PT) batendo ovos com Ana Maria Braga terá meu voto. Ou que garantiu o repasse de bilhões de reais dos cofres públicos para a mídia conservadora, mesmo diante do iminente golpe de Estado patrocinado pelas seis famílias midiáticas, salvas da falência pela mão amiga da autoridade servil. Não seria inconsequente a ponto de apoiar tamanha sabujice, ainda mais para a direção de uma Casa pela qual guardo tamanho respeito.

Torço e voto para que Octávio Costa e sua vice-presidente, a jornalista Regina Pimenta, com a vitória nas urnas, façam uma gestão capaz de apontar caminhos e trabalhar no resgate de tantos profissionais deixados à míngua por um sistema concentrador e injusto. Que lutem pela regulação da mídia e impeçam que qualquer esbirro, investido de algum poder, sirva de entrave à democracia com o apoio solerte aos poderosos, enquanto posa de justo e altruísta. Mas que também sejam generosos com os opositores, sem abrir mão do senso de justiça, pois somos todos jornalistas e tratemos de nos querer bem, que não será favor algum.

Gilberto de Souza é jornalista, editor-chefe do jornal Correio do Brasil.

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