O que muita gente não quer ver

Compartilhe:

Por Ulisses Capozzoli, jornalista, no Facebook – 

O jornal “Folha de S. Paulo”, que acidentalmente caiu em desgraça com o presidente eleito, mas já está fazendo os devidos esforços para recuperar as boas relações, anuncia hoje (3/11), em primeira página que trabalhadores informais já são 43% do total de ocupados. O que representa um recorde desde que a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) começou a separar a atividade por conta própria com e sem CNPJ, no início de 2015.




Resumo da opereta: de cada 10 brasileiros trabalhando no terceiro semestre que se encerrou mês passado, 4 estão na informalidade. Essa obviedade, constatável a olho nu, não impediu a “Folha” e os demais órgãos de imprensa de trombetear, até recentemente, uma suposta “recuperação da economia”. O que levou o candidato derrotado, Henrique Meirelles, a jactar-se de um mérito que nunca teve, sob o lema enganoso e oportunista do “Chama o Meirelles”.

O nome disso é falsidade ideológica, mas quem se importa se agora temos um “mito” para garantir nossa ressurreição? Os dados da Pnad, pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que um “alívio” recente no desemprego veio com “avanço de 1,5% na população ocupada, resultado da entrada de 1,3 milhão de pessoas no mercado de trabalho”.

Na verdade quase toda na informalidade. Informalidade é um eufemismo, um analgésico, para aliviar psicologicamente a gravidade de uma situação. Os informais na grande maioria estão mergulhados no subemprego: catam de latinhas de alumínio para reciclagem, o que enche de orgulho apresentadores de TV quando se referem às taxas desses reaproveitamentos no Brasil, até gente formada em determinada área, com custos sociais para o País.

Mas que se ocupa de outras tarefas. Em boa parte dos casos, tarefas que dispensam formações em que investiram anos de estudo e dinheiro. A situação vai mudar com o governo eleito? Nada indica que isso possa ocorrer, ao contrário.

E a explicação para isso não é antipatia ideológica, ainda que os simpatizantes dele insistam nessa versão. O que está por trás desse cenário angustiante é o apetite por lucros de grandes conglomerados internacionais, determinados a pôr fim a qualquer coisa que possa ser identificada com bem-estar social.

Essa onda tomou vulto na crise econômica internacional de 2008, a partir do Banco Lehman Brothers, nos Estados Unidos, e ainda não foi superada. A quebra do banco fez aniversário de 10 anos, no último dia 15 de setembro, mas quase não se falou disso. Não é conveniente. Mas a crise cresce e se espalha em complexidade e contradições, como um tsunami em alto mar.

A crise de 2008 levou a rainha da Inglaterra, Elizabeth II a perguntar, com o refinado humor inglês, “o que os economistas estavam fazendo que não foram capazes de predizer essa situação”? Estavam e continuam, em boa parte, fazendo planos otimistas lastreados por falsas premissas e por isso o futuro não será melhor que o passado.

Por mais que essa versão seja refutada por um otimismo sem lógica. Uma das evidências do que está ocorrendo? O leitor pode encontrar na mesma primeira página da Folha: “chega a 20 mil a população que vive nas ruas, em São Paulo”. Com um detalhe: esse número cresceu 25%, o que significa dizer, um quarto nos últimos três anos.

É pouco? Talvez para quem não aprendeu aritmética básica. Ou se satisfaz em pensar que esses são assuntos que não interessam, pois não vivem nas ruas. Não vivem, ainda, mas podem vir a viver, dependendo da duração e intensidade da crise sem solução no horizonte.

Nem mesmo o argumento de que a maioria votou no presidente eleito e por isso a democracia está assegurada, é real. Por que não? Os céticos que façam as contas, utilizando a mesma aritmética elementar por trás do desemprego e aumento da massa de miseráveis.

De acordo com o TSE, nas eleições do mês passado, dos 147.306.294 eleitores aptos a votar no segundo turno, 57.797.847 deram seu voto ao candidato eleito. Mas a diferença entre o total de votantes e o número de votos recebidos pelo vencedor mostra que 89.508.447, mais que 1,5 vez o que ele recebeu, não votaram nele e esse é um número significativo.

O eleito recebeu o maior número dos votos válidos, o que é regra do jogo. Mas a leitura da realidade é menos otimista do que sugerem as regras. Dos que não votaram, pelas razões mais diversas, uma parcela votaria no candidato vencedor? Sem dúvida, mas a mudança seria significativa? Nada autoriza a pensar assim. Os que se abstiveram de votar, em sua imensa maioria, tomaram essa posição por descredito nos candidatos finalistas, o que significa que elas não são adeptas do vencedor.

A confusão, até agora na escolha de ministros, entre os vencedores, com critérios espetaculosos, típico de certa maneira de conceber o mundo, em particular a participação de Moro como ministro. Neste segundo caso, a evidencia de um jogo de cartas marcadas, para qualquer jogador mais experiente, tende a complicar a situação.

Mas, o problema mesmo, está no rumo em que o grupo vencedor navega: para as praias do neoliberalismo. Exatamente de onde chegaram e continuam chegando as turbulências que criam desconforto político social a partir dos anos 1980, com Margareth Thatcher na Inglaterra e Ronald Reagan, nos Estados Unidos. Com direito à crise de 2008, em que, nos Estados Unidos, o Estado, o que significa dizer, os contribuintes, teve de intervir para amparar a General Motors, um dos símbolos do capitalismo. Para que não naufragasse. E levasse junto outras empresas para as profundezas. A lógica perversa da privatização dos lucros e da socialização dos prejuízos.

Imagem:  Salvador Dali

O Bem Blogado precisa de você para melhor informar você

Há sete anos, diariamente, levamos até você as mais importantes notícias e análises sobre os principais acontecimentos.

Recentemente, reestruturamos nosso layout a fim de facilitar a leitura e o entendimento dos textos apresentados.
Para dar continuidade e manter o site no ar, com qualidade e independência, dependemos do suporte financeiro de você, leitor, uma vez que os anúncios automáticos não cobrem nossos custos.
Para colaborar faça um PIX no valor que julgar justo.

Chave do Pix: bemblogado@gmail.com

Tags

Compartilhe:

Categorias