Os trunfos e as fragilidades de Cuba contra a covid-19

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Por The Conversation, compartilhado de Projeto Colabora – 

Governo centralizado, medicina avançada e experiência com desastres ajudam, mas falta de recursos pode ser fatal

Homem usa máscara facial na varanda em Havana. As autoridades cubanas dizem que o embargo econômico dos EUA vem dificultando o combate à covid-19. Foto Yamil Lage/AFP

(Emily Morris* e Ilan Kelman**) Alguns países parecem enfrentar a pandemia do novo coronavírus melhor que outros. Cuba agiu depressa para lidar com a ameaça. O país tem várias vantagens sobre muitos outros, incluindo assistência médica universal gratuita, a maior proporção mundial de médicos em relação à população e indicadores positivos de saúde, como alta expectativa de vida e baixa mortalidade infantil.




Muitos de seus médicos trabalharam no exterior, construindo e apoiando os sistemas de saúde de outros países, ganhando experiência em situações críticas. Uma população altamente qualificada e um setor de pesquisa médica avançada, incluindo três laboratórios equipados e com equipes para realizar testes de vírus, são outros pontos fortes.

Além disso, com uma economia centralizada e controlada pelo Estado, o governo de Cuba pode mobilizar a nação rapidamente. Sua estrutura de planejamento de emergência está conectada a organizações locais em todo o país. O sistema de preparação para desastres, com evacuações obrigatórias para pessoas vulneráveis, como deficientes e mulheres grávidas, é testado periodicamente devido aos furacões e tem funcionado muito bem, com perda de vidas notavelmente baixa.

No entanto, a covid-19 apresenta novos desafios. A falta de recursos, que prejudica a recuperação de desastres, também contribui para a falta de moradias, o que dificulta o distanciamento físico. E a fraca infraestrutura da ilha cria obstáculos logísticos. Além disso, a pandemia ocorre num momento particularmente difícil, já que as sanções mais severas dos EUA cortaram os ganhos com turismo e outros serviços, impediram o investimento estrangeiro, prejudicaram o comércio (incluindo importação de equipamentos médicos) e obstruíram o acesso a financiamento internacional – incluindo fundos de emergência.

A reação de Cuba à ameaça do novo coronavírus foi rápida. Um plano de prevenção e controle, adotado em janeiro de 2020, incluiu o treinamento de equipes médicas, a preparação de instalações de quarentena e a informação do público (incluindo trabalhadores do turismo) sobre sintomas e precauções. Assim, quando os três primeiros casos relatados foram confirmados, em 11 de março, foram tomadas providências para rastrear e isolar contatos. Estudantes de medicina foram mobilizados para pesquisas de porta em porta com o objetivo de identificar pessoas vulneráveis, verificar sintomas e implementar um programa de testes.

A médica cubana Liz Caballero (à direita), da policlínica El Vedado, em Havana, caminha com dois estudantes de medicina enquanto vão de porta em porta procurando possíveis casos do novo coronavírus. Foto Adalberto Roque/AFP
A médica cubana Liz Caballero (à direita), da policlínica El Vedado, em Havana, caminha com dois estudantes de medicina enquanto vão de porta em porta procurando possíveis casos do novo coronavírus. Foto Adalberto Roque/AFP

Em 20 de março, com 21 casos confirmados, o governo anunciou proibição ao ingresso de turistas, bloqueio de pessoas vulneráveis, provisão para trabalho doméstico, transferência de trabalhadores para tarefas prioritárias, proteção de emprego e assistência social.

Quando surgiram novas questões, o governo cubano ajustou sua resposta. Por exemplo, quando máscaras faciais e distanciamento físico se mostraram insuficientes para manter o transporte público seguro, os serviços foram suspensos e veículos e motoristas estaduais e privados foram contratados para transportar pacientes e trabalhadores essenciais. Para reduzir a aglomeração em lojas, o sistema de distribuição foi reorganizado e compras online foram introduzidas. A aplicação do distanciamento físico também foi intensificada.

Com 1.467 casos registrados até 29 de abril (130 casos por milhão de população), Cuba está na faixa intermediária da América Latina e do Caribe. Tendo identificado 16 grupos de surtos, as autoridades cubanas estão lutando agora para manter a situação sob controle.

A qualidade dos dados varia enormemente entre os países, com alguns governos substancialmente subnotificando ocorrências. Os casos relatados em Cuba são baseados em testes usando protocolos da OMS. Dois vizinhos do Caribe, usando métodos semelhantes, fornecem comparações úteis. A República Dominicana, a mais comparável em termos de população, renda e dependência do turismo, mostra como a doença pode se espalhar se as medidas forem menos eficazes. Em contraste, a Jamaica parece ter conseguido impedir a propagação da doença. A resposta inicial da Jamaica foi semelhante à de Cuba, mas menos casos entraram no país sem serem detectados antes da interrupção do turismo.

O que acontecerá em Cuba vai depender, em grande parte, da quantidade de testes disponíveis. Um indicador de comprometimento com esta tarefa é a proporção de testes para casos relatados. Segundo os dados disponíveis, Cuba (com 18.825 testes realizados) é a líder na região, com uma proporção de 25: 1, em comparação com 16: 1 na Jamaica e 3: 1 na República Dominicana. (Vietnã e Taiwan têm mais de 100: 1; Alemanha 10: 1; EUA 5: 1; e Reino Unido 4: 1).  Cerca de 40% dos recentes resultados positivos de Cuba são de casos assintomáticos.

Se o regime de rastreamento e testes de Cuba realmente se mostrar eficaz, sua experiência poderá oferecer lições para controlar a pandemia, e mais médicos estarão disponíveis para ajudar no esforço no exterior. Mas os testes são caros, em torno de US$ 50 cada. Por isso, se a dura batalha contra a covid-19 for prolongada, a falta de recursos e de acesso do país a financiamentos poderá ser fatal.

*Pesquisadora associada, Instituto das Américas, University College London (UCL)

** Professor na área de Desastres e Saúde da UCL

(Tradução: Trajano de Moraes)

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